Não é por acaso que a grande vedete deste início de temporada – agora, na verdade, já um quarto dela e, surpreendentemente, com pouca coisa definida – é a Pirelli. E não é porque seus pneus se degradam demais (o que não é exatamente verdade) nem pela falta de compreensão que as equipes têm sobre a borracha. Mas, sim, por crescerem em importância em tempos de enormes restrições.
Bom ou ruim, não adianta argumentar. Se a F-1 chegou a esse ponto, foi por sua própria sobrevivência. E o que engenheiros e pilotos têm de fazer é lidar com essa realidade.
Os pneus sempre foram importantes no desempenho de um carro. Afinal são apenas esses quatro pedaços de borracha que interagem com o asfalto, gerando uma relação tão fundamental quanto sensível. Quem não se lembra do campeonato de 86, decidido em favor justamente do “professor” Prost, enquanto as Williams de Piquet e Mansell, calçadas com Goodyear, fabricante que prometera erroneamente um produto que duraria a prova inteira, ficavam pelo caminho? Ou dos terríveis pneus com sulcos, criados para diminuir a dependência aerodinâmica – outro problema que não vem de hoje – dos carros?
Os anos de guerra entre fabricantes, em parceria com o reabastecimento, criaram uma nova realidade na qual, devido aos altos investimentos de Michelin e Bridgestone, os melhores pilotos eram aqueles que conseguiam dar uma volta de classificação em cima de outra. O ano de 2004 foi o auge desta F-1 dos altos investimentos das montadoras, com carros e pneus resistentes, motores poderosos e gastança quase infinita.
Houve bons e maus campeonatos nesta era, mas, de qualquer forma, não adianta chorar as pitangas: o mundo não comporta mais aquela F-1 e não é por acaso que uma onda de restrições tomou conta da categoria a partir dali e mais fortemente após 2008.
Os anos 60, 70, 80, com reviravoltas causadas por quebras e a impressão de que o homem tinha mais poder para controlar a máquina – e não é assim em todas as áreas da sociedade? – também não volta. Era preciso uma nova receita.
Agora, a emoção e a sustentabilidade da F-1 vêm da restrição do regulamento técnico. Sem tentar inverter o grid com regras esportivas mirabolantes – resta excluir a necessidade de largar com o pneu com que se classifica, isso já não cabe faz tempo – ou impor tetos orçamentários de difícil controle, a saída para qual se tem caminhado é nivelar pelas proibições. Depois de motores congelados e da adoção de uma centralina única, os esforços se voltaram para a aerodinâmica.
E, depois do último grande diferencial ser proibido ao final de 2011, o que temos é um grid espetacularmente próximo. Computando o Q2, pois na parte final da classificação as táticas entram em jogo e desfiguram um pouco as distâncias, tivemos 0s923 do 1º ao 12º na Austrália, 1s016 do 1º ao 12º na Malásia, 1s045 do 1º ao 16º na China, de 0s808 do 1º ao 15º (!) no Bahrein e de 1s072 do 1º ao 14º na Espanha.
Não é preciso voltar muito no tempo para ver o quão especial é este momento. Ano passado, no mesmo GP da Espanha, a distância entre o 1º e o 14º no Q2 foi de 2s162. Em um panorama desses, é óbvio que pequenos erros de acerto ou mesmo nas voltas dos pilotos farão muito mais diferença e embaralharão os resultados. Mas isso não é roleta russa, nem sorte. Chama-se competitividade.
Sim, os pneus dificultam um carro progredir no meio do pelotão, mas também as pequenas diferenças entre os carros o fazem. Os pneus tornam a estratégia importante, mas também o fato de um carro não conseguir abrir muito do outro na pista ajuda nesse sentido. No final das contas, a Pirelli aparece tanto porque está tudo tão próximo que a maneira como cada carro trabalha com a borracha acaba sendo o diferencial. E, nesse cenário, quanto mais sensível o pneu, maior o desafio de engenharia e pilotagem.
Para quem não gosta de acordar aos domingos sem saber qual será o prato do dia, fica a dica do site WTF1, famoso pela maneira bem humorada com que trata a categoria: “quem não estiver feliz com essa temporada e fica reclamando dos pneus pode assistir todas as corridas de 2004 ao invés de acompanhar ao vivo”. Mas que ninguém se irrite se eu contar o final…
11 Comments
Muito bom post! WTF1, What the fuck 1!?
Seria algo como what the f*** f1, coloquei o link no post agora. As montagens com photoshop são impagáveis.
Mas uma coisa que não dá para entender, é por quê as equipes teimam em mandar os pilotos só nos minutos finais do qualifying. Depois o piloto pega tráfego e fica reclamando que foi prejudicado. O que que custa marcar tempo logo no começo da sessão de qualificação?
É para aproveitar a aderência e, dependendo dos casos, temperatura da pista. E isso também é resultado do grid apertado. No Bahrein, foi o que tirou o Kimi do Q3, pois a volta dele foi bom e limpa, mas muito no começo da sessão. Tudo é uma questão de “compromisso”, como o pessoal da F-1 gosta de dizer.
O link não tá funcionando.
http://wtf1.co.uk/
Total concordância com o wtf1 em mandar o povo que reclama assistir 2004.
Mudando de assunto, eu achava que os pneus sulcados foram trazidos para reduzir as velocidades em curva, aumentando a segurança. Assim, eles teriam aumentado, e não diminuído, a dependência da aerodinâmica (mech grip vs. aero grip),
abraço
Kkkkkk, chorar pitangas foi boa, rsrsrs. Belo texto, Ju! A F1 sempre foi o expoente da tecnologia e, na atualidade, com carros e pistas praticamente perfeitos, a competitividade e os pilotos tinham ficado em segundo plano, mas me parece que a categoria está acertando…
Juli, qual o link na net do canal de Antonio Lobato ?
é que via corridas anteriores neste site, mas perdi dos meus favoritos .
Os direitos da F-1 na Espanha mudaram de TV (e com eles a trupe de Lobato) neste ano. Nunca procurei para ver ao vivo, assisto depois. Porém, se quiser procurar, a TV agora é a Antena3 (www.antena3.com).