Sabe quando a gente fala que cada piloto tem direito a quatro motores e quatro câmbios por campeonato? A notícia ruim é que o sistema de punições no grid da F1 não é tão simples assim. A boa é que estou aqui para explicar tudo sobre como funcionam as punições por troca de elementos da unidade de potência e do câmbio na F1. E até desvendar como formar o grid quando as punições se acumulam.
Mas que história é essa de não serem quatro motores e quatro câmbios? É porque ambos são divididos em mais partes. E elas contam separadamente para as punições.
Se você chegou até aqui e estranhou os números, lembre-se que uma das mudanças que vieram junto com o novo formato da sprint foi na alocação de motores. As peças que estavam limitadas a três na temporada passaram a ser limitadas a quatro a partir de 2023.
Então, antes de mais nada, vamos às regras.
Como funcionam as punições no grid da F1 pela troca de motor?
Os limites de uso de unidades de potência são regidos pelo artigo 28 do regulamento esportivo da F1:
As peças que geralmente resultam em punições são o motor a combustão e MGU-H, e em menor medida turbo e MGU-K. Como o limite de cada uma delas é quatro por temporada, convencionou-se a falar em “quatro motores por ano” para simplificar.
Outra informação que é muitas vezes simplificada é a punição por troca de motor. Na verdade, as punições são calculadas por elemento, e são maiores para a primeira vez em que se passa do limite. Aqui o texto da regra:
É permitido trocar de motor no parque fechado sem punição
A regra tem ainda outros detalhes. É considerado que um carro está usando uma peça nova quando o transponder aponta que ele foi à pista com ela. Então é por isso que os documentos de punição da FIA são publicados sempre no começo das sessões de treinos livres. Ou seja, a equipe troca a peça, mas ela só passa a contar oficialmente como usada quando o piloto vai à pista.
A partir de junho de 2022, é permitido trocar de motor sob regime de parque fechado. Ou seja, entre a classificação e a corrida (ou a partir da classificação da sexta em finais de semana de sprint) sem pagar punição. É claro que isso só acontece sem punição se o piloto estiver usando peças que estão dentro da alocação original (um dos quatro motores a combustão, 4 MGU-Ks, e assim sucessivamente).
E se um piloto trocar algum elemento mais de uma vez no mesmo fim de semana? Aí ele perde o direito de usar a peça da primeira troca. Ou seja, se ele usa o motor a combustão (ICE) 4 e 5 no mesmo GP, dali para frente o 4 fica inutilizável. Ou ele tem que levar outra punição, no GP seguinte, para usá-lo.
Se um piloto é substituído, sua alocação é transferida para seu substituto.
Quando é melhor trocar tudo de uma vez?
Na prática, essas regras significam que, se for necessário trocar mais de um elemento pela primeira vez (já somando mais de 15 posições e levando o piloto do fundo do grid de qualquer maneira), o normal é a equipe trocar já todos e colocar mais peças no que se chama de ‘pool’. Ou seja, a reserva de peças às quais o piloto tem à disposição para usar sem punição.
Um detalhe importante desta regra é que é permitido usar um motor que já foi utilizado e depois voltar para o mais recente. E as equipes usam muito isso a partir da primeira troca. A partir daí, o motor mais rodado é utilizado na sexta-feira, e isso faz com que, a partir da segunda unidade de potência, eles consigam fazer mais provas com a mesma UP.
Mas tudo tem um limite, é claro. Todas as peças de uma unidade de potência são feitas para ter o máximo de rendimento dentro de uma certa quilometragem. Toda vez que você faz uma classificação, que você está numa disputa mano a mano na pista (sabe quando os pilotos ficam pedindo mais potência e o engenheiro fala que vai estudar?) você estressa muito o equipamento e o máximo que ele pode render vai diminuindo. Então, administrar uma temporada também é administrar quando realmente vale a pena pedir aquele rendimento a mais da UP.
Ou seja, quanto mais usado é o motor, mais longe ele fica aquele rendimento máximo do início. Que o diga Lewis Hamilton, que apostou em uma tática de trocar várias vezes seu ICE em 2021 para ter potência quase máxima. Foi desta maneira que ele conseguiu vencer no Brasil e chegar muito perto do octacampeonato.
Como as equipes escolhem em qual GP trocar o motor?
Até 2023, era comum termos uma chuva de punições no GP da Bélgica e no GP da Itália. E a explicação passa pelo momento do campeonato em que esses GPs estavam no calendário + a necessidade de ter um motor fresco em ambos os circuitos (em que a potência fala alto) + a dificuldade menor de recuperar posições. É esse conjunto de fatores que as equipes procuram para fazer aquelas trocas planejadas, ou seja, que não têm relação com quebras.
Em um calendário de 20 e poucas corridas, troca-se de motor quando aparecem as primeiras provas em que a potência fala mais alto após a quinta prova (Miami é uma boa opção). E o terceiro aparece durante a temporada europeia (muitos trocam na Áustria). E então, mesmo se as UPs 2 e 3 estiverem longe do fim de sua vida útil, em Spa ou Monza as equipes trocam de novo.
A ideia é ter motores suficientes no tal ‘pool’ para ir até o final do campeonato sem precisar trocar mais. Dependendo da situação do campeonato, quebras, ou quando o piloto tem uma classificação ruim e já vai largar lá atrás de qualquer maneira, o quinto motor é usado. Neste cenário, Austin se torna outra boa oportunidade para uma troca. É claro que Hamiltom mostrou em 2021 que vale a pena trocar o motor no Brasil. Essa vantagem até aumentou agora com a entrada do GP de Las Vegas, que basicamente só tem reta.
Como funcionam as punições no grid da F1 pela troca de câmbio?
A partir de 2022, a alocação de câmbio funciona da mesma forma que da unidade de potência. Ou seja, é permitido trocar por peças antigas sem punição, desde que o piloto não ultrapasse o limite de quatro por ano. Esse limite é sempre ligado ao carro, e não ao piloto.
Não se fala em punição por troca de câmbio, mas sim de RNC (componentes de número restrito). Só para facilitar, é claro. No câmbio, há dois grupos de RNCs, basicamente a caixa de câmbio em si e as peças auxiliares.
Com 20 a 23 corridas no campeonato, cada piloto pode usar quatro unidades de cada uma destas duas. Na quinta, ele paga punição de cinco posições no grid. Se, de fato, forem realizadas 24 provas em 2024, o limite sobe para cinco.
Há uma diferença importante na punição por troca de câmbio. As penas entre as duas partes dos RNCs não se somam. Isso é algo que começou a valer em 2023. Se o piloto trocar, no mesmo GP, o gearbox case e os componentes auxiliares, leva 5 posições no grid. Se trocar só um dos dois, também leva 5.
E há ainda outro detalhe: em quatro sessões de FP1 e FP1, o piloto pode usar um câmbio que não está dentro da sua alocação. E, assim como acontece nas unidades de potência, as equipes usam “câmbios de sexta-feira” para poupar o equipamento que vai para a corrida.
Por que motor e câmbio são limitados na F1?
Quando vemos uma chuva de punições, é fácil se irritar e levantar a bandeira de que a quantidade de unidades de potência e câmbio deveriam ser liberados, como eram 15 anos atrás. Mas existem alguns motivos para os limites. O primeiro deles é financeiro e acaba esbarrando em diferenciais de performance entre os times.
Imagine que não houvesse limite de elementos. E que também não houvesse limite de preço para o fornecimento de motores (que é de 15 milhões de euros por ano). Se você está com o orçamento apertado, não faria mais sentido usar o motor velho numa configuração mais econômica, ainda mais sabendo que os rivais diretos estarão no mesmo barco? Isso só aumenta o abismo de performance entre grandes e médios.
É verdade que o limite é bastante apertado porque a atual unidade de potência da F1 é muito cara. É fato. Mas também é verdade que uma das metas dessa UP é focar não apenas em potência, mas também em eficiência. Até porque isso é o que importa para a indústria automobilística. Então, esse regulamento premia a unidade de potência que, ao mesmo tempo, é potente e eficiente. E a eficiência é fundamental para a F1 seguir relevante para a indústria. A receita, inclusive, está dando tão certo que mais montadoras estão chegando.
E, por fim, também há a questão da sustentabilidade. Não pegaria bem no século XXI continuar tendo um motor de classificação e outro de corrida, como a F1 fazia no passado. Isso simplesmente não vende hoje.
Como calcular punições no grid da F1?
Houve uma época em que a ordem das punições era definida pelo horário em que a equipe avisava para FIA que ia trocar o motor, acredita? Ainda bem que o sistema atual faz mais sentido. Mesmo que não seja exatamente simples.
Vou usar como exemplo o GP da Itália de 2022, que foi bastante complicado porque nove pilotos tinham punições a pagar. E era quatro tipos diferentes (fundo do grid, 15, 10 e cinco posições). É o pior cenário que pode acontecer. Então vamos por partes. Vou usar partes do vídeo do canal Chain Bear do YouTube, que é excelente para explicar esse tipo de coisa. O vídeo completo está aqui.
Um parênteses: punições por outros motivos (reprimendas acumuladas ou penas por pilotagem) vão ser computadas exatamente da mesma forma que as técnicas.
E também foi fechada uma brecha que permitia contar as punições de unidade de potência e de câmbio separadamente. Na Itália em 2022, as equipes usaram isso para evitar punições de fundo do grid. Agora é tudo somado.
1º passo: Separar todos os pilotos que têm punições de “fundo do grid”.
Independentemente das punições dos demais, eles sempre vão ficar nas últimas posições. E são organizados por quem fez o melhor tempo na classificação.
2º passo: Aplicar as outras punições sem mexer no resto do grid.
Essa é a parte que confunde e que mudou mais recentemente para evitar que um piloto lucre com as punições dos outros. Funciona da seguinte forma: você forma um grid paralelo somando exatamente as posições perdidas, mesmo que um piloto tenha terminado a classificação em 20º e vá perder 15 posições (como foi o caso aqui de Mick Schumacher). Neste caso, esse piloto vai para a hipotética 35ª posição no grid por enquanto.
3º passo: Reagrupar o grid se certificando de que as punições foram aplicadas.
Ou seja, se já tem um piloto nesse grid hipotético (coluna da direita) na sétima posição, os demais vão subindo até o sexto lugar.
A única exceção a isso é que os pilotos com punição de “fim do grid” sempre têm que ficar atrás daqueles que têm 15 posições de punição. Note como esse sistema evita discrepâncias em relação ao resultado da classificação + punição e a posição posição no grid. E aí está o grid final:
Por que piloto paga por punição de equipamento?
Confesso que estranho toda vez que isso é levantado, porque o piloto e seu carro são impossíveis de se separar na F1. O máximo que o piloto pode fazer é tirar tudo o que o carro tem para dar. Da mesma maneira que um piloto pode acabar com a corrida que engenheiros e mecânicos brilhantes tornaram possível ganhar. Quando um piloto bate ou é punido dentro das regras de pilotagem, a equipe também não perde? Então por que o inverso também não pode ocorrer?
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