A Amanda Kassis é jornalista científica, e costuma escrever sobre Astronomia, mas mudou um pouco de área para abordar algo muito importante (e que tem a F1 de pano de fundo neste texto, mas vai muito além dela). Afinal, onde será que foi parar a boa prática de se colocar no lugar do outro? Ou de entender que a gente não vai para lugar algum se só se cercar das mesmas opiniões que as suas e despejar ódio em quem pensa diferente?
Fórmula 1 nos Trends: O hate contra pilotos e fãs nas redes sociais
Por Amanda Kassis (@amanda_2626)
A 72ª temporada do Campeonato Mundial de Fórmula 1 começou com a hegemonia prevista da Mercedes, mas não demorou para se transformar em uma batalha disputada ponto a ponto, o que enfatizou a polarização a torcida e, a cada nova polêmica dentro e fora dos carros, aumentou ainda mais as tensões entre ambos os lados que se confrontavam nas redes sociais.
Era apenas a segunda vez na história que um campeonato chegava empatado à etapa final. A primeira foi em 1974, na disputa entre Emerson Fittipaldi e Clay Regazzoni, que teve o brasileiro como vitorioso. Desta vez, Max Verstappen tinha a vantagem de uma vitória a mais, portanto um DNF de Lewis Hamilton seria suficiente para levar o holandês garantir o mundial, enquanto o britânico precisava chegar à frente do carro 33, continuando o momentum que havia encontrado, em Interlagos, há menos de um mês.
Ex-pilotos, jornalistas e comentaristas do esporte, e os fãs se dividiam nas apostas de quem seria vitorioso. Enquanto nas redes sociais, os nomes dos dois concorrentes ao título não saíam dos trends, até quem não acompanhava o esporte parecia interessado no assunto após os acontecimentos no GP brasileiro darem o que falar. Cada lado apresentava argumentos, nomeava as conquistas ao longo da temporada e tudo o que achava necessário para defender qual dos dois pilotos merecia mais ser campeão. Em meio a tudo isso, as ofensas e os ataques tiravam a situação do controle. Não era incomum ver usuários, principalmente administradores de perfis dedicados aos pilotos, dizendo que precisavam se afastar das discussões para priorizar a saúde mental deles.
A gota d’água ocorreu por causa do efeito dominó desencadeado pela batida de Nicholas Latifi após toque em Mick Schumacher a cinco voltas do final que, até aquele momento, garantia a vitória de Hamilton. O que era para ser um passeio para o carro 44, com seus mais de 12 segundos de vantagem sobre o holandês, se transformou na perda do inédito oitavo título na Fórmula 1.
Para muitos, principalmente os fãs do britânico, a temporada que pela primeira vez tinha mais drama do que a versão narrada pela série Drive to Survive e prometia um final épico, terminou em algo mais revoltante do que o episódio final de Game of Thrones. As consequências do resultado foram imediatas e não foi apenas o diretor de prova Michael Masi que foi criticado: a culpa também recaiu sobre o piloto da Williams.
No julgamento da internet, Latifi tinha culpa de querer disputar uma posição que não valia pontos e que, ironicamente, não mudaria em nada o campeonato. Outros até o acusavam de fazer parte de um plano desesperado da equipe Red Bull. Em seguida, o piloto acabou se desculpando em entrevistas por, de certa forma, ter influenciado o resultado polêmico, e desapareceu das redes sociais. O seu silêncio foi quebrado por meio de uma carta que divulgou em seus perfis mais de uma semana após o GP de Abu Dhabi.
A carta destaca os ataques que Latifi recebeu em suas redes sociais, incluindo ameaças de morte. Em um trecho, ele diz que decidiu compartilhar o que pensa “na esperança de que talvez isso inicie mais uma conversa sobre bullying online e as consequências drásticas que isso pode causar nas pessoas.” Ainda, afirma que “a natureza do esporte é competitiva, mas isso deveria unir as pessoas ao invés de separá-las”. O desabafo do piloto recebeu apoio de muitos fãs e também foi
compartilhado pelos perfis de outras equipes pedindo fim ao discurso de ódio na comunidade.
Entretanto, não é a primeira vez nos deparamos com uma situação assim em meio aos fãs da Fórmula 1. Somente nos últimos meses, tivemos diversas ocasiões que levaram, por exemplo, a Hamilton pedir via stories por mais amor e respeito entre as torcidas. Também, houve a preocupação acerca da segurança do GP da Holanda após uma movimentação nas redes sociais de pessoas que planejavam jogar tomates no piloto britânico.
Outro piloto que sofreu ataques ao longo de todo o ano foi o companheiro de equipe de Hamilton, Valtteri Bottas, constantemente criticado por sua performance inconsistente na temporada. O finlandês que terminou o campeonato em terceiro lugar, posição garantida ao final do eletrizante GP da Arábia Saudita, foi duas vezes vice-campeão mundial (2019 e 2020) e obteve resultados muito bons, que são diminuídos quando comparados aos números do britânico. Em todas as temporadas que correu pela Mercedes, Bottas foi fundamental para garantir o Campeonato dos Construtores, aquele que efetivamente dá dinheiro às equipes, além de ter conquistado no período 10 vitórias, e 58 dos seus 67 pódios – colocando-o em 9º lugar entre os pilotos com maior número de pódios de todos os tempos.
A situação de hate online piorou após a desastrosa largada do GP da Hungria, quando o carro 77 fez um strike, atingindo Lando Norris que, consequentemente, bateu em Verstappen – quem, por sua vez, terminou em 9º lugar por causa dos danos ao seu carro. Também, Bottas tirou da disputa a outra Red Bull, dirigida por Sérgio Perez. Popularmente chamado de escudeiro de Hamilton, não demorou para uma chuva de comentários aparecerem em seus perfis oficiais, acusando-o de ter sacrificado a própria corrida para eliminar a concorrência e ajudar Hamilton a garantir mais um campeonato, o que parecia cada vez mais distante àquela altura.
No entanto, um mês depois, tudo mudou com o anúncio da sua saída para a Alfa Romeo, sendo substituído por George Russell. Talvez por não estar mais pressionado pelas indecisões sobre o seu futuro, o finlandês começou a apresentar uma performance melhor, vencendo o GP da Turquia, e mostrando resultados quando a equipe precisava dele. Isso, somado à estratégia da Mercedes de mostrar mais de Bottas para o público, principalmente no Tik Tok, – ganhando o apelido de rei da plataforma – resultou no piloto sendo mais bem visto no meio virtual. Agora, os fãs
desejam um bom carro para ele no ano que vem e, surpreendentemente, há aqueles que querem o retorno de Bottinhas à equipe alemã.
Agora, a vítima dos ataques virtuais parece ser o britânico Russell. Após três anos na Williams batalhando para conseguir os seus primeiros pontos pela equipe e até garantindo um pódio na não-corrida de Spa, a sua mudança para a Mercedes não está mais sendo tão comemorada. O principal argumento é de que ele não desafiará Hamilton, servindo apenas como escudeiro – da mesma maneira como os fãs enxergavam Bottas.
Para os haters do hepta campeão, essa seria a maneira da equipe impedir que seja revelado que a performance de Hamilton não é tão boa quanto parece e que o carro faz todo o trabalho por ele. É como se eles se esquecessem que o carro não se dirige sozinho e os verdadeiros protagonistas do mundial são os pilotos. Não há motor potente o suficiente que possa esconder a mediocridade de algum deles. E, infelizmente, parece que os feitos alcançados por Lewis Hamilton só serão reconhecidos quando anunciar a sua futura aposentadoria.
Com o fim de um campeonato que ficou marcado pela polarização da torcida, decisões contraditórias da direção de prova e seu grand finale decidido na última volta, o que devemos levar desta temporada para a próxima? Será que a FIA ou as equipes têm intenção de promover alguma campanha para criar um ambiente menos tóxico nas suas redes sociais? Afinal, até agora, parece que We Race as One é apenas um slogan em uma camiseta.
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