Tudo sobre os simuladores da Fórmula 1 - Julianne Cerasoli Skip to content

Tudo sobre os simuladores da Fórmula 1

Quem nunca viu uma equipe parecer perdida numa sexta-feira de treinos livres e depois dar a volta por cima no domingo? Para isso, os engenheiros se debruçam sobre um sem-número de dados. E também contam inúmeras vezes com um piloto que nem está no local do GP. Parte (muito importante) das funções do piloto de testes é experimentar soluções de acerto e configurações do carro na fábrica. Aqui explico como funcionam os simuladores da Fórmula 1, uma ferramenta fundamental de performance na categoria.

Visualmente, estes simuladores não são muito diferentes dos games que existem hoje em dia. Mas sua função não é gerar realismo neste sentido. O foco aqui é que a resposta de qualquer configuração da simulação (uma mola mais macia, um ângulo diferente de asa) seja o mais próxima possível àquela que o piloto terá na pista. Por isso os parâmetros dos carros e das pistas precisam estar perfeitamente calibrados.

Como as equipes coletam os dados para os simuladores da Fórmula 1?

Para isso, a preparação começa com os dados da pista coletados pelos mapas LiDAR (Light Detection and Ranging – detecção de luz e alcance). O nome é complicado, mas trata-se de um “raio-X” de uma pista, com todos os seus detalhes de topografia, cambagem das curvas, zebras, etc., captado por laser. Para a parte mais visual, por exemplo das referências para pontos de frenagem, usa-se softwares como rFpro. 

Isso gera um mapa detalhado que as equipes colocam em seus simuladores. É como se fosse uma gaiola com enormes telas com a pista em questão. Eles recebem o nome de “driver-in-the-loop”, ou DiL. É algo “emprestado” da indústria aeronáutica e que é como um videogame, mas muito mais preciso. E com a diferença de tentar reproduzir parte das forças físicas que atuam nos pilotos na pista. É justamente por isso que eles têm o formato de gaiola, sustentada por braços que fazem esses movimentos. E também é aí que a ‘brincadeira’ fica diferente do simulador caseiro.

Conversei sobre isso com Ricardo Penteado quando ele ainda estava na Lotus (hoje Alpine), antes da estreia do GP dos Estados Unidos em 2012,

“Há um catálogo gigantesco com todas as peças do carro. Você monta o seu carro nesse programa de simulação e cada peça do carro está modelizada, então você sabe qual é a influência de cada peça no conjunto final do carro. Quando você lança isso no simulador, ele analisa qual o máximo de aderência, qual o máximo de torque de motor que ele vai poder passar para a roda – o que vai resultar na posição do pedal do piloto.”

Ricardo Penteado

Mudanças no regulamento aumentaram a importância dos simuladores na F1

Aliás, é por isso que os simuladores se tornaram tão importantes na Fórmula 1 nos últimos anos. Com a limitação nos testes de pista e da utilização do túnel de vento da última década, todas as ferramentas de simulação ganharam importância.

E esse é um processo que ainda está acontecendo. Isso porque, a partir do regulamento de 2021, entrou em vigor um novo limite de desenvolvimento aerodinâmico, que limita os testes de acordo com a posição da equipe no campeonato. Então, antes de produzir peças, vale comprovar seus números usando o simulador.

Como o simulador mudou a abordagem dos pilotos na F1

simuladores da Fórmula 1
Mercedes

Mas os simuladores servem mais para testar acertos para as diferentes pistas e é por essas e outras que você ser um grande “acertador de carros” já não é algo tão importante.

Primeiro, vou voltar algumas casas. Quando se diz que “é muito difícil comparar pilotos de eras diferentes”, não é tentar fugir da discussão de quem é melhor, mas sim um pensamento lógico. Afinal, o esporte foi se transformando e o que era uma grande vantagem em determinada época, de pouco vale hoje. E um bom exemplo é o acerto de carros.

O trabalho de acerto é quase totalmente feito usando simulação hoje em dia, antes de os carros irem à pista. Ao piloto, cabe compreender o comportamento dos pneus, buscando antever as condições da pista na hora que importa (sua volta final da classificação e no domingo).

O acerto e o comportamento dos pneus estão interligados, mas as possíveis direções de configurações são mais guiadas pelas ferramentas de simulação. É claro que o piloto dá palpites em relação ao acerto e participa dessas escolhas. Mas as equipes trabalham muito mais com dados.

Os simuladores também funcionam sem piloto

Mas o trabalho de simulação não para por aí. Há uma maneira de acelerar todo esse processo e “completar” várias corridas simulando acertos e estratégias diferentes em uma questão de minutos.

Usando linhas ideais de pilotagem, ou seja, sem o controle dos pilotos (as linhas são copiadas do DiL), as equipes testam inúmeras soluções nos computadores. Inclusive, podendo promover uma disputa direta entre duas estratégias em simulações diferentes, ou duas formas de acertar o carro. Não raro o piloto de simulador refaz o trabalho depois que todas as comparações foram feitas pelos computadores.

A ideia é chegar com toda a “lição de casa” feita. Os acertos em si serão testados pelos pilotos de simulador e os titulares. Na pista, o foco será a compreensão de pneus e, quando houver alguma peça nova, o time fará o back-to-back (comparativo direto entre a peça nova e a velha) e vai usar isso para calibrar suas simulações.

A Mercedes tem um vídeo legal sobre o simulador. E neste vídeo da Aston Martin fica clara a quantidade absurda de dados que são cruzados nas simulações:

O que os simuladores da Fórmula 1 não conseguem prever

E por que os times se organizam dessa maneira? Porque é a interação entre os compostos de pneus, o asfalto e temperatura que os simuladores não conseguem prever tão bem. Até porque não é um objetivo estático: a pista vai se emborrachando (e nem sempre da mesma maneira), uma nuvem no céu já pode fazer a temperatura do asfalto variar, uma mudança no carro pode fazer com que os pneus se aqueçam de maneira diferente, etc.

O fator que vai depender mais da leitura dos pilotos e engenheiros na pista é como o nível de aderência vai evoluir e qual a interação disso com o carro. E, portanto, é essa compreensão a grande chave para um piloto fazer a diferença hoje em dia.

O mais legal de tudo isso é que não deixa de ser um jogo de adivinhação mesmo com tanta informação disponível, já que o piloto e seus engenheiros têm de maximizar o carro para um nível de aderência na última volta do Q3 que eles nunca tiveram ao longo do final de semana. E ao mesmo tempo esse acerto não pode acabar com os pneus no domingo, quando a pista muito provavelmente estará diferente, já que não é permitido mexer no carro entre a classificação e a corrida. É aí que, mesmo com tanta simulação, o lado humano faz a diferença.

4 Comments

  1. Texto espetacular. Como sempre, pois vc tem muita qualidade na escrita!
    Interessantíssimo o trabalho da equipe em torno do simulador, muito legal mesmo.

  2. Poderia se chamar Campeonato de Engenhenharia Avançada em vem de construtores kkkk


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