F1 E possível reter a audiência 20 anos depois do último título? - Julianne Cerasoli Skip to content

E possível reter a audiência 20 anos depois do último título?

Os dados do post de domingo sobre as realidades distintas vividas pelas emissoras que detêm os direitos de transmissão no Reino Unido e na Espanha levantam uma questão importante. Observando as médias históricas de ambos os países, vemos o óbvio estouro no interesse espanhol pela F1 a partir de 2004 e números de espectadores compatíveis, se não comparativamente melhores, mas o quanto dessa força será retida se o país não tiver um substituto à altura de Fernando Alonso? Como a emissora poderia remediar a perda anunciada?

Nós vivemos essa realidade por aqui após a morte de Ayrton Senna e a própria Espanha teve o exemplo do ciclismo com Miguel Indurain, nos anos 1990, que fez o esporte explodir no país, mas cuja aposentadoria causou uma queda vertiginosa nos números de audiência. Países como França na era pós-Prost e até a Alemanha, nesse hiato entre as glórias de Michael Schumacher e o surgimento de Sebastian Vettel, passaram por fenômenos parecidos.

Sobre a relação entre Senna e a audiência, transcrevo trecho de uma matéria da revista Veja de 3 de maio de 1994. “Em setembro de 1992, o diretor de mídia da agência McCann-Erickson, Loi Borjas, avaliou o apelo que o piloto tinha. Segundo o publicitário, no campeonato mundial de 1992, o pico de audiência foi de 24 pontos, quando o piloto inglês Nigel Mansell já havia conquistado o título de campeão. Nos momentos em que Senna estava bem, o pico era de 30 pontos. Ou seja, 6 milhões de telespectadores só tinham interesse em assistir à corrida por causa da performance de Senna.

Senna gp do brasil 1991
O apelo essencialmente patriota da Era Senna trouxe desdobramentos negativos

Uma pesquisa da agência de publicidade carioca J.W. Thompson, encomendada em 1988 para a Esso, uma das patrocinadoras da transmissão até 1991, demonstra que Senna era a grande estrela dos GPs. A audiência diminuía quando ele parava. No Grande Prêmio do Brasil daquele ano, por exemplo, a média da audiência às 13h45m, exato momento em que Senna ultrapassou Piquet e alcançou a quarta colocação, era de 40 pontos, tanto no Rio quanto em São Paulo. Quinze minutos depois, Senna foi desclassificado. A audiência caiu imediatamente para de 36 pontos. No final da prova, a audiência já havia baixado para cerca de 33 pontos.

Uma queda semelhante ocorreu no Grande Prêmio de Mônaco, realizado em 15 de maio de 1988, Senna estava em primeiro lugar às 10h45m. A audiência no Rio era de 21 pontos e em São Paulo de 24 pontos. Às 12h15m, Senna bateu e abandonou a pista. Nesse horário, o índice estava em 19 pontos no Rio e 24 em São Paulo. Quinze minutos depois, muita gente já havia desistido de assistir a corrida. A audiência despencou no Rio para 17 pontos. A diferença em São Paulo, terra do piloto, foi mais significativa. A audiência diminui para 15 pontos.

Esse fenômeno não aconteceu quando o piloto Nélson Piquet foi para o box e abandonou a mesma corrida. A desistência ocorreu entre as 10h45m e às 11h, quando o Ibope registrava uma audiência entre 24 e 26 pontos. A audiência permaneceu nos 26 pontos até 45 minutos depois da saída de Piquet”.

A grande variação no nível de interesse é, inclusive, um dos motivos pelos quais determinadas redes de televisão não investem em esportes menos tradicionais em seus países. Isto, é claro, acaba reforçando tal tradição e impedindo que outras modalidades encontrem seu espaço. Aí entramos na discussão da obrigação ou não das TVs serem mais informativas, algo que deveria ser forçado por meio dos contratos de concessão, mas nosso sistema as vê simplesmente como fontes de lucro e entretenimento facilmente digerível, fazendo com que qualidade e conteúdo sejam deixados de lado.

É normal que a F1 não tenha tanta audiência quanto nos dias de Senna, mas o fato dela ter caído, em média, pela metade, mesmo que ainda tenhamos pilotos no grid em grandes equipes por praticamente todos esses 20 anos desde o último título do país, deixa a impressão de que, tivessem cuidado melhor do produto e apresentado-o sob uma ótica mais ampla que da torcida, os resultados poderiam ser bem melhores.

massa alonso hockenheim 2010
O sentimento de que Massa "traiu a nação" em Hockenheim mostra o nível de compreensão gerado pela cobertura

Não é algo que acontece só por aqui. O GP de Abu Dhabi foi apenas o 2º em que a RTL, da Alemanha, passou dos 10 milhões de espectadores desde a 1ª aposentadoria de Schumacher. Os números são comparáveis aos da Espanha que, como vimos ontem, bateu o recorde com mais de 9 milhões de espectadores, e da Itália, país no qual a audiência da última prova do ano dobrou em relação ao ano passado, chegando a 10.6 milhões de pessoas, ou 50% de share.

Com Hamilton tendo menos chances, os britânicos não se animaram muito e os números de Abu Dhabi ficaram perto da média de 4 a 5 milhões de espectadores (5.3). Curiosamente, os números na França chegaram a 5.6 milhões, mas não superaram o GP de abertura da temporada, no Bahrein.

A comparação com o Brasil é difícil, pois aqui os números são divulgados em pontos de audiência. Eles têm permanecido entre 12 e 15 pontos, caindo para cerca de 8 nas provas disputadas de madrugada. Nenhum desastre, principalmente levando-se em conta o horário das provas. Mas a forte oscilação quando há um brasileiro na briga continua: o GP do Brasil de 2008 marcou 33 pontos de média. Será que nada desse público poderia ser retido para as demais provas?

Resta esperar que a concorrência ajude a melhorar o produto que recebemos por aqui. Comenta-se que a Record está preparando uma proposta milionária para tirar da Globo os direitos de transmissão a partir de 2014. Ao contrário dos problemas encontrados na Inglaterra pela emissora pública BBC, que arca com os custos da transmissão sem vender comerciais, a F1 está longe de ser uma barca furada por aqui. Para 2011, a Globo fechou cotas de patrocínio para a categoria no valor de R$ 60 milhões, aumento de 10% em relação ao ano anterior. Mesmo subaproveitado, é um produto com forte apelo.

11 Comments

  1. Oi Julianne,

    E o que ainda povoa a minha imaginação, é se aqui existisse um piloto do apelo do Ayrton Senna e com todas essas possibilidades que a internet propicia, como este seria tratado? como a mídia cobriria a presença deste?

    Abraços,

    Luis Antonio Mendes

    • Acredito que ele seria mais questionado, pois os opiniões individuais ganharam mais destaque com a internet. E os críticos fazem muito mais barulho que os fãs. Imagine a repercussão de uma entrevista como essa citada na sexta-feira? Será que ele, sendo tão calculista com a imprensa como era, faria isso hoje em dia? Será que não teria o rabo preso, como os outros? Só podemos imaginar.

  2. Como comentado em post anterior, Senna tinha uma capacidade enorme dentro das pistas e uma habilidade com a mídia equivalente.

    Muitos dos expectadores daquela época sentiam sua própria auto-estima elevada quando Senna vencia e erguia com orgulho a bandeira nacional. Parodiando o dramaturgo Nelson Rodrigues que cunhou a expressão “Complexo de vira-lata” na época que a Seleção brasileira de futebol perdeu a final para o Uruguai em 1950 e o hábito dos brasileiros de se sentirem inferiores perante os estrangeiros.

    Com a morte de Senna, uma boa parte desses expectadores não viam mais sentido em assistir um esporte em que não havia mais, alguém vencendo a tudo e a todos e naturalmente a audiência diminuiu. Fenômeno igual aconteceu em relação ao Tênis, quando Gustavo Kuerten encerrou sua carreira por dores no quadril.

    Sobraram aqueles apaixonados pelo esporte a motor que torcem não apenas por um brasileiro, mas que tentam entender as nuances do esporte. Se a transmissão oficial tentasse mostrar este lado técnico ao invés do discurso emocional, talvez as coisas fossem diferente.

  3. A oficial que tanto se gaba da qualidade, deveria abrir os olhos, e pensar seriamente na adição da internet, no link com o espectador, afinal a internet é uma encurtadora de distâncias. A audiência em tempos de internet, exige quantidade e qualidade, um cardápio nutritivo. Para não ficar dependendo de um herói, tem que mostrar as nuances da disputa, e material existe. Acredito que o passo posterior ao nacionalismo, é a liberdade de escolha, ou seja, torcer para o piloto ou equipe que der na telha, sem frustração. Para quem chega a um nível de amar o ronco de um motor, um bom pega, pouco importa a nacionalidade, e isso é o amadurecimento da audiência, e para se chegar a esse nível de compreensão, temos que quebrar as correntes do pensamento pasteurizado para enxergar o esporte em sua essência. Antes de viajar pela internet, me informava pelos recortes de jornal, diga-se de passagem, mt pouco para explicar a riqueza de detalhes da f1. Evoluir sempre, e essa janela abre horizontes.

  4. Eu concordo com a parte essencial da análise. Mas há outros fatores importantes também:

    1) Eu ainda assisti o resto da temporada de 94. O que me fez desligar da F1 por muitos anos foi a batida intencional do Schumi no Hill em Adelaide ter ficado por isso mesmo. Para quem se lembra, não foi a primeira roubalheira do Schumi, e aquilo simplesmente cruzou a linha do que era tolerável. Antes daquele momento, era divertido torcer contra o Schumi “Dick Vigarista”. Depois daquele evento, ficou evidente que a organização inteira era uma grande palhaçada. Aí voltei a assistir novamente em 97 bem em tempo de ver o mesmo Schumi fazer algo semelhante. Aí fiquei basicamente de fora até a Brawn aparecer.

    2) Naquela época de tudo eletrônico havia a impressão entre o público que o piloto não tinha importância. Depois de crescer com Lauda … Schumi, a safra que seguiu só tinha Schumi e Mika (o Alonso embora presente não havia “aparecido” ainda) em carros aonde o piloto fazia pouca diferença.

    4) A morte do Senna foi muito traumática, especialmente para o Brasil. Não foi uma aposentadoria, foi uma tragédia ao vivo. Eu ainda me lembro aonde eu estava quando o Cabrini (?) falou: “Morreu Ayrton Senna da Silva”. Quase todas as pessoas a quem eu pergunto isso, mesmo os que não acompanhavam, também se lembram. Eu comparo a morte do Senna ao assassinato do Kennedy para os Americanos. Logo após houve o acidente do Wednlinger em Mônaco. A gente tinha a impressão que algo terrível ia acontecer todo fim de semana.

    Em outras palavras: o regulamento era ruim, a organização era suspeita, os protagonistas eram pouco interessantes, os riscos altos demais, etc. Os fatores para os quais a Ju aponta são os mais importantes, mas a época simplesmente foi ruim para a F1. Hoje as coisas são diferentes em todos esses aspectos. Gostaria de comparar os números de audiência de 2008 com os de 2010 ao redor do mundo.

    • Esse tipo de assunto é sempre muito complexo. Há todos esses motivos também. Da catarse coletiva à comoção coletiva de Ayrton, talvez a f1 tenha se tornado aqui algo que nunca poderia se sustentar por muito tempo.
      E o período entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000 foi certamente o pior da categoria. Inconsistência em decisões, corridas monótonas… tudo isso começou a melhorar a partir de 2006.
      O difícil da comparação é essa questão do piloto vencedor. Em qualquer parte do mundo, ver um conterrâneo sendo melhor que todos chama a atenção. O interessante seria comparar a mesma época em países, ou de vencedores, ou sem representantes lutando pelo título. Vou procurar esses dados.

  5. A F1 tem um lado comercial bastante rentável se souber utilizar. Mas para isso precisa de um piloto de alto nível e que tenha bastante carisma para poder ser o cahamriz da torcida. A Espanha tem Alonso, a Inglaterra tem Hamilton, a Alemanha tem Schumacher e, agora, Vettel. Até mesmo países sem tradição como a Polônia com o Kubica. No Brasil, o Rubinho bem que tentou se lançar como um “novo Messias” mas mostrou não ser muito bom relações públicas. O Felipe até veio para cumprir essa função, pelo menos na visão da Rede Globo, e vinha fazendo bem este papel quando quase ganhou em 2008, mas depois do acidente da Hungria e das ordens de equipe na Alemanha, ele perdeu muito com isso. A única chance de recuperar a credibilidade é andando mais rápido que o Alonso, mas isso é difícil e ele vai ter que batalhar bastante.

  6. Leo, achei interessante seu ponto de vista. Ele demonstra o quanto fatos podem atingir pessoas de forma distisnta. Ao que me lembro, assisti minha primeira corrida em 85/86, era mt criança. Torci por Piquet, mas quando Senna apareceu andando naquela carroça da Toleman, mas fazendo bonito, me tornei fan. Os tempos de Mclaren foram o paraíso. Após a morte de Ayrton, reagi de outra forma, não abandonei a disputa, mas qualquer piloto que disputasse com Shumacher, era meu favorito. Concordo quando vc fala sobre os poucos bons que Shumacher teve pelo caminho, pois se anteriormente encontrasse uma safra tão boa quanto a de hj, dificilmente teria números tão absolutos. Quando Alonso derrotou o alemão, passei a enxergar no espanhol, a qualidade que via em Senna. A separação de Senna foi abrupta, mas com a volta de Alonso para a Renault, meu piloto favorito não disputaria o título, o que me fez torcer por Massa contra Hamilton em 2008, em decorrência do apoio irrestrito de Dennis a Hamilton. Pelo visto, minha atitude com Alonso, foi a mesma que com Senna, ou seja, quem corre contra o espanhol, torço contra. Em 2009, torcia pelo Barrica, mas acabei torcendo por Vettel, em detrimento do apoio escancarado de Ross Brawn a Button. Em todos esses anos, apesar de uma visão um pouco distorcida, mt por causa da oficial, nunca deixei de ver uma corrida, afinal o gosto pela brincadeira é forte. Essa visão distorcida e pilotocentrista, culminando com o nacionalismo exacerbado, é feito radiação, te detona a longo prazo, mas com o passar do tempo, vc vai desvendando a realidade, quando passa a frequentar blogs fora da esfera oficial, onde deixa de ocorrer o debate de bomzinho e mauzinho. Aqui no Faster é um exemplo, onde besteiras como MÁFIA, FIA (Ferrari Internacional Assistence) não tem vez. Aqui vc passa a enxergar a f1 com outros olhos, e onde tinha apenas uma disputa superficial, entram outros fatores como competitividade, arrojo, técnica, interesses. Aqui o conteúdo é bem explorado e faz mais sentido.

  7. A questão de uma grande audiência na minha visão está associada a popularidade daquilo que se apresenta ao público. A popularidade pode ser obtida de diversas (ou tentar se obter) de diversas maneiras. A figura de um “herói” e a exacerbação da nacionalidade é uma fórmula que sempre atraiu o público, mas não é garantia de se ter o público fiel. Imagine ter um público como o torcedor de futebol, que mesmo com o time não ganhando nada, continua torcedor do time.

    Não sei se existe uma fórmula para isso, mas quando a Bandeirantes que tinha uma programação de esportes não apenas voltada ao entretenimento, mas também no sentido de educar o público a entender e gostar das modalidades que transmitia. Era uma das pregações para popularizar as diversas modalidades.

    Lembro bem do volei que na década de 80 ainda não era tão popular e vivia de “ídolos” para atrair o público. E assim foi sendo trabalhado e com o aumento do número de jogadores melhor eram as novas equipes e assim atraindo mais o público. A vitória na Olimpíada na minha visão foi um ponto chave para atrair mais fãs e interessados em praticar o esporte. Foi algo que chamou a atenção para a modalidade. Associado a isso, os dirigentes e jogadores também trabalhavam para tornar o esporte mais popular.

    Quando a Fórmula Indy começou a ser transmitida no Brasil. As transmissões eram não apenas para narrar a prova, mas explicações de como era a dinâmica da corrida, uma ver que era muito diferente da Fórmula 1. As transmissões eram iniciadas muito antes da corrida em si para explicar e tentar fazer o público entender o que era o espetáculo. O esforço surtiu efeito e com brasileiros vencendo provas e campeonatos conseguiram atrair a audiência, apesar de não ser a maior rede do país. Não me lembro com exatidão quando, mas chegou a ter alguma rivalidade com a F1. Depois dos problemas de brigas da categoria, separada em duas, as coisas parecem ter esfriado.

    Uma evidência que vejo para que se tenha bons números de audiência é conseguir popularização aquilo que se oferece, nesse caso a Fórmula 1. Mas não creio que isso seja algo fácil, uma vez que não é como outros esportes em que o custo para se praticar é relativamente baixo comparado ao automobilismo. No caso do automobilismo, mesmo uma categoria como o kart tem o custo do kart, viagens, peças de reposição, mecânicos, etc.

  8. Acredito que a Fórmula 1 pode ser vista sobre dois planos.

    Uma superficial em que ocorrem as disputas nas pistas, onde se determina a qualidade de um carro/equipe e a característica dos pilotos em relação ao seu arrojo e técnica de pilotagem.

    Em um segundo plano, escrito nas entrelinhas e por isso mais interessante para ser observado, estão:

    – as disputas internas entre pilotos da mesma equipe para ser o preferido, como fazia Piquet x Mansel, Senna x Prost e até mesmo Alonso x Massa;
    – as interpretações tendenciosas do regulamento pela FIA ao autorizar ou não a utilização de um novo recurso como F-duct, difusor duplo ou amortecedor de massa com o objetivo de criar uma situação de disputa ou eliminar a vantagem de uma equipe dominadora.
    – os julgamentos também tendenciosos dos erros cometidos por pilotos e equipes, apenas semanas ou meses depois do ocorrido como o caso de espionagem da McLarem ventilado pelo Alonso, batidas propositais do Schumi, etc. Sendo o mais importante o espetáculo e audiência garantida.

    Por essas e outras, a Fórmula 1 lembra uma novela ou às vezes um filme pastelão em que a gente espera ansioso pelo próximo capítulo, sendo que o enredo é alterado pelos protagonistas conforme os interesses e que irão garantir uma maior exposição na mídia e maior retorno financeiro para o espetáculo.


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