O jornal italiano La Repubblica publicou uma interessante entrevista com Stefano Domenicali. Falando em sua língua nativa e à imprensa local, o dirigente da Ferrari costuma ser mais direto e se distancia daquela imagem pauteurizada e até inocente que a imprensa internacional, particularmente a inglesa, passa.
A manchete, é claro, é a declaração de que ele pensou em se demitir após o fracasso de Abu Dhabi. Até perdeu o sono por 2 dias. O erro de estratégia, inclusive, é listado por Domenicali como um dos dois principais motivos da Ferrari não ter sido campeã em 2010, ao lado do rendimento do carro. Um tom um tanto dramático para quem sempre se mostrou tão pragmático. E ele ainda ataca de psicólogo nas horas vagas.
A entrevista mira os pontos em que a Scuderia tem que melhorar em 2011 – a pressão é visivelmente grande depois de 2 anos sem títulos – e Alonso, curiosamente, não é citado (já esqueceram o 1º semestre de 2010?), ao contrário de Massa. Perguntado por que o brasileiro sempre tinha uma desculpa a cada GP, Domenicali disse que trata-se de uma mistura de “área geográfica de origem” (estaria comparando-o a Rubinho?) e simplesmente não conseguir ser mais rápido que o companheiro.
Jornal La Repubblica: Na F1, chefe de equipe é como um treinador de futebol. Após o desastre de Abu Dhabi, tem medo da pressão?
Stefano Domenicali: Eu sei que a percepção das pessoas é de que eu sou o técnico da Ferrari. Mas um diretor da equipe é algo diferente. Este é um negócio. E eu tenho que gerenciar todos os aspectos e não apenas o esporte.
Como um Ferguson, então.
SD: Mas Ferguson não faz a parte financeira. Tenho que cuidar de tudo. Então eu delego muito. Dito isto, em uma posição como a minha na Ferrari, você tem que estar pronto para qualquer coisa. Especialmente, se estiver por dois anos sem levar resultados para casa. Mas graças a Deus não estamos no futebol. Para melhorar um segundo, são necessários meses e anos. Partindo deste ponto de vista, eu sempre senti um grande apoio do presidente e acionistas. E eu sempre trabalhei com o desejo de retribuir essa confiança.
Então, nunca temeu a pressão.
SD: Não. Mas depois de Abu Dhabi eu pessoalmente levantei a questão. Gostaria de saber se era certo ou não ficar. Acho que esse é meu dever. Minha responsabilidade. Não sou preso a essa cadeira. Mas cheguei à conclusão de que a demissão seria um erro. Conheço a equipe e acho que sou a pessoa certa para capitalizar sobre tudo o que nós plantamos nos últimos meses. Do ponto de vista metodológico, mudamos praticamente tudo, e estou certo de que em breve veremos os resultados do trabalho duro.
Depois de Abu Dhabi, Aldo Costa teve pesadelos durante dias, perseguindo um executivo da FIA para que ele reiniciasse a corrida. E você?
SD: Sem pesadelos. Mas só dormi na terça-feira, dois dias depois.
Agora, como fazer um 2011 à altura das expectativas?
SD: A partir do que fizemos ano passado. As coisas positivas foram principalmente três: confiabilidade; a chefia, que não deixou o moral da equipe cair, e o grupo de mecânicos. Ao passo que as coisas ruins foram principalmente duas: o carro, não tão rápido como a Red Bull, e o erro de Abu Dhabi.
Mantendo os aspectos positivos, como você vai trabalhar sobre os negativos?
SD: O problema do erro foi sua magnitude. Ele produziu efeitos devastadores. Se fosse uma corrida normal, seria um erro normal. Você não deve abandonar tudo, até coisas boas, por causa desse erro. Daremos as ferramentas àqueles que irão tomar decisões para não errarem de novo. Pessoalmente, vou tentar intervir na equipe do ponto de vista psicológico.
E o carro? Em 2009, parou-se o desenvolvimento para fazer um modelo vencedor em 2010. E esse acabou sendo o verdadeiro fracasso da temporada.
SD: O carro do ano passado era mais lento que a Red Bull, 0.4s nas classificações e 0.2s em corrida. Mesmo assim, chegamos perto. Agora, temos de tentar recuperar essa lacuna, desde a primeira prova. Porque para ganhar um campeonato você precisa de 3 coisas: que os pilotos sejam bons, que a equipe não cometa erros e um pouco de sorte para ajudá-lo nos momentos certos. Mas acima de tudo, é preciso um bom carro, que lhe permita minimizar o peso específico de cada um dos três elementos.
Costa diz que o próximo carro terá que ser extremo, interpretar o regulamento ao limite. Há uma razão pela qual o F10 não era tão extremo?
SD: Fizemos em 2010 um carro a partir de outro que tinha sido infeliz. Tivemos que começar do zero, mas agora temos um bom ponto de partida e uma mudança de regulamento menos chocante. É importante, entretanto, fazer o máximo uso da imaginação e da busca ao extremo.
Outro grande problema da temporada foi Massa. Um drama. Tem certeza de que ainda é o mesmo depois da pacada na cabeça de Hungaroring?
SD: Fizemos todos os testes necessários. Felipe é um piloto e um homem perfeitamente intacto.
Ele se queixou a temporada toda. Cada GP era um problema diferente.
SD: Em parte é uma característica comum da área geográfica de origem. Por outro lado, é fruto de um problema maior. Todos os pilotos devem sentir-se os mais fortes. E quando eles não conseguem fazer isso, lutamos muito para tirá-los dessa superestrutura de desculpas mentais, que cada um de nós cria quando as coisas dão errado. Acho que essa foi a causa da má temporada de Felipe. Se trabalharmos nisso, ele vai superar. É por isso que eu estou certo de que veremos um grande Massa em 2011. Ele sabe que não pode ter mais uma temporada como essa.
Falamos sobre a concorrência.
SD: 2010 foi um mundial aguerrido. O ano de 2011 será ainda mais. Porque além da Red Bull, teremos o retorno de uma McLaren forte, e Hamilton é um piloto excepcional. E a Mercedes tem investido muito para não ter mais uma temporada como a última.
Mas quem é o rival mais difícil?
SD: Vettel
Qual será a chave para 2011?
SD: Na pista teremos que nos acostumar a uma pequena revolução, pois já não é tão automático que quem larga na pole tem a vitória assegurada. A estratégia será importante. Mas, em geral, será importante trabalhar em grupo. O verdadeiro problema de hoje na F1 é que, das grandes estrelas da parte técnica, só sobrou um: Adrian Newey. Quanto ao resto, em todos os níveis, há equipes com vários engenheiros coordenados por ótimas pessoas. Então eu acho que o verdadeiro desafio é a formação de pessoas e grupos. Essa é a única maneira de ganhar, de abrir um novo ciclo.
12 Comments
A batata do Massa já assou. Será que alguma equipe grande o considerará para 2012?
Depende do que ele fizer neste ano, mas, pela idade e a fragilidade que ele demonstrou quando Kimi começou a ser mais rápido que ele na metade de 2007 e Alonso fez o mesmo agora, eu só o contrataria se quisesse alguém para somar pontos e não incomodar meu nº 1 (meu Hamilton, Vettel…)
Mas o processo de queimação de imagem pública da Ferrari – o mesmo pelo qual o Kimi passou – está a pleno vapor!
Pois é, a não ser que o Massa se adapte instantaneamente aos Pirelli, a situação dele pode ficar atrelada à eventual aposentadoria do Webber, mais velho, chato e desagragador, nem um pouco mais rápido ou estável mentalmente. Lá na outra ponta, tudo indica que o próximo hot property a ser perseguido pelas equipes é o Kubica. Mas toda essa dança pode render um lugar ao brasileiro até 2013, quando tudo dará reset.
Sei lá.
O que torna tudo mais difícil é que, mesmo se o Massa for bem em 2011 e resgatar seu prestígio, ainda há um elefante na sala chamado Alonso. Não dá para conviver com ele por muito tempo e não é dele que a Ferrari eventualmente irá se desfazer.
Perfeito. Com o Alonso, ou você aceita ser dominado, ou vai ter briga. Não tem meio termo. Ele não sabe ficar na dele.
E ainda teve a citação do Vettel, que já disse sonhar em ir pra Ferrari (o maior ídolo dele é o Schumacher, não podemos esquecer…), como o maior rival em 2011. Sem nenhuma ressalva.
mas vc não acha, que pela ferrari apostar em alonso 1º, já conhecer a capacidade de massa, e não querer briga que quebre a hierarquia (1º/2º), manter massa seria um bom negócio? afinal, parece que a queimação de kimi, tinha mais a ver com encontrar um primeiro piloto?
Por um lado, sim. Por outro, tendo em vista o lado lucrativo do mundial de construtores, eles não podem arcar com um piloto que faz 57% dos pontos do companheiro. Acho que a cobrança é mais para que ele esteja por perto, não que bata Alonso.
EU RI da “característica comum da área geográfica de origem” hahahahahahahaha
É, eu espero que dê muita briga entre Felipe e Alonso (nos bastidores, é claro). Pelo menos assim ele resgataria um pouco da sua imagem…
Mas cá entre nós, Massa já era. Perdeu sua chance na Ferrari em 2008 e não vai conseguir enfrentar Fernando na pista e nem fora dela. É bom que seu empresário converse muito com outras equipes porque seu destino na Ferrari já está traçado.
Quanto à entrevista de Domenicalli, à exceção da era Schumacher/Todt/Brawn, a Ferrari sempre teve ese tipo de gerência frouxa e bagunçada.
Isso também é uma “característica comum da área geográfica de origem”.
É como quando uma mulher tem uma atitude machista, pois quem se apressa a definir alguém pelo país de onde ele vem geralmente é contra essa Ferrari para italianos. Não é por isso que ele é criticado?
Ju, quando vc falou de “área geográfica de origem”, vc pensou em rubens, mas através de seu raciocínio, tive um outro pensamento: talvez não poderia domenicali estar falando do caráter latino (muito emotivo/menos frio, segundo visão européia), hehe!!! (não sei se estou viajando, ou sendo muito inocente). nessa entrevista, acho que stefano foi infeliz em dois pontos: quando enaltece newey, de duas uma, ou joga uma indireta para o projetista, ou joga contra o patrimonio, pois, desqualifica a prata da casa (reconhecer o mérito do concorrente internamente, ok, mas publicamente?); falar sobre desempenho individual publicamente, acho um erro deselegante, afinal, não acrescenta em nada, e cá entre nós, roupa suja, se lava em casa.
Quando li, fiquei pensando “de onde será que ele tirou que brasileiro é chorão?” e me veio a associação com outro ex-Ferrari, mas posso estar viajando. Só não acho que ele se referia ao caráter latino pq o Domenicali é o 1º a refutar isso. Ele sempre faz questão de dizer o quão calmo e centrado é.