F1 sobrevive sem os circuitos clássicos? - Julianne Cerasoli Skip to content

Blog Takeover: A F1 sobrevive sem os circuitos clássicos?  

O legal da Fórmula 1 é que há temas relevantes e peças se mexendo em todos os cantos, da parte técnica a aspectos ligados ao negócio. A Sara Neves escolheu um tema muito interessante e que vai dar muito o que falar: qual é o limite do calendário da F1 e até que ponto ele pode ser expandido para os ‘destination GPs’ que a Liberty Media (e as equipes também, já que é algo que lhes traz muito dinheiro) tanto gosta?

Por Sara Neves

No início de Outubro, o circuito Spa-Francochamps anunciou que tinha conseguido negociar o  prolongamento do contrato com a Fórmula 1 por mais um ano. Isto significa que o icónico  circuito belga irá permanecer no calendário da Fórmula 1 até 2025.  

Ao contrário do que pode parecer, esta renegociação não cai do céu, encaixa-se num padrão  que ao longo do tempo tem mostrado reflectir uma escolha estratégica da Fórmula 1. Tal como  Spa-Francochamps as restantes corridas na Europa, com a exceção da Áustria e Hungria, têm  actualmente contratos até 2024 ou 2025.  

Esta data não surge por acaso, mas coincide com o período em que o Acordo Concorde irá ser  renegociado entre as equipas e a Fórmula 1. Uma das coisas que este acordo estabelece é o  número máximo de corridas que cada temporada do campeonato pode ter a partir de 2026. 

Fator humano x receita

Se considerarmos as preocupações que os pilotos e as equipas têm levantado nas últimas  semanas quanto à sustentabilidade do atual calendário, que apenas teve 22 corridas, não é descabido assumir que um dos objetivos das equipas é reduzir o limite de 24 corridas para um  número bastante inferior.  

No entanto, isso vai criar um dilema para a Fórmula 1, uma vez que a sua receita é gerada  através de três fontes intimamente ligadas ao número de corridas realizadas, o race promotion  fee, o media rights fee e o sponsor fee. Estas três fontes representaram mais de 80% das receitas  em 2022 e cresceram em parte devido ao aumento de corridas e de fãs a assistir às mesmas. Se  tudo se mantiver igual, menos corridas irá significar um decréscimo das receitas.  

Assim sendo, na eventualidade do novo Acordo Concorde realmente diminuir o número de  corridas, a Fórmula 1 vai ter que arranjar forma de manter os resultados financeiros positivos  que tem vindo a apresentar aos acionistas. A forma mais fácil de fazer isso é aumentar os  valores cobrados aos promotores das corridas.  

Isto é algo que a Fórmula 1 já tem vindo a fazer, justificando-o com o recente boom de  popularidade do desporto. Mas quem é que tem os meios financeiros para pagar os valores  exorbitantes que alegadamente estão a ser pedidos pela Fórmula 1? Não serão, com certeza, os  circuitos clássicos que se encontram na sua maioria na Europa. 

Valor histórico x receita

Mesmo com o apoio dos governos locais é difícil justificar a utilização de fundos públicos na  ordem várias dezenas de milhões por ano para a organização de um evento desportivo de nicho.  Isso faz com que os únicos promotores capazes de desembolsar tais valores sejam circuitos em  países com recursos financeiros quase ilimitados, mas sem tradição de Fórmula 1.  

O problema desta abordagem é que não reconhece que os circuitos têm um valor, histórico,  cultural e até emocional para os pilotos, para as equipas e para os fãs. Vencer em Mónaco,  Monza ou Silverstone significava algo para além da taça que os pilotos recebem no final da  corrida. Não é por acaso que os pilotos têm-se manifestado cada vez mais sobre o desejo de  manter os “circuitos clássicos” no calendário.

O mesmo sentimento é partilhado pelos fãs. Em  2021 a Fórmula 1 fez um inquérito aos fãs com a ajuda da Motorsport Network e a Nielsen.  Uma das conclusões do inquérito foi que as corridas em Monza, Mónaco, Silverstone e Spa  são consideradas “intocáveis” pelos fãs de todas as idades.  

Outro factor importante que também não é tido em conta é a qualidade da corrida que os  circuitos produzem. Em anos de competição renhida, como foi o caso em 2021, ter circuitos  mais fracos não têm tanto impacto para o nível geral de entretenimento. Mas no caso de  dominancia clara de uma das equipas, ter circuitos novos que por definição não apresentam  tantos desafios ou momentos de entretenimento como ultrapassagens, levam à percepção de  que as corridas são chatas.  

É óbvio que a Fórmula 1 deve permanecer financeiramente sólida, deve explorar novos  mercados e estabelecer novas parcerias. Todos nós ganhamos com isso. No entanto, tem que  existir um equilíbrio entre a essência e a história do desporto – que foi o que levou as pessoas  a apaixonarem-se pela Fórmula Um – e a estratégia de expansão adoptada pela detentora dos  direitos comerciais.  

Um calendário rotativo?

Uma ideia que tem vindo a ser discutida para encontrar esse equilíbrio é criar um esquema rotativo para as corridas europeias. O que me parece um plano um pouco contraintuitivo. Se  existem corridas com o estatuto de favoritas inquestionáveis não faria mais sentido manter  esses circuitos como os pilares do calendário? As corridas em circuitos novos são  oportunidades de expansão para o desporto, mas não têm a popularidade ou o track record para  serem substitutos. Muito menos, para terem um lugar garantido durante 10 anos, como é alegadamente o caso de Las Vegas. 

Isso seria como o McDonalds dizer: vamos tirar o Big Mac do menu a cada dois anos para dar  lugar ao hambúrguer “sabor do ano”. Claro que ao ser uma novidade irá chamar a atenção das  pessoas e o McDonalds até pode praticar um preço superior pelo hamburger. Mas será que é a  razão pela qual as pessoas vão ao McDonalds mais do que uma vez? Será que é o produto que  ajuda a empresa a manter a sua cota de mercado e as vendas ao longo de décadas?  

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Apesar de não haver um comunicado oficial sobre este assunto, os contratos de curta duração  deste circuitos clássicos sugerem que é mais do que conversas de paddock. A pergunta que se  irá seguir é, será que os fãs irão ser receptivos à mudança?  

Honestamente, não sei. Mas a retenção de fãs será sem dúvida alguma um indicador crítico de  performance após a introdução de um esquema destes. Se houver um declínio significativo das  audiências globais e das vendas de bilhetes, a Fórmula 1 não só não conseguiu manter a  tendência de crescimento, como inadvertidamente deu um tiro no pé. Pois os contratos de  direitos de transmissão, organização de corrida e patrocínio que iram ser negociados daí em  diante serão sem dúvida de valores muitíssimo inferiores. 

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