F1 Hamilton em pé de guerra com a mídia. Ou parte dela - Julianne Cerasoli Skip to content

Hamilton em pé de guerra com a mídia. Ou parte dela

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Quem acompanhou mais de perto o final de semana do GP do Japão ficou sabendo da guerra instalada entre Lewis Hamilton e um setor da mídia britânica. Até muita gente dentro do paddock – mas que não acompanha de perto essa tensa relação nas coletivas de imprensa – achou um absurdo o fato do piloto ter aparecido em sua entrevista no sábado apenas para dizer que não iria responder nada devido à reação a seus snapchats durante outra coletiva, na quinta-feira.

Em primeira análise, ficar brincando com o celular durante a entrevista – que faz parte de seu trabalho, aliás – e depois privar todos os outros jornalistas de sua reação após uma importante classificação não é correto. E posso garantir que está longe de ser a primeira vez que Lewis passou mais tempo dando atenção a seu aparelho durante uma coletiva da FIA do que às perguntas – e, diga-se de passagem, não é o único que faz isso.

Os jornalistas na F-1 podem se considerar privilegiados. Todos nós, seja de TV, rádio ou mídias escritas, temos a chance de falar com todos os pilotos durante os quatro dias de atividade de um GP. Até nos é dada a oportunidade de entrar em contato direto com os atores do espetáculo minutos antes da largada.

Mas a forma como estas entrevistas estão organizadas atualmente tem falhas estruturais que as comprometem. Na quinta-feira, a FIA seleciona seis pilotos para sua coletiva. Na sexta-feira, seis chefes de equipe/diretores técnicos e, no sábado e no domingo, são os três primeiros que falam na sessão, digamos, oficial. Tal sessão seria direcionada à mídia escrita. Porém, ela é televisionada. Como os jornalistas que estão lá fazendo as perguntas não podem levar seus laptops para escrever, isso abre a possibilidade de quem está trabalhando do sofá de sua casa, por exemplo, escrever as matérias mais rapidamente – e, como sempre, sem citar a fonte. Então por que perguntar algo realmente interessante?

No sábado no Japão, chegou-se ao cúmulo de simplesmente ninguém perguntar nada, só o condutor da FIA – neste GP, James Allen, falou. Até porque os pilotos da Mercedes falam à imprensa escrita horas depois, em sessões sem câmeras. E nelas Hamilton não costuma brincar com o celular.

Essa é a primeira parte que tem de ser revista – e é difícil não concordar com Lewis quando ele diz que está ‘cansado dessa merda’. Difícil é achar alguém, até mesmo entre os jornalistas, que não tenha a mesma opinião sobre essas sessões.

Porém, ao colocar aquele snap no ar, Hamilton deveria saber o que iria acontecer. Afinal, ele conhece como parte da mídia de seu país funciona. É a chamada Fleet Street, referência ao endereço comum aos grandes tabloides ingleses.

Eles sentam sempre juntos e claramente definem entre si um tom para suas reportagens, antes mesmo de conversarem com os pilotos. Assim, chegam nas coletivas bombardeando pilotos e chefes de equipe com perguntas do mesmo tom, muitas vezes exacerbando fatos/versões de forma pouco objetiva. E, como o que é escrito nesses jornais acaba tendo grande penetração na massa, eles ganham muito espaço nas coletivas.

É assim que são criadas e exageradas as noções, por exemplo, de que Hamilton está sendo perseguido ou de que está perdendo a cabeça. Enquanto Button raramente é questionado, Lewis vai de heroi a vilão (notem que os links são do mesmo jornalista, separados por dias) rapidamente, dependendo do que os colegas de Fleet Street acreditam que vai vender mais. E sim, existe um toque de racismo aí, como também – algo muito importante na Inglaterra – uma torcida de nariz para alguém que ascendeu socialmente, mas que não teve muita instrução.

Dentro desse contexto, fica mais fácil entender a reação de Hamilton, que pode parecer desmedida olhando de fora. Tanto que ouvi de um dos colegas que “é melhor ele não falar mesmo, nunca diz nada útil” e de outro “com aquele bando de negro americano lógico que ele vai falar em Austin”. É claro que o mais justo seria ele ter respondido apenas para quem está lá para trabalhar direito e que sua reação de Suzuka, em um momento delicado no campeonato, pode ser contraproducente na reta final, mas de certa forma ele acreditou que o melhor seria deixar claro seu ponto de vista. E vocês podem esperar uma chuva de matérias sobre como o inglês está completamente perdido. Até sua próxima vitória.

16 Comments

  1. Pode parecer besteira, mas talvez o grande “problema” de Hamilton foi ter descontado a diferença de Rosberg e aberto 19 pontos antes das férias de verão. Parecia que o inglês “estava de volta” e tirar-lhe o título pareceria improvável. É lógico que a quebra na Malásia pesa, mas isso em nada tira a excelência da pilotagem de Rosberg desde então.

    Quanto à mate´ria em si, o próprio Hamilton alimenta esse tipo de reportagem com suas teorias “mirabolantes”. Se não vence, é porque existe alguém que quer prejudicá-lo, e isso é um prato cheio.

  2. Julianne,
    Vim apenas elogiar o seu trabalho que como sempre se dá uma forma totalmente imparcial com todos os lados dos fatos, jornalistas, FIA e pilotos apontando os erros e acertos de todos como a imprensa realmente deveria ser.
    Todas as matérias que havia lido até então, apenas bombardeava o Lewis.
    Grande trabalho o seu, sou um grande fã dele!
    Abraços pros meninos e bjs pras meninas!

  3. Muito obrigado pela análise, Julianne.

    Especialmente pela explicação sobre a imprensa britânica e seus tabloides nesse caso, e sobre a dinâmica das entrevistas coletivas. Ajudou muito a entender a postura do Hamilton.

    Na minha opinião os melhores jornalistas, analistas e comentaristas são os que nos explicam as diversas camadas das notícias, além de suas causas e especialmente consequências. Acho isso muito mais importante do que a rapidez ou mesmo o ineditismo de uma reportagem ou furo.

    Longa vida aos blogs e sites independentes.

  4. Parabéns Julianne, ficou mais claro agora!

  5. Os tablóides ingleses são como a nossa “Imprensa Marrom”, ou sensacionalista?

    Atualmente, o automobilismo é o único esporte que eu acompanho (nem mesmo os que eu pratico, o Xadrez e a corrida, fundo, eu acompanho direito), e outro dia eu escutei um programa de rádio em uma estação aleatória (não costumo escutar rádio).
    A diferença de tom entre o jornalismo que cobre o automobilismo no Brasil e o que cobre o futebol é gritante.

    No futebol, há muito mais corneteiros, “achismo” e “conversa para matar o tempo” do que no automobilismo. Isso entre jornalistas. Clima de Mesa redonda.
    Na Inglaterra, eu suponho que o automobilismo sempre foi um esporte popular, e deve conter esse clima parecido com o da cobertura do futebol no Brasil, mais sensacionalista.
    Pelo menos, foi esta a impressão que eu tive após ler a sua matéria, aliás, bastante esclarecedora.

    Atenágoras.

  6. Se de fora ler uma transcrição de entrevistas coletivas já é um porre, imagino para os pilotos respondendo sempre as mesmas coisas. Enquanto esses caras não serem livres para poder falar, sem ter o assessor da equipe no calcanhar do cara, nunca eles vão dar a minima para as sessões.

    Certo o Hamilton, o Raikkonen e até o Alonso, mesmo.

  7. Moça, sou seu fã! Parabéns! Queria conhecer mais jornalistas que nem você. Em política mesmo uma Julianne faz muita falta 🙂

    • Pietro, temos jornalistas como a Julianne em todas as áreas

      mas estão em blogs e sites independentes, e não seguem o “setting agenda” e estão fora da chamada espiral do silêncio, dois conceitos de comunicação que um leigo como eu conheci recentemente.

      com a licença da Julianne, pois as discussões dos comentários não costumam enveredar pra este tipo de assunto, exemplifico um site interessante com jornalistas um pouco mais novos:

      https://theintercept.com/brasil/

      • Obrigado Pedro, mas infelizmente acho que não foi dessa vez. Vou adicionar o “the intercept” às minhas leituras, no entanto não os considero imparciais, são simplesmente “não alinhados” (vide o termo “governo não-eleito de Michel Temer”). Claro que a missão de Julianne é mais fácil ao tratar um tema que não gera paixo˜es tão exacerbadas como política (ou futebol). Mas mesmo assim passar informação se desviando do lugar comum realmente não é para qualquer um. Abraço!

      • Escreveu tudo isso pra dar o link de um site petista, coordenado com o “setting agenda” de todos os outros sites petistas? Afffffff

      • Pietro, na minha opinião não existe imparcialidade no jornalismo. Qualquer narrativa vai ter sempre o filtro do olhar ou da interpretação do jornalista, e suas convicções ou conceitos vão influenciar nem que seja um pouco.

        Isso numa situação de empresa que fornece uma independência mínima ao seu funcionário. Num grupo de imprensa que tolhe esse tipo de liberdade, os conceitos e convicções são impostos de cima para baixo.

        Portanto, o bom padrao seria o veículo de imprensa externar suas posições ideológicas (em época de eleições, até posições de escolha de candidatos) em editoriais, e avisar o leitor sobre isso. no estrangeiro isso é o padrão, aqui não.

        aqui vende-se o impossível, a “imparcialidade”. com exceções, e são essas exceções que costumo usar como minhas fontes de informação. com todas as ressalvas necessárias, mas isso faz com que as críticas/denúncias contra os representantes/políticos/gestores que compartilham das mesmas posições do jornal/site sejam muitíssimo mais bem embasadas e fundamentadas.

        considero o intercept um exemplo do que eu expliquei.

  8. Chris A:

    responder a comentário que tipifica um site/jornal/revista/jornalista/leitor com postura esquerdista/progressista como se fosse simplesmente “petista” dá certa preguiça, mas vamos lá:

    o sujeito que montou o site é jornalista estrangeiro, ganhador do pulitzer (wikileaks/assange, se não me engano), e se não me engano de novo o conteúdo sobre o brasil veio a ser implementado bem depois que ele já estava estabelecido como site de notícias, análises e artigos. achar que o cara é quinta coluna de partido político brasileiro é meio forçado, pra dizer o mínimo.

    no mais, na minha análise de leigo só existe “setting agenda” para um discurso dominante. e o discurso dominante certamente não é o da turma do “inimigo público #1”. mas como disse, sou leigo nessas coisas sobre comunicação de massa.

    mas repetindo: rotular esquerdista/progressista de petista é reducionismo de discurso. até porque a gestão derrubada (e sua antecessora) não agiu para modificar questões muito sérias vinculadas a objetivos progressistas, seja por omissão, covardia ou mesmo por conveniência – daí o motivo principal da queda do governo, na minha opinião.

    no mais, traição de origens o PSDB também ja cometeu com FHC, e como eleitor do covas em 89 e admirador do montoro e do bresser eu posso falar sem medo de passar por hipócrita.

  9. PS #1: perdão à julianne pela inserção de assunto “alienígena” ao do blog. sem problemas se preferir apagar meus comentários

  10. PS#2: Pietro, lembrei que automobilismo também gera paixão, vide a turma senna x piquet, com a qual me divirto bastante.

    só que aqui no blog da Julianne esse tipo de assunto não vem quase nunca à tona, então a coisa fica mais civilizada.

    no que reitero meu pedido de perdão por ter levantado a questão do Intercept.

    • Entendo seu ponto, Pedro. Mas repare que usei a expressões “paixo˜es tão exacerbadas”. Lembro de AUCAM (tô com saudade, cadê ele?) que sempre se mostrou fã de Vestappinho o defendendo até de forma exagerada, mas suas análises sempre foram lindamente embasadas e respeitando posições adversas. Também fico triste com nossa imprensa viesada que se passa por isenta. Seria muito mais elegante e justo que esclarecessem suas posições. Mas usei (e talvez tenhamos abusado) o trabalho de Julianne como um exemplo pois leio por aí análises muito mais simplistas como o “Hamilton está certo” ou “ele está errado” e pronto. A Ju não se priva de sua opinião e diz “não é correto” o que ele fez, mas nos mostra um panorama menos óbvio que pode justificar a atitude dele. Acho que houve golpe na queda de Dilma, mas é fato que Michel Temer foi eleito e com ajuda dela.

      • Pois é, Pietro

        Nada como opiniões contrárias bem fundamentadas, pra gente colocar em questionamento as nossas próprias opiniões. Mas opiniões fundamentadas são produto escasso hoje em dia, o que faz com que a gente frequente blogs como o da Julianne. E sim, Aucam faz falta…

        No mais Temer foi sim um dos inúmeros e sérios erros nas escolhas da gestão derrubada, Joaquim Levi ministro da economia sendo outro deles. Eduardo Cardoso também, na minha opinião. A lista é bem grande. Mas o correto seria uma mudança de gestão acontecer em 2018, por meio do voto, não desse jeito. Aí essas mudanças que vivemos hoje seriam implementadas de forma mais discutida, e menos drástica e impositiva do que acontece hoje em dia. Hoje temos accountability zero, e especialmente nenhum controle social vindo da mídia tradicional. Aí fechamos o ciclo com aquele seu comentário sobre a falta de “Juliannes” na cobertura jornalística sobre política, e meu comentário sobre até termos, mas estão em mídias alternativas.

        Aliás, é a mesma coisa quando comentam que a música brasileira hoje é carente de artistas novos de qualidade. Eu sempre contra argumento dizendo que eles existem, mas estão fora da mídia tradicional.


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