Nem Lewis Hamilton poderia ter sonhado com um script tão perfeito para voltar a vencer na F1 depois de 945 dias, desde o GP da Arábia Saudita de 2021. Uma corridaça em Silverstone, com o vai e vem das nuvens testando o racecraft dos pilotos, a comunicação com seus engenheiros, e as estratégias das equipes. Na briga pelos primeiros lugares, dois carros muito fortes, mas com características diferentes, e um conjunto muito afinado.
Hamilton largou em segundo, sabendo que tinha escolhido um acerto com mais pressão aerodinâmica que o companheiro Russell, pensando mais na administração dos pneus na corrida. Manteve o segundo posto na largada e passou o companheiro na volta 18.
A primeira chuva, hora de aguentar na pista
Foi neste momento em que os primeiros pingos de chuva começavam a cair. As equipes optaram por largar em sua enorme maioria com os pneus médios para escapar do risco de graining com os macios e, principalmente, para ter flexibilidade para esperar a chuva. Afinal, era esperado um chuvisco, um período de pista seca, e depois uma chuva de verdade.
Cabia aos pilotos aguentar na pista nesta primeira fase para economizar uma troca de pneus. E esse momento tinha chegado.
Como também aconteceu no Canadá em condições semelhantes, as McLaren passaram a encontrar aderência onde ninguém mais tinha com a pista úmida e fria. Lando Norris tinha sido superado por Max Verstappen na largada, mas retomou a posição com facilidade na volta 14. Dois giros depois, o tricampeão era superado por Oscar Piastri. Seus pneus médios tinham acabado antes dos demais e ele estava perdendo contato com os quatro primeiros.
Mas as McLaren não pararam por aí e passaram, também, as duas Mercedes. Na fase mais aguda dessa primeira chuva, eles eram 1s por volta mais rápidos, com Norris em primeiro, Piastri em segundo, Hamilton em terceiro e Russell em quarto. Verstappen estava 10s atrás, em quinto.
Mas logo secou, para o desespero de Charles Leclerc, que tinha optado por colocar os intermediários, o que acabou com sua corrida. Na outra Ferrari, com ambos usando a configuração de Imola, sem as últimas atualizações, depois de passarem todo o fim de semana tentando entender o que deu errado com as novidades da Espanha, Sainz perdia mais de meio segundo por volta para os líderes.
A segunda chuva e o primeiro erro da McLaren
Ele recuperou parte disso quando tomou a decisão precisa de trocar os médios pelos intermediários na volta 26. Acertaram em cheio também Verstappen, Hulkenberg e Stroll no top 10.
Os dois McLaren vinham divididos por menos de 1s e tinham 3s de vantagem para as Mercedes, também separadas por pouco mais de 1s. A chuva apertou de vez e as duas equipes teriam que fazer paradas duplas. Piastri teria que esperar Norris e perderia a posição para Hamilton, e Russell teria que esperar Lewis, mas sem perder nada porque Verstappen estava muito atrás para aproveitar.
Era uma decisão mais fácil para a Mercedes do que para a McLaren mas, ainda assim, os menos de 4s que Russell perdeu no double stack não foram nada perto dos 18s que Piastri perdeu por fazer uma volta a mais na pista já encharcada.
O australiano estava fora da disputa pelo pódio, que perderia também Russell, que abandonou com um vazamento de água.
Nesta fase em que os pilotos estavam com intermediários, Hamilton foi diminuindo aos poucos a vantagem de Norris, de 3s2 para 1s9 em 10 voltas. Em terceiro, Verstappen estava a 8s do líder, enquanto Piastri ficava preso atrás de Sainz.
A decisão mais complexa da prova, e o segundo erro da McLaren
Do ponto de vista da estratégia, esse foi o ponto mais complexo da prova. Não era mais uma questão do feeling do piloto na pista sendo cruzado com a informação do radar se viria mais chuva ou não. Não havia mais chuva no radar há tempos, a pista estava secando, e os pilotos adotavam um ritmo artificialmente lento para não superaquecerem os intermediários “famintos” por água.
Esse ritmo lento afetava os cálculos das equipes para determinar qual era a volta perfeita para parar. E quantos segundos seriam ganhos com um undercut. Essa informação era fundamental para a disputa da liderança.
Quando Hamilton chegou a menos de 2s de Norris, mesmo com 14 voltas para o final, a Mercedes o chamou para colocar macios e tentar o undercut na McLaren. Verstappen veio junto, com uma proposta diferente por conta da sua posição na corrida: colocou os duros.
A decisão da Red Bull era mais óbvia em vários sentidos. O único pneu que permitiria a Verstappen atacar era o duro, uma vez que ele não tinha médios disponíveis. Ele teria dificuldade de aquecimento inicialmente, então era preciso parar o quanto antes para que ele tivesse tempo de fazer com que seus pneus “ganhassem vida”.
Na Mercedes, era também óbvio que eles tinham que optar pelo macio. Eles não tinham médios e não podiam optar pelo duro e jogar a chance de undercut fora, pela dificuldade de aquecimento. O único porém era o graining: cabia a Hamilton controlar as temperaturas desse pneu para ele ir bem até o final.
O que levou a McLaren ao erro
A McLaren, sim, tinha a opção perfeita: um pneu médio novinho. Mas eles decidem pelo macio por uma série de dados imprecisos. Primeiro, eles acreditavam que não tinham levado o undercut da Mercedes. Segundo, temeram que Norris saísse logo à frente de Hamilton sofrendo com o aquecimento dos médios. Terceiro, com base em tudo isso, colocaram a opção para Norris da seguinte forma: “médios para defender Verstappen ou macios para defender Hamilton?”
Norris optou por Hamilton, é claro, o líder. Depois meio que voltou atrás, foi uma comunicação confusa com o engenheiro. Independentemente disso, não era esse o cenário: ele tinha levado o undercut e precisava de um pneu para ATACAR Hamilton. E o macio, com aquela história de graining, não era esse pneu.
Não ajudou que o vizinho Leclerc estava saindo de seu box quando Lando estava entrando, seu ângulo não foi dos melhores e ele passou bastante de sua marca. A parada foi de 4s5. Ele sai pouco mais de 2s atrás de Hamilton. E com o pneu errado para atacar.
Verstappen voa no final
A diferença fica estável por algumas voltas, até que fica claro que Norris não consegue fazer o pneu macio durar da mesma forma que Hamilton logo à frente, enquanto Verstappen é muito mais veloz com o mais consistente composto duro, podendo forçar à vontade. Tirando tempo até mesmo de Max vem Piastri, único com o composto médio, comprovando qual era a melhor escolha para aquele momento.
Verstappen passa Norris com quatro voltas para o final, tendo descontado 8s em relação ao inglês em 10 voltas. Vai à caça de Hamilton, que vinha aliviando nas curvas rápidas para não tirar muito do seu pneu macio. Mas não chega. E, com 1s4 de vantagem ao seu algoz de 2021, Hamilton vence pela nona vez em Silverstone e pela 104ª vez na carreira. A primeira delas, aos prantos.
1 Comment
Meu, mas que corrida foi essa!! Eu tava torcendo para o Lando, porque (assim como Hamilton) eu já não acreditava mais que o Lewis conseguisse ganhar uma corrida. Mas QUE BOM que eu (e ele) estava errada. Sinto muito pelo Norris, mas o Lewis precisava dessa. E foi linda!!