Nomes de carros na F-1 geralmente representam a continuidade de uma linhagem. A McLaren, por exemplo, apresentou nesta semana o MP4-27, mantendo a nomenclatura que usa desde o revolucionário modelo de fibra de carbono desenhado por John Barnard no início dos anos 1980. Na segunda-feira, é a vez da Red Bull mostrar seu oitavo carro, não coincidentemente, chamado de RB8.
Por isso é particularmente curioso o lançamento do E20, modelo com o qual Kimi Raikkonen voltará à F-1 após dois anos. Tendo em vista que o antecessor da equipe chamava-se R31, qual seria a lógica?
O E20 é simplesmente o 20º carro produzido pela equipe de F-1 com sede em Enstone, Inglaterra. E é exatamente isso que a nova casa de Raikkonen é: o time de Enstone. Sim, pois de Renault só tem o motor, e de Lotus, só a cor e o nome. Seu DNA é completamente outro. E muito rico.
Nos anos 1980, Enstone era a casa da antiga Toleman, aquela por que Ayrton Senna estreou na F-1. Comprada pela empresa italiana Benetton, foi o time pelo qual Michael Schumacher conquistou seus dois primeiros títulos mundiais, em 1994 e 1995. No início dos anos 2000, em plena decadência, a fábrica foi novamente negociada, agora com a Renault. E aí temos de abrir o primeiro parênteses nesta história.
A montadora francesa havia tido um time com relativo sucesso nos anos 1980, culminando com o vice-campeonato de construtores de 1983, temporada que fez com que o jovem Alain Prost acabasse contratado pela McLaren. O projeto foi interrompido em 1985 e, 17 anos depois, retomado, com a tomada do controle de Enstone.
O sucesso seria ainda maior, com o bicampeonato de 2005 e 2006, com Fernando Alonso ao volante. Contudo, devido aos altos investimentos e após o escândalo do GP de Cingapura de 2008, os franceses decidiram deixar a F-1 enquanto equipe ao final de 2009.
Por força de contrato, apesar da venda da equipe para a empresa Genii, de Luxemburgo, que atua em diversas plataformas de negócios, o nome foi mantido. Com a entrada da Lotus Cars – que pouco tem a ver com o original Team Lotus – na sociedade, as tradicionais cores preta e dourada e o nome Lotus passaram a dominar o carro. E aí outro parênteses é preciso.
O Team Lotus foi uma equipe comandada por um dos maiores engenheiros da história da F-1, Colin Chapman. Por ela, passaram nomes como Jim Clark, Graham Hill, Jochen Rindt e Ronnie Petterson, além dos brasileiros Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna. Em 36 anos de história, foram sete títulos de construtores e seis de pilotos, antes do colapso financeiro em 1994.
Os herdeiros de Chapman ainda fariam um acordo com o malaio Tony Fernandes para o retorno do time para a F-1, mas, após uma briga judicial, a Lotus Cars, que representa o braço de carros de passeio da marca e foi desmembrado da ala esportiva há décadas, levou a briga e fez com que a equipe conhecida como Lotus nos últimos dois anos fosse renomeada como Caterham.
Esta Lotus, portanto, pouco tem a ver com a história de Clark, Chapman e companhia. Mas está longe de ser apenas uma bastarda. Trata-se de um novo capítulo para um DNA de sucesso, de quatro títulos mundiais e uma história marcada pelo lançamento de novos astros para a F-1. Que o nome de batismo de seu carro não deixe ninguém esquecer que este é o time de Enstone.
17 Comments
Engraçado essa Lotus
Acho que é o único carro do grid cujas cores são de um antigo patrocinador (que já não existe) e não do principal patrocinador.
Qual a razão disso? Tradição ainda tem vez na F1?
Tradição por tradição, com certeza não. Essa Lotus preta e dourada serve mais para estabelecer uma relação de uma equipe hoje com uma identidade um tanto confusa com um sucesso passado que não é dela. Tradição meio mandraque, não?
Hahaha!Total mandrake!
Esqueci de por o 🙂 no final da pergunta.
Não passa de um mero plano de marketing.
Pra equipe se chamar Lotus eles precisavam imprimir algo no sentido de invocar a identidade da antiga e vitoriosa equipe. Optaram por usar as cores dos cigarros John Player Special, antigo patrocinador.
O que me impressiona é os novos patrocinadores acharem normal por dinheiro numa equipe e não ter as cores do produto no carro.
Há algo realmente confuso na identidade dessa equipe.
Pois é, mas eles não têm um “title sponsor”, aquele que paga o bastante para mexer com a cor do carro. O mais perto disso (aliás, não me pergunte exatamente como é organizada essa equipe meio Genii – e nem me pergunte o que é exatamente a Genii – meio Lotus Cars) é a própria Lotus Cars. Daí a cor/associação.
Estava pensando na McLaren também, que hoje não tem muitos motivos para ser prateada. Alguém apostaria em uma cor para quando o contrato com a Mercedes acabar?
Tradição mesmo acredito que só a Ferrari. Não consigo imaginar eles fechando um title sponsor que não seja vermelho (ou algo próximo, como no caso da Vodafone, que acabou alterando levemente seu vermelho alaranjado quando patrocinou a equipe).
Hahaha, agora a coisa ficou mais confusa porque as cores da Lotus Cars são amarelo e verde!!
Falando sério, eles não tendo um “title sponsor” podem por a cor que querem no carro e, sendo assim, optaram por usar as da Lotus mais “famosa”.
A Ferrari num passado recente já pôs umas faixas brancas na tampa do motor e nas asas.
É verdade, a McLaren nem precisava mais usar o prata, já que a Mercedes é apenas o fabricante do motor.
A nova cara vai depender do novo “title sponsor”. Pode vir a ser qualquer cor mas pelo o que eu li aqui a equipe tem seus principais acionistas no oriente médio. Dá pra ter uma idéia à partir disso?
Justamente a coisa que me parece mais estranha de tudo isso é a Lotus Cars não usar a equipe para promover seus carros. Pelo menos até agora, não vemos uma relação clara entre os carros de rua que eles fabricam e a equipe. E olha que eles andam precisando de uma forçinha… 🙂
Bom, o contrato de title sponsor da Vodafone acaba ao final de 2013, junto da Mercedes. Então pode ser que mude completamente. E é impressionante como essas coisas funcionam na nossa cabeça. Nem vou entrar no mérito da Malboro na Ferrari, mas lembro que achava inconcebível a McLaren prateada no começo, depois de tantos anos com o vermelho-branco. E agora não conseguimos imaginar outra cor pra Macca. É, o Bahar deve ter seus motivos pra fazer propaganda de graça…
Isso, a Ferrari só aceita vermelho-amarelo-preto-branco. Mesmo o Santander, que também é vermelho, fez com que as asas ficassem brancas porque dá mais leitura naquele mundo de vermelho do que seu próprio logo (branco em fundo vermelho). Dá pra imaginar, sei lá, a Petronas patrocinando a Ferrari?
Ah! Mclaren pra mim sempre terá as cores da Marlboro…
Na Ferrari ninguém se mete a mudar as cores senão fecham o congresso, cai o presidente… 🙂
Que eu saiba a Lotus Cars não “ganhou” na justiça. Teria sido o Tony Fernandes que aceitou um acordo com certeza lucrativo para o antigo Team Lotus.
Desculpe se dei a entender isso no texto. A Justiça ficou em cima do muro, quem ganhou a queda de braço foi a Lotus Cars e Fernandes ativou seu plano B com a compra da Caterham.
Uauuuu!!!
Belo texto, Julianne.
O chato dessa história de Lotus, Team Lotus é na hora das estatisticas de que tanto gosto.
Se Raikkonen vencer uma corrida, por exemplo, já nem sei mais como farei, se somo às da Renault ou se credito à uma equipe totalmente nova.
Eu já vi estatisticos creditar os GPs do Team Lotus (Caterham) à Lotus de Chapman, mas não acho legal porque tantto a ex-Lotus verde, como esta ex-Renault, nada têm a ver com a Lotus dos anos 60/70/80/90.
Se vai ser difícil pra gente, imagino a confusão que será para os menos atentos a esses detalhes.
Um abraço, Julianne, mais uma vez, seu blog é simplesmente sensacional, está entre os meus favoritos, e olha que é um time de peso como Livio Oricchio, Ico, Fabio Seixas, Flavio Gomes…
A ideia do post surgiu justamente quando eu estava atualizando as descrições das equipes e estatísticas no site. Discutindo sobre o assunto, eu e o Ico chegamos a considerar zerar tudo! No final das contas, acho que vamos ficar com os número de Enstone + Toleman, que me parece a melhor saída!
Um exemplo da confusão foi quando li comentários em blogs sobre o Sutil não ir para a Williams porque tinha pendências judiciais com um diretor da Renault, sendo que o Eric Lux é da Genii. Ou seja, bota confusão nisso!
Eu sou fã da equipe de Enstone desde Schumacher na Benetton, então sei alguns fatos sobre ela que eu gostaria de colocar aqui, já que o texto é sobre a tal. A Toleman na verdade não chegou a ficar em Enstone, a fábrica se localizava em Witney. Como se trata do 20º carro, imagino que em 92/93 a Benetton se mudou para lá, pois o pessoal da Benetton chegou a trabalhar em Witney.
Das pessoas que trabalharam por mais tempo em Enstone/Witney estavam Pat Symonds desde os tempos de Toleman até 2009 quando foi suspenso. Outro funcionário que era do tempo da Toleman cometeu suicídio em 2008. Então eu acho que não há mais ninguém da Toleman trabalhando lá. Mas da Benetton, ainda há sobreviventes, um deles é Alan Permane, diretor de operações e Paul Seaby, agora Team Manager da Lotus GP. @alanpermane, @Seabs no twitter
Imagino que há mais pessoas do tempo da Benetton, então não mais que justo o carro ser chamado de E20, eu pelo menos adorei. O vídeo de lançamento do carro também focou a fábrica e as pessoas que trabalharam no carro, achei muito legal.
Muito legais as informações, Larissa! Obrigada por compartilhar.
Sugiro que dê uma olhada neste post de 2010: http://www.totalrace.com.br/blog/juliannecerasoli/2010/12/09/ultrapassagens-kers-e-como-foi-trabalhar-com-senna-schumi-e-alonso/
Obrigada pelo link! Symonds sempre muito comunicativo para um engenheiro. Gosto muito do seu blog e das informações que você traz aqui.
Também gostei dessa “âncora” pro time “Lotus”.
Apesar das informações da Larissa de que nem todos ou tudo é ligado diretamente à Enstone, realmente é bom lembrar que patrocinadores (e até donos de equipe) vão e vem, mas há um bocado de continuidade quando o local de fabricação e o material humano permanecem.
Como quando o Vettel ganhou pela Toro Rosso, que tem a sua origem na Minardi… Foi muito legal aquilo.
Mas tradição por tradição, acho legal o Tony Fernandes usar o verde britânico no time dele, pra fazer o link com a Caterham.
Bem que a McLaren poderia voltar a usar aquele laranja do inicio… Um ano desses aí eles usaram na pré temporada, ficou muito bonito.
Mas é querer muito ter os times nas cores de antigamente, quando cada nacionalidade tinha sua cor característica.
A foto é belíssima! Dá medo só de olhar o quanto esses carros eram frágeis! A propaganda da Lotus me parece perfeitamente adaptada ao contexto econômico mundial atual, onde fusões e identidade diluida ditam a moda.
Muito interessante mesmo!
Quase nunca comento mas as vezes o artigo é tão tão tão bom que preciso falar algo: De onde sai tanto conhecimento?!
Seu blog enriquece nossas paixões.