F1 A Fórmula 1 e seu mundo de papel - Julianne Cerasoli Skip to content

A Fórmula 1 e seu mundo de papel

Lewis Hamilton/Twitter

Como assim dois textos no mesmo dia? Minha ideia original com o Blog Takeover era publicar 12 textos em quatro semanas, mas achei que podia agrupar alguns que dialogavam entre si e, ainda por cima, escolher 16 autores diferentes. Indo na mesma linha do Fábio, o Rodrigo Seraphin foi no âmago da questão: enquanto não doer no bolso…

Dos papéis de contrato milionários, aos papéis de bobo cada vez mais recorrentes aos fãs, o universo da F1 se constrói e reconstrói, cada dia apontando mais quem – e como – dá as cartas. Lembre-se, num universo de papel, nada mais lógico que Deus seja o papel-moeda, também conhecido como dinheiro.

Quando Hamilton se propôs a discutir ações práticas no combate às gritantes restrições de cunho racial no universo da F1 na primeira metade de 2020, parecia o inglês renegado a um papel de bobo da corte, por uma organização precária e nada midiática aos atos antirracistas antes das corridas e pelos questionamentos infundados de personalidades do esporte – brancas, é importante dizer – como Jackie Stewart ou Bernie Ecclestone, além, claro, de um silêncio conveniente de grande parte do grid com quem o britânico disputa.

Mas, se o rei dinheiro manda, os súditos o seguem. Foi a oportunidade de o marketing institucional aparecer e a FIA sequer titubeou: We Race as One pra lá, arco-íris com as equipes do circo pra cá e uma campanha que, no seu papel, parecia genuinamente ótima. Afinal, a categoria de tantas restrições criadas por pré-estruturas sociais estaria revendo seus conceitos, buscando novos horizontes, saindo cada vez mais da gestão de Bernie Ecclestone em direção ao showbiz estadunidense da Liberty.

Só que aí, a campanha de todo um ano, os discursos tão bem intencionados e o suposto suporte à sua principal estrela tiveram três grandes testes contra o Deus do papel, dinheiro. Acabariam sendo reprovados em todos eles. Acabariam FIA e a Liberty vendo seu castelo de cartas no âmbito social, frágil como um sulfite, desmoronar frente à própria palavra. Como diria o poeta, palavras ao vento.

Em Mugello, Hamilton exigia em sua camiseta justiça pelo assassinato de Breonna Taylor, mulher negra, pela mão de policiais brancos. A exigência nada mais é que sobre direitos humanos. Sobre sobrevivência. Mas ao ver o assunto tomar a frente de seus patrocinadores no quadro da vitória a FIA não vacilou e lá foi proibir “manifestações políticas” no pódio, temendo que Lewis poderia ter atitude semelhante no GP seguinte, na Rússia. Mais à frente, em novembro, a categoria que viu seu caixa ser inundado pelos petrodólares sauditas da Aramco, confirmou, para 2021, a inauguração do GP no país, ainda que o atual governo sofra e enfrente diversas sanções de cunho humanitário por políticas nada agradáveis, sobretudo contra as populações LGBT e contra as mulheres. 

Por fim, a categoria vê Nikita Mazepin comprar por cerca de 40 milhões de dólares uma vaga na Haas, e concede ao russo imediatamente um passe livre. O papel de Nikita é patético, desastroso, inconcebível para qualquer pessoa, ainda mais em condição pública e num meio com tanta formação de ídolos. Comportamentos raivosos e explosivos nas disputas na F2, comentários xenofóbicos, racistas e insensíveis à respeito da COVID-19 e assédio sexual carregado com exposição e humilhação públicas sem qualquer sinal genuíno de remorso foram todas varridos para debaixo do tapete nas últimas semanas, junto com a campanha da categoria – afinal, dificilmente qualquer mulher fã ou trabalhadora na categoria se sentirá confortável ou plenamente segura com Mazepin no paddock no próximo ano. 

A impressão que fica é que no mundo dos papéis da F1, existem protagonistas e coadjuvantes, donos da voz e aqueles que só é dado o direito de escutar. Seja como for, é um universo frágil, perigoso, que pode se esvair num sopro, num rasgar, numa gota de água, e absolutamente nada, nem uma tonelada do metal mais pesado é páreo para o Deus, dinheiro.

4 Comments

  1. Assista F-E, é mais bonitinha e tem mais sua cara. OOOOOO povo pra chorar por qualquer coisa…

  2. A F1, como qualquer outra categoria do automobilismo, é movida a dinheiro. Países com corridas entediantes são em países pagantes. Se as campanhas humanitárias não interferirem nos negócios serão bem vindas. Já o Mazepin é um caso delicado, concordo com vc que as atitudes dele são deploráveis o assédio então nem se fala, mas será que quem erra não pode ter uma chance de redenção?

  3. É triste, mas bobo era quem acreditava que o Mazepin podia ser expulso. Mudanças acontecem, mas são bem mais devagar do que gostariamos. Lembra das Gridgirls? Nem tem tanto tempo assim, e hoje é inconcebível. Caminhamos para frente, mas caminhamos, não corremos.

    Quanto a sua impressão de coadjuvantes/protagonistas, não é impressão, é de verdade mesmo. Em nenhum outro esporte popular, aqueles que estão no alto rendimento pagam para competir. Imagina se um jogador da premier league ou da NBA paga para jogar. Isso é normal na F1, e cada vez com mais dinheiro, hoje não compram só o lugar mas a equipe inteira.

  4. Parabéns pelo texto. Creio que a F1 atualmente reflete algumas das piores mazelas humanas. Esta longe de ser indutora de bons comportamentos.


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