F1 A vida loka da F-1 - Julianne Cerasoli Skip to content

A vida loka da F-1

Minha segunda casa por boa parte deste ano
Minha segunda casa por boa parte deste ano

“Então você está dizendo que mora no Brasil, mas tem um apartamento alugado em Barcelona e fica viajando de um lado para outro para trabalhar? Não faz sentido”, me dizia o policial da imigração na Espanha. Ele tem sua parcela de razão. A vida dos profissionais que trabalham na Fórmula 1 não faz muito sentido mesmo.

Tenho feito corridas in loco desde 2011, mas foi apenas a partir do ano passado que passei a estar presente em mais provas. Em 2015, foram oito e, neste ano, serão 16. E só agora entendo por que a própria F-1 é tão negativa com ela mesma. Afinal, pegar carona com o ‘circo’ gera um custo pessoal bastante grande e todos buscam uma compensação no trabalho que fazem. E nem sempre é isso que acontece.

Claro que é uma escolha e a grande maioria que está lá não se vê fazendo outra coisa da vida, ou trabalhando em um escritório esperando chegar a hora de ir embora na sexta-feira e odiando cada segunda. Quando ficamos na sala de imprensa até 22h esperando a confirmação do grid de largada do GP da Hungria e um colega reclamou no twitter, teve a sábia resposta: “O McDonald’s está contratando”. Fato. Mas existe também a noção de que o campeonato está ficando longo demais para que quem trabalha nele tenha uma relação saudável com o que escolheu fazer da vida.

No GP da Itália, circulou entre os jornalistas uma prévia do calendário do ano que vem. Desanimadora. Para começar, uma dobradinha entre Austrália e China, em cidades distantes em 8.000km. Mas pelo menos o fuso horário é de apenas duas horas. Mais adiante na temporada, pelo menos nesta primeira versão não oficial foi mantida a dobradinha improvável de Montreal-Baku, distantes em mais de 9.000km e com oito horas de diferença de fuso.

Era nesta história que queria chegar para dar a vocês uma noção de como é nosso trabalho. O primeiro desafio era encontrar um voo que me levasse de Barcelona a Montreal na quarta-feira e de Montreal a Baku em algum momento entre a segunda-feira seguinte e a quarta. Afinal, as atividades do final de semana começam na quinta-feira, com as entrevistas, e dificilmente conseguimos terminar o trabalho cedo o suficiente para voar ainda no domingo.

Decidi ir direto de Montreal a Baku, ficando no Canadá na segunda, o que acabei descobrindo ser um erro. Vários colegas quiseram ficar uma noite em casa e os japoneses, sempre aqueles que trabalham mais duro, voltaram a Tóquio, passaram algumas horas dormindo no aeroporto e seguiram para o Azerbaijão! Tudo por uma questão de gastos.

A cobertura do GP do Canadá já não tinha sido das mais fáceis. O fuso pesa bastante e um frio inesperado na quinta-feira deixou todo mundo meio ‘baleado’ nos dias seguintes. Sem saber direito o que me esperava, deixei Montreal na terça à tarde e segui para Baku, via Frankfurt. Para ajudar, houve um atraso no segundo voo e cheguei no meu destino perto da meia-noite. Pelo menos era o que o relógio dizia, pois meu corpo já tinha perdido as contas das horas há alguns dias.

A segunda adaptação ao fuso provou ser ainda mais complicada. Tinha sono às 18h, despertava completamente às 3h. Olhava ao redor e só via zumbis trabalhando. Se nós, jornalistas, aterrisamos quarta à noite, os mecânicos, que têm de montar e desmontar as garagens e os carros, que viajam ‘desmembrados’, chegam um dia antes e sempre ainda estão trabalhando quando finalizo meu trabalho no domingo, lá pelas 21h em um dia no qual tudo corre bem.

Na conexão de volta em Frankfurt, outro policial da imigração, duvidando que eu trabalhava na F-1, me pergunta quem tinha ganhado a corrida no domingo. Juro que meu cérebro não tinha condições de lembrar nem qual a última coisa que tinha comido. Curiosamente, fui salva por um nome improvável. A policial do lado me pergunta se eu conhecia Timo Glock. Isso mesmo! Digo que sim, que ele estava no meu voo porque comenta na TV alemã. Ela abriu um sorriso. E pude voltar para casa. Seja lá onde for.

18 Comments

  1. Fiquei pensando, Julianne, em uma boa resposta para o policial frankfurtiano ou barcelonês: ligue pra minha família no Brasil e encontrará gente estranhamente conectada com meus confusos fusos, 24h. por dia, seja lá de qual 24 ou de qual dia se está falando! Este é mais um lado do “circo”: o sempre distante/presente picadeiro das famílias. A gente aqui de longe, da família da “casa do Brasil”, não sabe explicar as incoerências de um calendário sem escala humana, mas compreende de longe/perto a apaixonante cobertura que nos chega aqui a cada post, a cada matéria, a cada fuso. Bons voos, Ju!

  2. Que delícia de texto você nos brinda, Ju. Como é complicada essa vida e ao mesmo tempo deve ser gratificante para quem faz o que ama.

    Isso não tem preço. Parabéns pela sua competência, excelente trabalho e dedicação! Você faz parte da minha lista de jornalistas especializados que fazem a diferença. Leio tudo que escreve porque é de primeiríssima qualidade. Eu sempre digo isso!

  3. Adoro seus textos e sempre quis viajar assistindo todos os GPS….até sonhei que um dia ganhei na Mega Sena e estava na Malásia assistindo o GP. Adorei sua reflexão

  4. Bom Dia, Jú
    Imagino que realmente deve ser complicado e hoje a grande diferença que noto é que como a Europa não é mais tão dominante em número de provas poderia ser mais setorizada por continentes as corridas. Sinceramente eu não entendo porque a prova no Canadá fica entre 2 provas na Europa, há alguma data especial, como a do GP de Monaco que tem que ser realizada na semana de comemorações da Saint Devot?
    Você está de parabéns pelo seu trabalho e material que vc produz.
    Um abraço

    • Acho que o Canadá é encaixado desta maneira mais pelo clima. Mas eles evitam agrupar muito as corridas por uma questão de venda de ingressos mesmo. No GP do Canadá sei que há muitos americanos, então não faria sentido do ponto de vista comercial fazer junto com EUA e México.

  5. Ju,

    Será que se você levar as credenciais de cobertura na F-1 não ajuda na hora de passar pela imigração? Pressuponho, obviamente, que as credenciais não são recolhidas ao final de cada evento….

    • Creio que ajudaria sim, mas nunca chegou nesse nível. É só uma pergunta ou outra para conferir se sua história bate.

  6. Parabéns por estar cada vez mais presentes nas corridas, que são sua paixão, e por nos brindar com excelentes posts. Você costuma escrever muito durante a espera nos aeroportos? Porque a residência européia em Barcelona?

    • Tento fazer tudo antes, mas às vezes sobram pendências para os aeroportos sim (inclusive escrevo agora esperando o voo para Cingapura). Cada ano escolho um lugar e desta vez foi Barcelona, por uma combinação custo de vida/ conexões do aeroporto/ língua. Aceito sugestões para 2017.

      • Pode ficar aqui em casa se quiser, haha, Brincadeira ^^

      • minha sugestão segue um gosto pessoal, não faço idéia do custo benefício mas sei que as línguas faladas ali sao principalmente alemão e francês: Basiléia , Suíça. É mais legal do que Zurique, como cidade — o rio Reno corta a cidade e seus cidadãos nadam nele no verão, utilizando uma sacola impermeável (pra guardar as roupas) que também funciona como bóia, e que virou um produto típico da cidade. Alem do que tem museus de arte muito bons, com coleções espetaculares principalmente de arte ocidental.

        e aqui uma indicação bem humorada mas que poderá talvez ser util a alguma das viagens : http://www.sleepinginairports.net/

        bom trabalho boas viagens felicidades nessa odisséia.

  7. O que eu acho uma pena nesta vida que vc leva é não ter tempo para conhecer os lugares por onde a F1 passa. Afinal com diarias de hotel e tempo cerrados o trajeto é sempre: aeroporto-hotel-autodromo-hotel- aeroporto. Eu acho que a F1 precisa de uma revolução em relação ao seu calendario. Deveriam entrar mais paises como os paises da Escandinávia, America Latina, Africa do Sul, Asia e mesmo Europa do Leste entre outros. Voltar outros tradicionais que já tiveram GP como França, Holanda e Portugal. Mas em um esquema de revezamento à cada dois anos. Por exemplo. ter um ano em Spa e outro na Holanda. Um ano no Brasil e outro na Argentina. Espanha/Portugal. EUA/Canada. China/Japão. E por ai vai. Teriam menos corridas por ano (máximo 16 ou 17) mas em dois anos a F1 poderia visitar um pouco mais de 30 paises. E acredito que até mesmo os organizadores de cada pais sairiam contentes nesta situação pois teriam menos custos e uma perpectiva de venda de bilhetes melhor.

  8. Se quiser eu te mando minha versão do meu calendário fictício muito mais bem organizado do que o da Fom. Tenho ele pronto até 2018, sugere pro pessoal do Liberty, rs.

    Eu sei que você entende essas obssessões, rs.

    • Mas fazendo um exercício de empatia, posso imaginar como é o cansaço. O fato de eu estar numa relação que considerava abusiva e pouco saudável com meu emprego anterior me fez sair e eu adorava redação.

      Mas é muito mais fácil sofrer em Barcelona e seguindo a F-1 do que em Vitória sem ter hora pra sair do plantão, rs.

  9. Boa sorte na sua vida Ju. Seu trabalho é excelente e estamos sempre acompanhando. Sentindo falta dos posts onde uma corrida é analisa sob várias narrações diferentes. Agor tudo se explica, rs.

  10. São muito legais estes seus relatos, Julianne, especialmente no caso da turma que te acompanha desde o Faster F1! Sinal que você tem conquistado o que pretendia desde aquela época!

    Agora, a situação de vocês jornalistas que cobrem “in loco” a F1 e dos mecânicos é parecida com a situação padrão de bandas que têm que excursionar muito para sobreviver, especialmente as de “médio” ou “pequeno” escalão, e até bem pouco tempo atrás, mesmo as maiores bandas: o glamour é só em cima do palco. Antes e depois, é uma sucessão de hotéis e kilômetros rodados ou voados que sugam as energias da turma. As biografias e relatos que já li/escutei/assisti são bem na linha desse seu post…

    Espero que você encontre o equilíbrio e mantenha esta relação saudável que você citou no texto. E que aproveite ao máximo essa fase da vida, já que a gente tem prioridades que podem mudar de acordo com a época…

  11. Ico já contou a odisseia que foi sair do Japão e chegar à Rússia em 2014, ainda mais com o acidente que vitimou Bianchi e do tufão Phanphone. Às vezes duvido da inteligência desses caras em questões de logística. Temendo perder com a venda de ingressos, esses caras colocam duas semanas de diferença entre os GPs de Cingapura e da Malásia, cidades distantes de pouco mais de 300 kms.


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