F1 Fórmula 1, Patrimônio Cultural e Direitos Humanos em Baku - Julianne Cerasoli Skip to content

Fórmula 1, Patrimônio Cultural e Direitos Humanos em Baku

Imagino que vocês já tenham visto essas fotos com flores nas cores dos carros em Baku. Elas são colocadas nas sacadas que os fotógrafos usam. Sim, é meio fake (Andy Hone / LAT Images)

Muito interessante essa abordagem de Vinícius José Mira, historiador pesquisador do Patrimônio Cultural de Joinville/SC com várias questões que são, sim, levantadas toda vez que a F1 vai a Baku, e que são silenciadas pelos 60 milhões de dólares que o governo autoritário de lá paga pela prova.

O Circuito Urbano de Baku (Imagem 1), no Azerbaijão, tem produzido boas corridas desde seu ingresso no calendário da Fórmula 1, em 2016. Alguns momentos memoráveis da história recente da categoria se passaram lá, como, por exemplo, “I’m stupid” de Charles Leclerc, em 2019; O suposto “brake-testing” de Lewis Hamilton em Sebatian Vettel, em 2017; e Grosjean batendo durante o Safety Car, no final da prova de 2018. A questão é que, por trás das boas provas realizadas por lá, Baku esconde problemas de ordem cultural e humanitária. Esse texto visa apresentar brevemente alguns deles.

Circuito Urbano de Baku. Fonte: Fórmula 1

O problema de ordem cultural

De autoria do arquiteto Hermann Tilke, o traçado do Circuito Urbano de Baku contempla vários pontos turísticos da cidade, incluindo os modernos arranha-céus do Século XXI e a parte histórica da cidade, que data pelo menos do Século XII. O bem cultural intitulado “Cidade Fortificada de Baku com o Palácio dos Xás de Xirvão e a Torre da Donzela” foi reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial em 2000, por denotar evidências da presença cultural zoroastra, sassânida, árabe, persa, shirvani, otomana e russa. Mas, o que isso quer dizer?

A noção de Patrimônio Mundial foi estabelecida pela UNESCO por meio da Convenção para Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, em 1972. Trata-se de uma categoria de reconhecimento de bens de valor excepcional universal cuja preservação é, supostamente, de interesse global. A título de exemplo, o Brasil possui 22 bens reconhecidos como Patrimônio Mundial, dentre eles, o Centro Histórico de Ouro Preto (MG); O Parque Nacional do Iguaçu (PR) e o Sítio Arqueológico Cais do Valongo (RJ). 

No caso de Baku, o bem se localiza exatamente na parte de dentro do circuito, no Setor 2 da pista . É possível observar que a avenida que rodeia a zona tampão do bem (em amarelo na imagem) faz parte do circuito. Além disso, a sequência das curvas 8-11 (onde ocorreu o famigerado episódio do “I’m stupid”, em 2019) passa muito próxima da fortaleza da cidade velha e as barreiras de contenção são, potencialmente, insuficientes para conter danos à estrutura milenar da construção. Ademais, a passagem dos carros de Fórmula 1 a altas velocidades por si só já representa um risco a uma construção do Século XII.

Cidade Fortificada da Baku. Fonte: UNESCO

Curva 8 do Circuito Urbano de Baku. Fonte: Fórmula 1

Cabe destacar que o bem esteve na lista do Patrimônio Mundial em perigo entre 2003 e 2009, em função do desenvolvimento incontrolado da região e de demolições ilegais dentro da zona de proteção da UNESCO. O uso da área para os grandes prêmios de Fórmula 1 representa mais uma ameaça à cidade fortificada de Baku. 

O problema de ordem humanitária

Em busca de mais diversidade e respeito às diferenças, a Fórmula 1 lançou a campanha “We Race as One”. A partir disso, muito se foi falado em relação à realização de Grandes Prêmios em países que não respeitam os direitos humanos. O Azerbaijão seria um desses casos. 

O Partido do Novo Azerbaijão, que está no poder desde 1993 (praticamente desde a fragmentação da União Soviética, em 1991), é acusado de autoritarismo e desrespeito aos direitos humanos por observadores internacionais. Soma-se a isso a utilização de grandes eventos esportivos como campanha publicitária do governo. Além da Fórmula 1, Baku também sediou a final da UEFA Europa League, em 2019; os Jogos Europeus, em 2015; e o Festival Eurovision da Canção, em 2012. 

Nesse sentido, estima-se que a realização da prova de Fórmula 1 custe anualmente 60 milhões de dólares ao governo do Azerbaijão. Em um país com significativos números de desemprego e pobreza, onde a população ganha em média 340 dólares por mês, trata-se de uma extravagância desmedida por um governo autoritário. 

Além disso, as autoridades locais promoveram uma “limpeza urbana” às vésperas do GP do Azerbaijão de 2019, matando inúmeros cães de rua, o que desencadeou críticas de turistas, grupos de direitos dos animais e dos próprios habitantes da cidade. 

Na atual condição, a política de realização do GP do Azerbaijão vai contra a campanha do “We Race as One”.

Uma solução possível?

O objetivo desse texto não foi defender a não realização do Grande Prêmio do Azerbaijão, mas sinalizar que algumas medidas tomadas pelo governo do país são incompatíveis com o atual modus operandi da Fórmula 1. Uma categoria que promove uma campanha como a “We Race as One” deveria se valer da realização de provas nesses países para fomentar mais igualdade e respeito aos direitos humanos. 

We race as one!

3 Comments

  1. “O GRANDE CIRCO DA F1”
    Algumas coisas passam, jamais voltarão! O mundo e tudo nele está em movimento… lembro-me de 86, no retorno da F1 na Hungria, correr além da “cortina de ferro” era quebra de tabus. No entanto corriam na África do Sul, em pleno apartheid, apenas para configurar o continente no “mundo da F1”, antes era em Marrocos e tb em outros tantos lugares e condições precaríssimas, mesmo nos EUA em 84.
    A F1 deixou de ser circo, posou de teatro, agora parece um stand-up e quase implora para correr aqui ou ali… mas os olhos estão sempre ou mais fixos no: “quanto o senhor tem na carteira?”

  2. A mudança sempre começa com alguém dando o primeiro passo. Hoje é melhor que ontem e amanhã será melhor que hoje.
    Não adianta ficarmos reclamando, mas sim pensar que temos pilotos que hoje já se envolvem com esses temas.
    Temos que saber confiar.


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