F1 O fim de uma tradição - Julianne Cerasoli Skip to content

O fim de uma tradição

A coleção do Paulo

O ano acaba de começar, as esperanças estão renovadas e blá blá blá. Mas para o Paulo Pellegrini, jornalista, músico e professor universitário de São Luis, 2020 foi o fim de uma era. E mesmo ele considerando que ouvir a corrida só pela rádio pela primeira vez foi a “rendição final”, o texto muito bem escrito entrou na minha lista…

Na ânsia de escrever sobre Fórmula 1 para o blog da Julianne Cerasoli, deparei-me com o desafio de contar alguma história não contada e vi o quanto essa tarefa é quase impossível. Tudo já foi dito – como Fangio venceu espetacularmente o GP da Alemanha de 1957; a sequência de azares de Chris Amon, o melhor piloto de sua geração a nunca vencer uma corrida; o dia em que Jacky Ickx tirou uma vitória de Ayrton Senna em Mônaco; a treta entre Chico Serra e Raul Boesel que terminou em tapas – enfim, tantas histórias que falar sobre elas seria fazer mais do mesmo e, assim este texto aqui não poderia existir.

Aí lembrei de uma história que nunca foi contada: a minha. Mais precisamente, a minha história como telespectador e colecionador de corridas em vídeo, na cidade em que moro desde a infância, São Luís do Maranhão. Não posso afirmar que seja única, mas fica o convite para que outros contem histórias semelhantes – se não surgirem, vale a exclusividade da minha…

Tudo começou no início de 1983, quando meu pai apareceu em casa com um aparelho novo, o vídeo-cassete. Que família brasileira de classe média não tinha um desses nos anos 80? A sensação era mágica: sentar-se diante da TV para assistir a algo sobre o qual você tinha o controle de pausar, adiantar, ver de novo… A estreia do nosso aparelho foi com o VHS de Luciano do Valle apresentando todos os gols das Copas de Mundo, de 1930 a 1982. Um espetáculo.

Mas ainda havia outra magia: gravar o que estava passando na televisão. Sem qualquer motivo aparente e de modo totalmente aleatório, coincidiu de a primeira gravação caseira dos Pellegrini se dar em um domingo, 27 de março de 1983, exatamente na hora em que Galvão Bueno anunciava a largada do GP dos Estados Unidos Oeste, em Long Beach, na Califórnia.

“Luz vermelha acesa… Vai pintar a verde… A largada do Grande Prêmio de Long Beach… Keke Rosberg sai… Por dentro…”.

Assisti tantas vezes a essa fita que nunca me esqueci dessas palavras. E a largada do Grande Prêmio de Long Beach foi também a largada de um hábito que me acompanhou a vida inteira desde então: gravar as corridas de Fórmula 1.

Na verdade, esse primeiro ato de apertar o Rec coube a meu irmão mais velho, que o fez religiosamente durante todos os anos até 1990. Ao término do ensino médio – chamado ainda de segundo grau – ele arrumou as malas de volta para São Paulo e me incumbiu da missão de prosseguir a tradição.

Dessa forma, meu primeiro Rec foi a abertura da temporada de 1991, também nos EUA, só que no circuito de rua de Phoenix, um dia marcante para mim como telespectador pelo fato de estar agora “reinando” com o controle remoto nas mãos, e para a população ludovicense – é assim que se chama quem é nascido em São Luís – que testemunhou a primeira transmissão de F1 pela TV Mirante, do Sarney, que havia “tomado” a concessão da Globo da TV Difusora dias antes.

E assim fomos seguindo, domingo a domingo, com sol ou com chuva, da manhã, de tarde ou de madrugada, ano após ano, gravando no guerreiro vídeo-cassete todos os Grandes Prêmios. Impressionante imaginar como foi possível manter essa disciplina. Não poderia haver compromisso no horário. Nada de praia, nada de bola, nada de churrasco. Era sempre “só posso ir depois da corrida”. A mesma fala em 1983, quando eu tinha 9 anos de idade, a mesma fala em 2020, aos 46.

As gravações no vídeo-cassete seguiram até 2006. Isso significa que tenho, por exemplo, todas as corridas de Ayrton Senna em VHS. Consciente da obsolescência da tecnologia – as fitas estavam cada vez mais difíceis de se encontrar – tive que aposentar o velho VCR e partir para algo mais moderno. Assim, adquiri minha primeira gravadora de DVD, que estreou em casa junto com Lewis Hamilton na Fórmula 1, em 2007.

Ao contrário do vídeo-cassete, cujo único problema é o mofo, logo entendi que as gravações em DVD tinham suas armadilhas. O aparelho da Samsung era temperamental. Apesar da qualidade das gravações, era seletivo com determinadas marcas de DVD-R. Algumas mais tabajaras, como uma tal DLL, por exemplo, não davam certo nunca. Em outras, nem sempre as gravações conseguiam ser finalizadas. Mas, no fim das contas, eu sempre dava um jeito: se a gravação da transmissão ao vivo não prestasse, eu gravava a reprise no SporTV e ficava tudo certo.

Em 2010, cansado do comportamento temperamental do DVD Recorder da Samsung, adquiri um da LG, que tinha a vantagem de ter um HD de gravação. Ou seja, se desse pane no DVD-R, eu tinha a opção de gravar no HD e depois transferir para um DVD. Nesse esquema, fui mantendo as gravações até o último GP do ano passado, em Abu Dhabi. Quase 10 anos de gravações no LG, praticamente sem sustos.

Mas veio a pandemia, a Fórmula 1 teve férias forçadas até junho de 2020 e, em sua volta, quem resolveu entrar de recesso foi o minha gravadora LG. Provavelmente por causa de um pico de tensão, sua fonte queimou. Desesperado como quem leva um ente querido ao hospital em estado grave, levei o aparelho, com suas dezenas de corridas armazenadas no HD, à assistência técnica da LG em São Luís, mas fui desenganado pelo “médico”, ou melhor, pelo técnico:

“Este aparelho está fora de linha e não somos autorizados a fazer manutenção em aparelhos assim”.

Como um alcóolatra que ainda precisa de um último gole, apelei para o último dos recursos, já que as gravadoras de DVD simplesmente desapareceram do mercado: gravar as corridas de 2020 no próprio receptor da SKY, da casa dos meus pais. Mas era sabedor de que se tratava de uma medida extrema. Afinal, o aparelho não era meu, era da operadora, e ela poderia trocá-lo na primeira pane que ocorresse e levar todos os meus GPs embora.

Dessa forma, vinha gravando os GPs de 2020 mais por força do hábito, pelo vício da “cachaça” mesmo, pois já não havia sentido. Eram gravações que eu nunca veria, seja por não estarem em minha casa, seja por poderem ser levadas embora pela operadora a qualquer momento. Tanto que dei o braço a torcer ao mundo digital e no início do ano assinei o pacote da F1TV que dá direito ao arquivo de Grandes Prêmios desde 1981. Em outras palavras, tudo o que construí em 37 anos estava agora disponível apenas digitando login e senha. 

Para completar o drama, peguei covid no final de novembro e, isolado em casa, sequer pude gravar no receptor da SKY as três últimas provas de 2020, pois não poderia ir à casa dos pais. A segunda delas, em Sakhir, por não ter passado em TV aberta e eu não ter SporTV na minha casa, tive que ouvir pelo rádio – sim, Odinei Edson, Julianne Cerasoli e Alessandra Alves tiveram minha audiência no canal da BandNews FM na internet! – e me contentar pelo VT após o Domingo Maior. 

Ouvir F1 pelo rádio foi a minha rendição final. Sem ter como gravar mais, fechou-se um capítulo de minha vida. Sabia que esse momento um dia chegaria, já que nunca tive a possibilidade de adquirir um computador com não-sei-quantos teras de HD para gravar programas de TV, como se faz no século 21.

Agora, liberto, posso simplesmente assistir às corridas e depois assisti-las na Internet, como faria qualquer pessoa normal. E admirar a coleção de VHS e DVD que construí ao longo de quase quatro décadas, como faria qualquer pessoa absolutamente aficcionada por esses apaixonantes carrinhos voadores.

7 Comments

  1. Melhor texto até agora dessa leva de leitores-escritores. Excelente sair da chata rotina de falar dos temas proeminentes o tempo todo. Precisamos de mais variação.

    Infelizmente perdi a janela para enviar meu texto.

    Voltando ao texto acima: Bateu em mim um saudosismo absurdo. Como invejo essa coleção. Comecei com F1 em 78, mas segundo minha mãe eu já assistia antes. Hoje com 52, tento aplicar essa jogada do “só posso depois da corrida”, mas minha mulher (que é quem manda aqui), não topa essa desculpa.

    Assito as corridas como um maníaco, com Julianne via streaming no telefone, live timing da F1 no tablet e a transmissão da TV. Ninguém (nem mesmo eu) entende como consigo entender tudo que está rolando.

    Engraçado que nunca tive essa vontade de gravar as corridas, hoje vejo que deveria ter pensado nisso antes. Paulo, obrigado por me emocionar nesse dia xoxo de chuva no RJ. Espero que 2021 seja excelente para todos nós.

  2. Boa tarde.
    Gostaria de sugerir um método para manter o vício de gravar as corridas (tomar cachaça).
    Existe um programa de computador chamado Ocan. É um programa de captura de áudio e vídeo, funciona em computadores mais simples.
    Sei que o meio de gravação (tipo de cachaça) não faz muita diferença o que realmente importa e manter o vício (tomar cachaça).

  3. Parabéns pelo texto, Paulo! Há dois anos eu aprendi a ver as corridas uma semana depois pela F1TV, nas segundas… O que mais sinto falta é o rádio, principalmente porque, desde de muito, desligava o som da tv e só escutava o rádio, mesmo com os atrasos.

  4. Tivemos esta fase de gravar, e assistir, corridas em VHS. Lembro que um amigo do meu pai que morava no Japão trouxe uma fita da temporada de 1990. O GP de Phoenix foi assistido umas 100 vezes, apesar de não entender nada a narração em japonês… hahaha

  5. Belo texto.
    Também eu comecei a gravar as corridas de F1 em VHS no final da década de oitenta, altura em que tive videogravador em casa.
    Confesso que não tenho todas, mas ainda tenho o GP Japão de 1988 e 1991, GP Mónaco 1990, assim como as primeiras vitórias do Olivier Panis, Jacques Villeneuve e Mika Hakkinen. O problema é que agora não tenho o videogravador para ver essas corridas.
    Nessa época, finais dos anos oitenta e inicio de noventa, mesmo sem internet, eu devorava tudo o que era F1, desde jornais, revistas, livros, principalmente quando falava do Ayrton Senna.
    Adorei o texto do Paulo Pellegrini que me fez recordar os meus primeiros tempos de F1.

    cumprimentos

    visitem: https://estrelasf1.blogspot.com/

  6. Parabéns pelo texto, Paulo. Muito bom! Obrigado Julianne por permitir nos ver pelos olhos do Paulo. Tenho o costume de gravar os treinos livres e classificatórios em meu receptor Sky. Como eles geralmente acontecem no horário em que estou trabalhando, adquiri esse hábito. Também assisto todas as corridas. E só programo a minha viagem de férias após sair o calendário da Fórmula 1. Enfim, cada louco com sua mania!

  7. Sim, eu sei o que eh isto!! Pois te digo que eu tenho as corridas de F1, todas, . desde 1985. Primeiramente, em VHS, ateh o fim dos anos 90, quando passei a gravar em DVD, e transferir as corridas de ateh então, para o novo avanço tecnologico. ( Meus fins de semana eram dedicados a isto ateh fazer toda a regravação). A partir de 2014, passei a gravar no PC e transferir para um HD externo. Me coloco a tua disposição caso queira recuperar alguma corrida que ou não tenha ou esteja com problemas. Abs.


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