Se a memória não me falha, foi no GP da Itália de 2012: na época a mídia brasileira era mais numerosa, devíamos estar em quatro ou cinco tomando um café na Ferrari quando Lucas Di Grassi, então piloto de testes da Pirelli, entrou no motorhome, sentou conosco, e veio tirar uma dúvida. “Fui chamado para desenvolver um carro de uma categoria totalmente elétrica. Não sei se é uma ótima ou uma péssima ideia. O que vocês acham?”
Lembre-se que a conversa foi antes de sair o regulamento dos motores híbridos na F-1. Um colega mais das antigas ponderou com Lucas sobre a potência do tal carro e sua autonomia. É claro que o carro do que viria a ser a Fórmula E era muito ruim nestes aspectos. Não era essa a questão e, sim, o escopo para desenvolvimento e investimento das grandes montadoras. Lucas compreendeu isso e topou a empreitada, tornando-se campeão da temporada 3 (2016-2017). Até hoje, seu pior resultado na categoria foi o terceiro lugar no campeonato, na primeira temporada.
A dúvida que Lucas tinha lá no começo parece ter sido a mesma das montadoras, que foram uma a uma sendo convencidas dos benefícios de se apostar na nova categoria, que chega à temporada 5, com início neste fim de semana, na Arábia Saudita, mais forte do que nunca.
São vários os motivos para isso. O carro finalmente terá bateria suficiente para uma corrida inteira – e as provas agora serão limitadas por tempo, com 45min + uma volta. É impressionante que um carro consiga andar com potência de 200kW nas corridas e 250kW no modo de classificação e no combo de Attack Mode + Fanboost por tanto tempo sem precisar recarregar sua bateria. Além disso, faz de 0 a 100km/h em 2.8s e tem velocidade máxima de 280km/h.
Em comparação com a geração 1, a capacidade de energia da bateria praticamente dobrou – agora é 52kWh e a energia disponível é 85% mais utilizável, ou seja, mais eficiente, evolução tão preciosa para as montadoras.
Na quinta temporada, a F-E ultrapassou a F-1 em número de equipes – agora tem 11 – e tem maior presença de montadoras. A Mercedes está chegando em 2019 para se juntar a Renault-Nissan, Jaguar, Audi e a BMW, que entrou com um time de fábrica neste ano.
Obviamente sem o apelo da F-1 tanto em termos de velocidade, quanto de história, a Fórmula E fez algumas opções interessantes. Os circuitos de rua travados dão maior sensação de velocidade e também são mais baratos para os organizadores, ao mesmo tempo em que se configuram em algo que a Liberty Media está tentando fazer: dar prioridade a corridas em lugares com apelo turístico, para vender mais uma “experiência” do que só um evento esportivo em si.
A categoria só fica devendo ainda na pilotagem. Conversei com Massa recentemente e ficou claro que ele não está 100% empolgado com toda a administração de baterias que terá de fazer – algo semelhante às queixas dos pilotos da F-1 sobre os pneus e os motores.
A F-E ainda parece não ter encontrado o equilíbrio entre a tecnologia e a pilotagem, e por muitas vezes pode parecer um playground de engenheiros bolando mil estratégias para ter aquele Attack Mode na hora certa, usar apenas a recuperação de energia para frear o carro, todo aquele chamado “engineering porn” do qual a F-1 também está cheia. Mas não é de se negar que a categoria cresce a olhos vistos.
P.S.: Elogios à parte, não posso deixar de dizer que o plano era acompanhar essa primeira corrida da temporada in loco, mas minha ética me impede de ir à Arábia Saudita fazer a cobertura. Vai ficar para a segunda etapa, no Marrocos.
11 Comments
Ju, parabéns pela matéria mas acima de tudo ao ultimo parágrafo.
É até utópico mas já pensou se todos fossemos tão apegados a ética e aos princípios?
Isso serviria de barreira contra tanta coisa.
Como biólogo, ex-atuante, na área ambiental, mas que ainda acompanha de perto a questão da “energia limpa” observo com muito ceticismo o aumento da energia elétrica/solar. Para produzir as baterias de Lítio necessárias para “prender” a energia, é necessário mineirar o solo e nesse processo há uma gigantesco impacto ambiental na área, que em geral é desmatada, uma grande difusão de materiais e minerais (como o mercúrio) no solo, rios e lençol frático da área que se está mineirando.
Traduzindo em miúdos:
Os impactos ambientais talvez não compensem a mudança do petróleo para a energia elétrica.
Como humanidade ainda estamos longe de resolver nossos problemas energéticos, por incrível que pareça a fonte de energia mais limpa é a nuclear, mas seus problemas são a segurança das usinas e o que fazer com o (pouco) lixo nuclear que sobra.
Bom, resolvi explanar um quê da questão energética no post, tomara que não se incomode Julianne. No mais grande matéria!
Grande abraço a todos do Blog!
É uma reflexão muito importante para se fazer realmente, o custo-benefício real para o meio ambiente/sociedade dessa transição de matriz energética. Me soa bem a menor dependência para os combustíveis fósseis, mas também não sou ingênuo a ponto de abraçar irrestritamente esse novo modal achando que os problemas estarão resolvidos. A questão do descarte de baterias por exemplo, já percebemos que é complexa (pra não dizer problemática) olhando para os dispositivos eletrônicos de telecomunicações…
P.S: Julianne, excelente post mais uma vez. E parabéns pelo apego a ética ao tomar a decisão de não comparecer em território saudita para essa estreia.
Parabéns pela decisão de não ir cobrir a primeira corrida. Todo jornalista que se preze deveria fazer o mesmo.
“mas minha ética me impede de ir à Arábia Saudita fazer a cobertura.”
O texto já estava muito bom. Ficou perfeito.
Acompanho a primeira competição desde a primeira corrida. Sabia que isto iria dar certo porque não seria uma A1GP. Para ser diferente da Formula 1, por exemplo, tinha de ter um apelo diferente. As baterias são o maior dos apelos, o resto – Fanboost e o Atack Mode – é espectáculo. Mas se formos ver bem, algumas das coisas que acontecem agora foram propostas pelo Flávio Briatore e o Bernie Ecclestone nao há muito tempo.
Ter oito ou nove construtores – e a Porsche aparecerá na próxima temporada – já é uma enorme vitória. É verdade que ter chassis iguais perde um pouco da competição que tem a Formula 1, mas poupa imenso no orçamento. E o carro da Gen2 é mesmo radical. É a competição do futuro, acredite. E os fãs mais novos irão aceitar, apesar disso implicar o rápido declínio da Formula 1, cada vez mais vista por adeptos idosos. O sonho do titio Bernie, digamos assim…
Ju,
Realmente é perfeitamente compreensível sua decisão de não ir à Arábia fazer a cobertura, mas não se preocupe, em 30 anos esse país estará “morto” assim como tantos outros que hoje dependem da gosma negra para subsistir (bem como um outro país que não é exatamente um dos maiores produtores, mas é o maior consumidor…ele faz picuinhas e cria conflitos e tensões no mundo inteiro para fazer prevalecer suas vontades de “conseguir para si” acordos vantajosos com países petroleiros para garantir sua enorme máquina – doméstica automotiva e de guerra – funcionando a pleno vapor, esse vai ser ferrar também quando o petróleo deixar de ser necessário, não por acaso os dois países tem múltiplos acordos unilaterais e são “amiguinhos”).
Quanto à Fórmula E, eu fui comigo mesmo um visionário dessa categoria, logo no anúncio da primeira temporada eu imaginei que em poucos anos atrairia a ânsia das montadoras que já sabem que o motor à gasolina e a diesel está com os dias contados, e agora vejo que num momento não muito distante a FE vai dar um cheque-mate na F1, esse momento se dará quando as minguadas montadoras ainda insistentes em figurar no outrora baluarte da tecnologia e da competitividade, anunciarem que estão saindo (e isso normalmente ocorre da noite para o dia), acredito até que a última das teimosas será a Ferrari/Fiat, mas demorando ela também fará o movimento “que a adaptará aos novos tempos”, imaginem quando Renault, Honda, Ferrari e Mercedes (essa já deu claros sinais que vai largar tudo e focar somente na FE, aliás, já está largando, e penso que a ocasião perfeita para isso será quando deixar de andar na frente e vencer tudo na F1) cada uma em seu momento é claro, anunciarem “estamos deixando a F1 e indo para a FE”, isso está escrito nas estrelas, já não tem mais volta, é como uma flecha que já foi lançada, mas claro que quando essas cartas todas forem jogadas na mesa, outras serão movidas, tudo na vida tem um plano “B”, e gera uma consequência, e isso pode ser entendido como a exclusividade que a FE – e do seu manager – Alejando Agag – tem de somente eles poderem utilizar motores elétricos em competições de monopostos da Fia por mais 20 ou 30 anos (me falha agora até quando exatamente), mas como está claro que a “morte” da F1 e a migração total das montadoras para FE vai acontecer muito antes disso, então haverá pressão de todos os lados – leia-se Liberty Media (que tem ações nas duas categorias), Fia, acionistas, equipes, patrocinadores e montadoras – para que haja uma fusão, inevitável em minha visão, da F1 com a FE (talvez a união das duas passe a se chamar “FE1”), para ela poder correr com os motores elétricos o mais rápido possível, eu imaginei isso lá atrás na época da primeira corrida e o Rosberg – acionista da FE – mencionou isso há poucos meses, o que dá mais força a essa possibilidade. Agora, acho que a F1 ainda desfruta mais uns aninhos de vanguarda e ostentação até a fonte secar, acredito que mais uns 5 ou 10 anos no máximo, até o momento em que as montadoras iniciarem seu movimento derradeiro rumo à eletricidade.
Parabéns e grande trabalho.
Não ir a Arábia Saudita só aumenta o meu respeito e admiração por você.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000100016
É impossível concordar com os colegas do Blog que defendem tão ferrenhamente a energia elétrica. Querendo ou não o petróleo ainda é a melhor forma de energia para a humanidade.
Infelizmente o equilíbrio entre meio ambiente/energia está longe de ser resolvido, muito legal deixar de poluir o ar e poluir solo, lençol freático, rios, ter desmatamento entre tantos outros problemas da mineração do Lítio.
O acidente de Chernobyl e os seguidos acidentes no Japão (devido a terremotos) que colocaram a energia nuclear em xeque (a mais limpa de todas) são realmente uma pena.
Grande abraço a todos do Blog!
Pensando no funcionamento das cidades, esquecendo um pouco os automóveis, o que acha de uma rede elétrica cuja fonte são os próprios consumidores, com redistribuição feita de modo que a energia excedente produzida em um local alimento outro que consome mais do que produz?
Estou falando de redes baseadas em captação de energia solar. O custo ambiental para produzir células solares é ligeiramente menor que a de baterias, o Brasil tem sol o ano todo, e se todas as casas convertessem energia solar em elétrica, distribuindo-a na rede, sem a necessidade de baterias, com consumo onde mais se gasta (indústrias, por exemplo), e pagamento aos produtores pela energia gerada poderiam ser uma forma melhor do que o petróleo para a geração de uma energia mais limpa nas cidades, não acha?
Com relação ao transporte, não vejo como dissociar o problema ambiental da mobilidade urbana.
Mais transporte público, cidades mais planejadas, produção agrícola também nas cidades, e mais facilidades urbanas no campo gerariam cidades melhores, com uma sociedade mais saudável e um menor custo ambiental, não é mesmo?
Um grande abraço do fundo do meu coração vermelho de outubro de 1917,
Atenágoras Souza Silva.
PS: Parabéns à Jú pelo Boicote à Arábia Saudita. Por anos, também boicotei o GP do Bahrein… Mas as corridas lá ficaram tão boas… Eu não resisti.
Prá mim a Fórmula E não existe. Eu gosto de F1. E não vejo isso de estar mais forte do que nunca….