Por dentro da F1 e dos termos mais comuns da categoria – parte 1 - Julianne Cerasoli Skip to content

Por dentro da F1 e dos termos mais comuns da categoria – parte 1

Photo@Scuderia Ferrari Press Office

Começar a assistir corridas de F1 é entrar em um mundo de termos que não estão no nosso dia-a-dia. Lembro do meu orgulho em saber minhas primeiras palavras em inglês, e elas não foram ‘hello’ ou ‘goodbye’, mas sim ‘lap’, ‘time’, ‘winner’ e outros termos que eu via nas nos caracteres das transmissões. Isso sem falar em frases como ‘ele vai sair no meio do pelotão’ ou ‘foi punido porque não respeitou bandeira amarela’.

O fato é que há várias camadas de compreensão para uma corrida, e entender melhor os termos específicos também vai ajudar a mergulhar pelas camadas mais profundas. E, na maioria das vezes, quanto mais a gente entende, mais a gente gosta!

Muitos termos têm tradução para o português, mas tendem a ser usados em inglês e a tendência é isso se expandir para outras palavras. Os pilotos brasileiros estão indo bem cedo para a Europa, e tendem a não traduzir os termos. A gente dá bronca, mas eles já estão condicionados a falar no ‘balanço’ do carro e por aí vai. Então o jeito é já aprender em inglês mesmo! 

Stint: Sequência de voltas com o mesmo jogo de pneus. Então da largada até a primeira parada o piloto faz o primeiro stint, depois faz o segundo, e por aí vai. Se o piloto fala ‘’eu tive dificuldade no segundo stint’’ ele quer dizer que isso aconteceu depois que ele trocou os pneus pela primeira vez.

Undercut e Overcut: são dois tipos de estratégia para tentar ultrapassar um piloto usando a parada nos boxes. A opção por uma ou outra vai depender do desgaste dos pneus que ambos estão usando x velocidade de aquecimento de um jogo novo.

No undercut, você aposta que, se parar ANTES que seu rival, vai conseguir usar a maior aderência do pneu novo, andar bem mais rápido que ele e, quando o rival parar, ele vai voltar atrás de você. É usado quando os pneus estão muito desgastados.

No overcut, a aposta é a contrária: seus pneus ainda não estão tão desgastados, então você fica na pista por mais voltas, para DEPOIS de seu rival, apostando que ele terá dificuldades em aquecer o pneu quando trocá-lo ou terá um ritmo pior que o seu por outro motivo (trânsito, por exemplo). Com os pneus de alta degradação da Pirelli, é muito mais comum que o undercut funcione do que o overcut.

Graining: Ficou conhecido no Brasil como macarrãozinho, mas talvez fique mais claro se chamarmos de granulação. É quando a fricção, especialmente quando o pneu está funcionando abaixo da temperatura ideal, faz com que parte da borracha se desfaça e volte a colar no pneu deformada, como um grão. Isso diminui a superfície de contato com asfalto e causa falta de aderência. Graining é diferente de outros tipos de problemas de pneu porque, eventualmente, esses ‘’grãos’’ se descolam, então muitas vezes os engenheiros pedem paciência para os pilotos, que eles esperem que ‘’o graining limpe’’. Mas também pode acontecer o inverso: com menos aderência, o piloto derrapa e o pneu só piora. Explico tudo isso melhor aqui.

Downforce/pressão aerodinâmica: É a força que ‘’gruda’’ o carro no chão, que lhe dá aderência suficiente para que os pilotos consigam fazer curvas com alta velocidade. Quanto mais pressão aerodinâmica o carro gerar, mais velocidade o piloto poderá imprimir nas curvas, ganhando tempo. Mas a pressão aerodinâmica tem um subproduto ruim, o arrasto, ou drag.

Asa de Mônaco x Asa de Monza

Arrasto/drag: A resistência ao ar, que vai frear um objeto. Voltando para nossas pistas, um carro que só é feito pensando em gerar pressão aerodinâmica vai acabar sendo lento nas retas, pois vai gerar muito arrasto. Então o grande desafio é ter esse equilíbrio.

É por isso, também, que vemos os carros em Mônaco com asas bem maiores do que em Monza: como quase não tem reta em Mônaco, o foco é em gerar o máximo de downforce, e em Monza é preciso tirar o máximo de drag.

Um jeito fácil de entender os limites entre o que gera muito arrasto e o que é aerodinamicamente eficiente é colocar a mão para fora do vidro de um carro em movimento: dependendo da maneira como você posicionar sua mão, ela vai tender a ir para trás, o que significa que você está gerando muito arrasto com ela.

Não que eu recomende fazer isso: cansei de levar bronca do meu pai por fazer isso na estrada. ‘’Os caminhoneiros vão achar que é sinal’’, dizia ele. Eu só estava brincando de Adrian Newey!

Pegar o vácuo/tow/slipstream: É uma área de baixa pressão aerodinâmica formada pelo carro que vai à frente, que ‘’suga’’ quem vai atrás, aumentando sua velocidade porque há menos resistência ao ar nesta zona (já que o carro da frente está atuando como uma espécie de escudo, tirando parte do arrasto, ou seja, da resistência ao ar). Então, quando você entra nessa zona em uma reta, isso vai ajudar o carro a ganhar velocidade, porque a resistência ao ar será menor dentro desse ‘’escudo’’.

Ar sujo/ar limpo: Você pode estar pensando ‘’então qual a diferença entre vácuo e ar sujo, ou ar turbulento’’? Sim, é a mesma coisa do ponto de vista físico. Mas a diferença, no automobilismo, é o momento em que você encontra isso. Numa reta, ou seja, com mais aderência, estar nessa zona de baixa pressão aerodinâmica é bom, vai fazer com que seu carro ganhe velocidade. Fora isso, é muito ruim, porque você só vai ter o subproduto dessa zona de baixa pressão aerodinâmica, que é a perda de aderência.

Então quando o piloto reclama da turbulência, ele quer dizer que passar a volta inteira atrás de outro piloto estava fazendo com que ele sinta perda de aderência (o que acontece principalmente nas freadas e no meio das curvas). Ao passo que, quando ele pede ‘’me coloque no ar limpo’’, ele entende que vai conseguir um ritmo melhor se estiver correndo sozinho. Isso é especialmente importante com os pneus Pirelli porque eles tendem a se superaquecer quando um piloto segue o outro de perto.

Photo@Red Bull Content Pool

DRS: Asa traseira móvel em inglês, ou drag reduction system na terminologia em inglês (sistema de redução de arrasto) foi implementada em 2011 como forma de diminuir a dificuldade de se ultrapassar. Quando o DRS está ativado, as lâminas da asa traseira ficam paralelas ao solo, oferecendo menos resistência ao ar (menos arrasto) e fazendo o carro ganhar velocidade. O piloto recebe um aviso em seu volante de que pode ativá-la e ela se fecha sozinha quando ele aciona o freio. 

Apex/Tangente: direto das aulas do ensino médio para a F1. A tangente é um ponto no meio da zebra da parte de dentro da curva que serve como uma ‘’mira’’ para o piloto. A trajetória mais rápida de uma curva geralmente é usando todo o espaço no canto da pista para a entrada, depois ‘’beijar a tangente’’ e deixar o carro deslizar para que ele se endireite e seja possível acelerar o mais rápido possível. Se o carro não está bem equilibrado, vai ser difícil tocar na tangente, o que vai significar que o piloto não fez aquela curva da forma mais rápida que poderia.

Understeer/Carro Sair de Frente/Subesterço e Oversteer/Carro sair de frente/Sobresterço: Quando o piloto fala que o carro não está equilibrado, ele está se referindo a um desses problemas. Isso porque um carro equilibrado quer dizer que a dianteira e a traseira estão girando em harmonia nas curvas. Mas na maior parte do tempo, o carro não vai se comportar dessa maneira.

No understeer, o piloto vira o volante em direção à tangente, mas a frente do carro aponta para fora. Então ele não esterça o suficiente, não vira o suficiente. Quando você vê um piloto fazendo a curva mais aberta que os outros, ficando longe da zebra da parte de dentro, é porque ele está sofrendo com understeer.

O contrário vai acontecer no oversteer, em que a traseira do carro parece que tem vida própria. É mais fácil ver um carro saindo de traseira, já que ela derrapa e muitas vezes vemos o piloto corrigindo a trajetória virando o volante para o lado contrário ao da curva. Pode parecer espetacular, mas não é muito rápido!

Photo: Mercedes

Unidade de potência (power unit, powertrain, e há quem chame de unidade motriz): Esse termo começou a ser usado na F1 em 2014, depois que o motor a combustão ganhou outros itens trabalhando ao seu redor, já que a F1 passou a adotar um sistema híbrido, ou seja, que não usa apenas o combustível fóssil como fonte de energia. Muitas vezes, continuamos chamando-o de motor para simplificar, mas a unidade de potência da F1 é composta de seis elementos – além do motor a combustão, são eles o MGU-K, MGU-H, turbo, centralina eletrônica e bateria. Só costumamos ‘’lembrar’’ destes itens ou quando o motor quebra (‘’foi uma falha no K’’, dizem os pilotos), ou para calcular punições.

Isso porque as punições de perda de posição no grid vão variar de acordo com o número de elementos que passou do limite (os limites também são diferentes: duas centralinas e baterias, e três MGU-K – se a temporada tiver mais de 19 etapas, MGU-H, turbo e motor). Novamente, muitas vezes simplificamos (tem punição por troca de motor), então se você quer entender por que às vezes se troca algo e perde-se cinco posições, e por que em outras situações o piloto vai para o fundo do grid, tem que entender o que foi trocado exatamente.  

MGU-K e H: O primeiro é um sistema semelhante ao usado em muitos carros de rua e recupera a energia cinética da frenagem, que seria dissipada em calor normalmente e é transformada por um motor elétrico. Hoje em dia o limite de 160bhp é usado por toda a volta, o que é controlado eletronicamente pelos famosos modos de motor. A grande diferença entre as unidades de potência está na eficiência do MGU-H, que usa gases para girar a turbina do turbocompressor, melhorando o torque em velocidades mais baixas e também gerando energia elétrica para alimentar a bateria. 

Brake By Wire: É o sistema que conecta o freio traseiro ao MGU-K para que a energia seja recuperada. Então o sistema eletrônico ‘’traduz’’ a pressão que o piloto aplica para que o freio traseiro seja acionado, ao contrário do freio dianteiro, que é acionado hidraulicamente.

Pullrod e pushrod: São dois tipos de geometria de suspensão. Era um assunto mais comum há uns 10 anos, já que desde então as equipes têm explorado as pushrods, então resgato aqui um texto de 2012. Mas é possível que voltemos a falar nisso ano que vem, porque há rumores de que teremos algumas surpresas por aí com o novo regulamento.

Flow-vis: Essa é para quem acompanha treinos livres. Sabe quando uma tinta bem colorida é colocada no carro e ‘suja’ toda a pintura? Trata-se de um pó colorido, que é adicionado a um óleo e é colocado em determinadas partes do carro para que, quando ele estiver em movimento, essa mistura se espalhe e revele o fluxo aerodinâmico. Até porque flow-vis nada mais é que visualização de fluxo (flow visualization). É uma maneira de as equipes confirmarem se os fluxos que eles veem em simulação são realidade em pista.

E tem mais! Publico a segunda parte da lista na sexta-feira do GP da França.

5 Comments

  1. Ótimo, Ju! Muito obrigado 🙂
    E o post de 2012 me fez lembrar dos comentários do AUCAM e os textos do Ico.

  2. Ju, acho que de algum modo esse glossário tinha que estar sempre acessível a seus leitores no blog e demais canais, para cativar gente nova. Muito bem explicadinho, as usual. bjinho Jo (cativada todo dia)

    *Josiann**e Francia Cerasoli* *Departamento de História – Unicamp*

    *https://www.ifch.unicamp.br/ciec/ * *Observatório de Direitos Humanos – Unicamp*

    *http://www.odh.unicamp.br/ *

  3. Boas!!! Tenho uma compreensão diferente com o MGU-H, Julianne diz “que usa gases para girar a turbina do turbocompressor”, acho que ele usa os gazes quentes gerados pela turbina, para gerar energia elétrica e alimentar o motor, a turbina é que usa os gases do escapamento para funcionar. O Arrasto também é algo que vejo diferente, “A resistência ao ar, que vai frear um objeto. Voltando para nossas pistas, um carro que só é feito pensando em gerar pressão aerodinâmica vai acabar sendo lento nas retas, pois vai gerar muito arrasto”. O ARRASTO. Eu entendendo arrasto como o produto gerado pelo ar que contorna toda a aerodinâmica projetada pela menor resistência ao AR, junto com o compromisso do downforce, daí, na sequencia da fluidez desse ar ocorrem vórtices (redemoinhos), isso já na parte final da traseira do carro ou mesmo de alguns centímetros a metros depois da carenagem, pelas leis da física acabam “prendendo” ou segurando o carro. O efeito Coanda dos escapamentos soprados usam esse efeito, só que a favor de prender o carro ao solo. O AR SUJO. Surge exatamente desse arrasto provocado após todo o ar passar pelo carro da frente, gerando muitos “redemoinhos”, um ar bastante nervoso e sem direção precisa para que o encara.

  4. Um daqueles textos de excelência, deveria constar como de leitura obrigatória, parabéns


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