Quando era criança, gostava do Mansell. Gostava de rir dele, de vê-lo errar, me divertia com suas caras, seu bigode datado. No fundo, do alto dos meus sete, oito anos, achava graça que ele se colocasse como rival de alguém tão perto da divindade como Senna.
Com o passar dos anos, fui me surpreendendo com a opinião dos ingleses sobre Our Nige, para os quais seu conterrâneo foi um dos mais azarados de todos os tempos. Dizem que ele merecia ter vencido pelo menos três campeonatos, enxergam garra no que eu achava graça – e não no bom sentido. Mas onde estaria o “verdadeiro” Leão? Muito provavelmente, nem lá, nem cá.
É curioso como uma imagem pode ser (des)construída. Um mesmo personagem pode ser enxergado de várias maneiras. Mansell nunca foi visto por aqui como um virtuoso, um piloto que entraria na lista dos melhores. O mesmo não pode ser dito de Alonso. A opinião geral dos brasileiros é de que o espanhol é um grande piloto, mas um péssimo caráter. Bom, o piloto conhecemos bem, mas e o caráter? Quando falamos de alguém que não conhecemos, onde termina a nossa impressão, construída pelo que lemos das interpretações de outros, e começa a pessoa em sua essência?
Alonso é daqueles que passou muito tempo sem ligar para o que falavam, silenciando sobre os escândalos que lhe cercavam e, com isso, dando margem a todo tipo de interpretação. E isso não apenas no Brasil. Hoje, o asturiano está entre os três esportistas mais queridos da Espanha, ao lado de Iker Casillas e Rafa Nadal mas tem, de longe, o maior índice de rejeição entre os três.
Nos últimos anos, vem apostando forte na mudança dessa imagem. Principalmente desde que chegou na Ferrari, é difícil encontrar um piloto mais político que ele no grid e o resultado é especialmente visível no país em que foi mais julgado, a Inglaterra, onde ganhou, ao menos, o benefício da dúvida.
Mas sua jogada mais decisiva ocorreu há menos de cinco meses, com a entrada maciça nas redes sociais – novo site, com direito a inspirados momentos como fotógrafo, facebook, instagram e twitter. Depois de passar anos negando-se a falar da vida pessoal, a série de boatos surgidos com o fim de seu casamento fez com que adotasse estratégia semelhante justamente a da ex-mulher, amada na Espanha e, não coincidentemente, twitteira de primeira, Raquel del Rosario: se é inevitável que falem de mim, então sou eu quem dará essa informação.
Há quem lembre da largada na Espanha ou do grande ritmo na chuva malaia, mas as melhores manobras de Alonso neste ano respondem por um nome, do simpático bonequinho Tomita, e por uma hash tag, #amigasALO. O primeiro, inspirado em anime japonês e companheiro de viagens do espanhol, aparece em fotos nas mais diferentes situações, e desafia a imagem do vigarista que procura a todo momento tirar vantagem em cima de seus rivais. A segunda, uma irônica e cheia de timing brincadeira com a chamada “prensa del corazón” – depois de ver jornais publicarem fotos suas ao lado de mulheres que, supostamente, seriam suas novas namoradas (chamadas de “amigas” pelos meios), Alonso pediu para que todas as mulheres que tivessem fotos com ele as enviassem para dar mais material às publicações, e em pouco tempo conseguiu mais de 800 “amigas” diferentes – se tornou ao mesmo tempo um manifesto e um escudo.
Alonso é um dos exemplos de personalidades que usam muito bem o twitter, chegando à desconcertante realidade de pautar a imprensa. E até deixá-la com jeitão de boba quando, por exemplo, o espanhol publicou uma foto de um copo d’água pela metade dizendo que o enxergava meio cheio e a hash tag #happy, em referência ao ritmo da Ferrari, justamente quando os italianos escreviam que o piloto estava descontente e querendo a cabeça de todos em Maranello. Esse enfrentamento velado, sutil e ácido ao mesmo tempo, é a melhor parte da brincadeira. Para os fãs, a impressão de proximidade ao que eles “sempre” viram como a verdadeira faceta de seu ídolo. Para os famosos, a possibilidade de controlar de uma maneira que o velho Mansell não podia a imagem que querem passar. No meio de tudo isso, a essência. Mas quem se importa com ela?
19 Comments
Putz, taí um dos melhores posts seus, Julianne.
Eu colocaria o Piquet no mesmo grupo do Alonso de antes das redes sociais, no quesito “trato com a imprensa”.
Já um Mansell eu sempre achei mais um “idiota rápido” (é meio pesado essa alcunha que o Piquet deu pra ele, mas…) do que um “azarado incompreendido”, mesmo.
Agora, o “#amigasALO” foi coisa de gênio! “Use o sistema a seu favor”…
Acho que o Alonso passou por “fases” distintas aqui no Brasil, tanto na “imprensa especializada” quanto no público em geral.
Primeiramente ele foi alçado ao posto de justiceiro por ter “aposentado” Schumacher, inimigo público número 1 dos “brasileiros Globo F1 fãs”.
Depois, em 2007, ele começou a ganhar a antipatia do público e da imprensa por aqui por estar “descontrolado” ao dividir a equipe com o novato e novo queridinho Hamilton, ou Robinho para alguns. Acho normal parte de o público ser influenciada, nada de anormal, principalmente se tratando de Brasil. Mas “imprensa especializada” caiu de pau nele simplesmente por “só” traduzirem as – boas em muitos casos – matérias da imprensa inglesa. O engraçado é que no ano seguinte o mesmo Hamilton virou “vilão” devido à disputa com Massa.
Em 2008, Alonso foi disputar a temporada tendo como companheiro de equipe o “futuro novo campeão do Brasil”, Nelsinho Piquet. O que já estava ruim para ele desde de 2007 só piorou em 2008. Todas as teorias possíveis foram levantadas e matérias sensacionalistas compradas pela imprensa brasileira e veiculadas aqui.
Eis que a cereja do bolo se dá no ano seguinte, 2009, com o “cingapuragate”. A partir daí, o posto de novo “dick vigarista” de Schumacher teria novo dono nos corações dos “brasileiros Globo F1 fãs”, Fernando Alonso.
Nada a favor ou contra ele, apenas acho que ele é apenas mais um que veio e como muitos que virão na F1: centralizador, manipulador, fominha e político. Assim como a maioria dos grandes campeões.
E como bem colocou a Julianne em seu post: “quando falamos de alguém que não conhecemos, onde termina a nossa impressão, construída pelo que lemos das interpretações de outros, e começa a pessoa em sua essência?”.
Brilhante texto, Julianne! Um de seus melhores (e olha que são muitos os ótimos textos).
E genial a estratégia do Alonso e suas “amigas”. Rs! Mas que ele é um tremendo de um mau caráter, isso ele é. Ou seria tanta coincidência ele sempre estar presente nos momentos mais baixos da F1 nos últimos anos?
Um gênio do mal.
Hoje possuimos uma fartura de informações que nos abrem os olhos. Sabemos que não existem anjos na F1. Sabemos o quanto uma imprensa tendenciosa pode fazer uma lavagem cerebral em uma nação. Me lembro que Prost/Shumacher estavam com medo de vir ao funeral de Senna, por medo de retaliação por parte da torcida do brasileiro, pelo francês/alemão serem considerados vilões nas disputas com Senna. Anos mais tarde, pude enxergar que os brasileiros eram tão espertos quanto os outros: http://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Pr%C3%AAmio_do_Brasil_de_1982_%28F%C3%B3rmula_1%29 http://www.youtube.com/watch?v=FStK3JlFa8w&context=C3f5387cADOEgsToPDskIXxu1p7hIayS6JlER99KQH Onde quero chegar? Sempre torci por Piquet e Senna, mas algo é fato: o fato de um piloto errar, não diminui em nada a genialidade dele na pista. O poder da televisão é tão grande, que muitos ainda pensam que Massa perdeu o título de 2008 por causa da batida de Nelsinho, mas se esquecem de alguns detalhes no meio do caminho: http://www.youtube.com/watch?v=KeTr_MSaLAo http://www.youtube.com/watch?v=FJdl9ly-69w Como vimos, é mais fácil criar um vilão do que assumir os próprios erros! Bendita informação!
Excelente a reflexão. Importante mesmo para quem gosta de ler as fontes de informação tão plurais e diversas disponíveis atualmente, mas sem ser “domado” por elas. Pensar como se manipula a informação é a alma de muita coisa, inclusive no esporte, na F1. Lembro de um dos seus ótimos posts, já antiguinho, sobre o áudio “ao vivo” das corridas, meticulosamente controlados. Essa informação mudou meu modo de ouvir tudinho ali!
Mas queria pegar uma carona nos anjos do comentário de Wagner. Suas imagens são meticulosamente construídas também, mas talvez sejam mais difíceis de decifrar. A estratégia-Tomita parece mais clara, não é?
Grata pelo post!
Josianne, as imagens mostram o lado b da história que a imprensa nacional não gosta de mostrar. Acontece que os pilotos brasileiros, foras de série, diga-se de passagem, são colocados em pedestais. Quando erram, foi esperteza, quando os outros erram, é mau caratismo, vigarice,… Repare que a manobra de Senna em 1985 parece com a manobra de Shumacher em Mônaco 2006 http://www.youtube.com/watch?v=OcRUM2w2CVY Vemos que o fato de um piloto errar, não desfaz as aulas de pilotagem que já nos proporcionaram. O que me intriga, é deixar barato os erros brasileiros e, condenar as estrangeiras. “O poderoso mundo da F1 contra os pobres coitados brasileiros!” Em época de fartura de informação, basta correr atrás das “boas fontes”.
Concordo, Wagner. Acho o nacionalismo, em toda parte, uma grande bobagem. Vira uma “lente” que informa tudo previamente e impede que se veja coisas diferentes. Em jornalismo, é um grande mal. Em algo competitivo como a F1, nacionalismo (ou patriotada barata) vira apelo emocional, manipula as coisas, deturpa tudo e deixa o público descrente, quando muito.
Queria ver uma boa análise da “beatificação” do Senna, uma bem franca… Quem sabe…?
Hehe, isso é uma trabalho para a “Super Ju”, rsrsrsrs. Viu, Ju, como sou seu amigo?
Uma bíblia ou um post? rsrs
Realmente vc acertou em cheio, eu achei a entrada do Alonso no twitter um dos grandes acontecimentos do ano. Pode até parecer superficial, mas tem-se a impressão que ele tem uma inteligência maior e mais diversificada do que pilotos como Button, Hamilton e Webber (pobre Massa então, parece ter desistido do twitter, porque Alonso dá um show).
Quanto ao Mansell, eu sou adepto da interpretação do Piquet, ou seja, o Leão era o idiota veloz (“I’m cruising guys”).
Já Piquet é desprezado pelos ingleses, talvez por ter batido em Mansell, mas talvez pela simples falta de carisma mesmo:
http://www.bbc.co.uk/sport/0/formula1/17871420
abraço
Carlos Del Valle
Podcast F1 Brasil
Imagens valem mais do que palavra.Para mim a imagem de Alonso sempre será essa do vídeo abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=CWJCGInsVUs&feature=related
Já estava me esquecendo de expreessar que o bom , se faz por sua própria essência,não carece de nenhuma propaganda ou marketing barato do tipo pega incautos.
Minha pergunta no post é justamente se essa essência é acessível, qualquer que seja o personagem, uma vez que a própria informação que você mesmo passa é controlável. Não acredito.
A essência de personagens como Alonso se mostra em pequenos , mas representativos atos.Como em 2010 quando ele não conseguiu passar Petrov em Abu Dabhi e ficou reclamando como se o Petrov tivesse obrigação de abrir caminho para ele como fez Felipe Massa que lhe entregou uma vitória na Alemanha nesse mesmo ano.É nos momentos de pressão e nos quais estão ameaçadas que as pessoas mostram sua verdadeira essência.É nesses momentos pude perceber que Alonso é um péssimo competidor.
quais são seus pilotos atuais favoritos?
Como piloto com certeza Alonso é um dos melhores atualmente, todavia o meio com que seus objetivos são conquistados para mim são de suma importância.E isto me impede de achar Alonso um piloto espetacular.
mas quais são seus pilotos atuais favoritos?
eu gosto da formula 1 porque ela é um campeonato de corrida de carro. nesse quesito, alonso parece ser há pelo menos oito anos o melhor. mas se fosse campeonato de bom mocismo, ou prêmio nobel da paz, eu escolheria outra pessoa mesmo.
Para criar uma cortina de fumaça sobre essa questão do caráter é que existem as assessorias de mídia. Elas é que usam o twitter, não ele. E No caso do Alonso elas fazem um trabalho muito bom, pois ele é a pior cria do Briatore. Pior que o Schumi.