Como acertar a estratégia na F1 - Julianne Cerasoli Skip to content

Como acertar a estratégia na F1

O regulamento mudou para facilitar as ultrapassagens e teve sucesso. Mas ainda assim várias corridas foram decididas pela estratégia na F1. Ou foram ganhas no box, como muita gente fala. Depois da bandeirada, é muito fácil apontar o dedo para uma escolha que se mostrou equivocada. Mas como as equipes decidem quando trocar os pneus e qual composto colocar? Quem decide isso? Por que às vezes é difícil acertar?

Para começar, vou relembrar alguns termos importantes nessa conversa.

Stint: quantidade de voltas nas quais um mesmo jogo de pneus é usado.

Undercut: quando um piloto antecipa sua parada em relação ao rival e usa a aderência superior do pneu novo para ganhar tempo. Assim, quando o rival faz seu pitstop, acaba voltando atrás.

Overcut: quando um piloto fica na pista mesmo depois que o rival que vai à frente para. A tentativa é usar o ar limpo para andar mais rápido e voltar na frente quando fizer a parada. Tem sido mais comum quando há dificuldade para aquecer os pneus. E quanto mais duro o pneu, mais temperatura ele precisa pra funcionar bem.

Offset: o número de voltas que o piloto que faz o overcut consegue andar. Ele cria um tyre offset, ou seja, uma diferença na vida do pneu em relação a seu rival.

Janela de Safety Car: Cálculo de tempo entre um piloto e outro, significando que, se houver um SC ou um VSC, é possível parar e ainda voltar à frente. Esse tempo é geralmente cerca de 10s a menos do que a perda de tempo de um pit stop normal.

Pitstop loss: É importante lembrar que o tempo que é perdido em um pitstop nem sempre é o tempo que aparece na tela. O cronômetro conta desde a entrada até o final do pitlane, quando o piloto pode voltar a acelerar. Porém, dependendo do desenho do circuito, ele pode fazer um caminho maior ou menor, como cortar uma curva para entrar no pitlane, por exemplo.

Como funcionam as regras da estratégia na F1:

As equipes têm liberdade para selecionar o número de jogos de pneu de cada composto que levarão à corrida, e isso pode gerar diferenças no domingo. Cada piloto sempre terá 6 jogos para a classificação e a corrida, e geralmente usará pelo menos três jogos de macios na classificação.

Então quando a gente fala do pessoal lá da frente, que foi até o final da classificação, eles geralmente vão ter um jogo novo de duros , por exemplo, e dois médios. 

Lembrando que esses jogos podem estar usados (os macios com certeza estarão). Um pneu usado não quer dizer que o piloto não pode usar, porque é feita uma raspagem e ele fica, digamos, recauchutado. Mas a vida útil não será exatamente a mesma.

Quem cuida da estratégia na F1?

É muito comum vermos fãs pedindo a cabeça do chefe da equipe quando acontece algum erro de estratégia. Outro que muitas vezes é culpado é o engenheiro de pista, aquele que fala para o piloto. Mas a palavra final sobre a estratégia não cabe a nenhum deles.

As equipes têm um time de estratégia, que pode ser só uma pessoa no caso de uma Haas da vida. Ou podem ser cinco, seis pessoas como no caso de uma Mercedes, por exemplo. Essa equipe de estratégia tem um líder, que geralmente está no pitwall da equipe. E o restante costuma ficar na fábrica, recebendo todos os dados em tempo real e ajudando na tomada de decisões.

Vimos como isso funciona na prática neste vídeo aqui sobre como Lewis Hamilton venceu o GP da Espanha de 2021

Como as equipes preparam os planos de estratégia na F1

Primeiro eles determinam se a pista é daquelas em que a posição de pista é soberana (como Mônaco e Singapura). Ou se pode valer a pena parar mais vezes e adotar um ritmo mais veloz, pois é possível ultrapassar.

Nas simulações, eles sabem qual a diferença de que precisam para ultrapassar em cada um dos circuitos. Às vezes é preciso uma diferença de 8 décimos por exemplo. Em outras, é preciso 1s2 ou até mais. Parte disso vem com o DRS, e parte com diferenças de pneus e, é claro, de performance geral do carro.

AQUI TEM TUDO SOBRE COMO ACOMPANHAR OS TREINOS LIVRES

Eles estudam o asfalto e sua interação com os pneus escolhidos, e o que aconteceu nos anos anteriores. Mas como o que vale é o aqui e agora, os treinos livres são muito importantes para determinar como os pneus vão se comportar.

É por isso que, depois que o carro está razoavelmente acertado, eles fazem simulações de corrida no final do segundo treino livre. O ideal é que cada piloto teste um composto de pneu. E isso volta a acontecer no FP3 principalmente se mudanças importantes foram feitas no acerto.

A melhor estratégia de cara para o vento x realidade

Com esses dados, o próximo passo é fazer um modelo do que é a corrida mais rápida para o seu carro, sem pensar nos outros. E só depois começa o estudo da interação com os demais carros. E se eu ficar preso no trânsito? O que meus rivais costumam fazer? 

A terceira fase é só no dia da corrida, pois as condições climáticas podem fazer os planos mudarem. Durante a prova, é uma questão de reagir ao que efetivamente acontece.

Então um erro de estratégia pode vir de uma reação errada a algo que mudou no meio do caminho. Ou pode ser uma falha na coleta e interpretação das informações prévias. E são muitos dados a serem cruzados.

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Duvida? Os estrategistas dizem que 98% das coisas que acontecem na pista já foram previstas nos modelos de estratégia. Então, se o piloto tem um pneu furado na primeira volta, eles já sabem qual vão colocar. Se houver um SC, sabem se vão parar ou não (isso no começo da corrida). 

“Cada vez que o carro cruza a linha de entrada dos boxes, você tomou uma decisão. Inclusive, não fazer nada também é uma decisão”.

Ruth Buscombe, chefe de estratégia da Alfa Romeo.

Só existe uma estratégia correta?

Não. Sempre vai depender de onde você está no pelotão, o que funciona para seu carro, quem são os rivais ao redor. Na frente, você tem que pensar no jeito mais rápido de terminar a corrida.

Mais atrás, tem que calcular trânsito e bandeiras azuis, que afetam muito as corridas dos retardatários porque o pneu perde temperatura. No fim do pelotão, também, corre-se mais risco. Porque a relação risco/recompensa é mais tentadora.

Como decidir com que pneus largar na estratégia da F1?

Essa tem sido uma decisão mais complicada nessa temporada porque acabou aquela história de largar com o pneu da melhor volta do Q2. Não saber com qual pneu o rival vai largar criou uma camada a mais de preocupação para os estrategistas. E tornou mais importante ainda reagir a coisas que você só vai ver que estão acontecendo na corrida.

Escolher o pneu da largada vai depender da posição que o piloto está, da pista (se dá para ultrapassar mais fácil, se tem muitos metros até a primeira curva). E, é claro, do rendimento que os pneus mostraram dos treinos livres.

Então se for fácil ultrapassar na largada, você tem um motivo a menos para largar com os médios ou duros se estiver entre os primeiros, pois terá menos aderência nos primeiros metros. De nada vale ter uma estratégia que, no papel, é mais rápida, se perder posições na largada.

Mas, se largar com o pneu macio significa fazer uma parada a mais ou ter que andar muito lento para preservar o pneu, aí vale a pena correr o risco de largar mal.

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E se você está largando fora de posição porque teve uma classificação ruim ou levou uma punição por troca de motor por exemplo, vale a pena largar com o composto duro e mais para frente eu explico o porquê.

Como definir o número de paradas na estratégia da F1

Os treinos livres de sexta-feira mostram os padrões de degradação dos três compostos. Com isso, os times conseguem prever por quantas voltas ficar com cada jogo e com qual combinação de compostos é mais rápido terminar a corrida, contabilizando também a perda de tempo no pitstop.

Mas essa conta define somente o que é melhor para um carro sozinho na pista e, muitas vezes, fazer duas paradas pode ser benéfico no papel. Contudo, se for difícil ultrapassar, isso vai significar ficar preso atrás de quem está fazendo uma parada. O mesmo vale quando a diferença é entre 2 ou 3 paradas.

Não que as equipes sempre larguem sabendo o número de paradas. Como os pneus Pirelli são muito sensíveis à temperatura, pequenas alterações da sexta-feira para o domingo já podem mudar completamente o cenário para os estrategistas. E um pneu pode ter mais ou menos degradação, graining, etc, ou pode simplesmente não chegar na temperatura ideal.

Neste tipo de cenário mais aberto, os estrategistas estarão sempre de olho em pilotos que estão em táticas diferentes – por exemplo, quem largou do fundo do pelotão com os duros – para determinar não só o número de paradas, como principalmente o próximo item.

Como escolher o composto na estratégia da F1

Pelas regras da F1, é preciso usar dois tipos de composto na corrida. Nos treinos de sexta-feira, as equipes conseguem ter uma boa ideia de quais serão usados: na maioria dos casos, o duro fica de lado.

Mas, se o macio não aguentar muitas voltas, ele entra em ação e as equipes acertam seus carros com base nisso, sempre tentando prever como a pista vai estar no domingo (em termos de temperatura e emborrachamento).

Essa é a parte que não cabe ao estrategista, mas sim aos engenheiros. Mas a estratégia também entra  porque, se você souber que vai fazer muito calor no domingo, guarda pneus duros (lembrando que sempre são apenas dois por piloto). 

No caso de dúvida tanto do número de paradas, quanto dos compostos, o melhor é sempre deixar a estratégia em aberto. Ou seja, não repetir, no segundo stint, o mesmo composto do primeiro, pois isso implica que haverá uma segunda parada.

Como escolher a hora da parada e o composto de pneu?

Você tem seu modelo de estratégia, tem as informações vindas do engenheiro de estratégia de cada piloto baseado na situação de corrida dele, tem o engenheiro de pneu falando sobre a condição real daquele momento, o rádio dos engenheiros dos outros times e o feedback do piloto. Juntando tudo isso, decide parar ou não.

É por isso que eu insisto na tecla de que estratégia errada geralmente significa que tem informação errada rolando nessa cadeia. Por isso não é justo apontar o dedo para uma pessoa.

Temos alguns cenários aqui. Se você tem pista livre e sabe que vai fazer duas paradas, por exemplo, você força o ritmo e obriga o rival a fazer o mesmo. Ou pelo menos vai criar uma dúvida enorme na outra equipe se esse é seu ritmo mesmo ou se vai parar mais vezes.

Undercut ou overcut?

Se você é o carro que está atrás, principalmente agora que dá para seguir o rival mais de perto sem sofrer tanto superaquecimento, tenta ficar próximo e, quando abre um espaço no pelotão, você para e busca o undercut. Ou, se tem pneu sobrando, blefa fingindo que vai parar e continua para tentar o overcut. 

O importante é que esse undercut só vai funcionar se você não pegar trânsito na volta de saída dos boxes. Então é preciso ver se há espaço, e quem acompanha as corridas com o live timing pode ver. Você pega o tempo de perda do pit stop, que costuma aparecer na tela na transmissão, e vê se o piloto X voltaria no trânsito ou não. 

É tanta opção que eu ficaria até amanhã tentando prever todos os cenários. Algo importante é sempre lembrar que, quando se tem uma pista que permite ultrapassagem, muitas vezes as equipes estão pensando na condição de pneu no fim da prova, e não naquele momento. Então o rival vai ao box, o outro fica na pista, perde tempo e volta atrás. Mas na verdade ele está criando um tyre offset para ultrapassar o rival nas voltas finais.

Quando temos um número diferente de paradas entre dois rivais, é porque uma equipe está acreditando que o trânsito vai ter um efeito muito negativo e a outra (que escolheu parar mais vezes), não.

Pode ser, por exemplo, que essa equipe que quer parar mais vezes tenha um carro mais veloz de reta. Até porque é importante lembrar que a estratégia tem que ser boa para o seu conjunto. E isso vai ser determinado pelos modelos de estratégia feitos lá nos treinos livres.

Largando fora de posição

Se um carro está pagando punição ou se classificou mal, o mais comum é colocar um pneu duro e ir aguentando até que todo mundo na frente dele vai parando. Com pista livre, ele exerce o ritmo dele (que vai ser muito melhor porque aqueles não são seus rivais). E, quando ele para, aparece lá na frente brigando com os seus rivais de verdade. 

O pior cenário, é claro, é quando são companheiros de equipe estão disputando posição. Cada equipe tem uma abordagem diferente para isso. Há quem sempre adota estratégias diferentes. Quem privilegia quem está na frente. Ou quem dê a chance do piloto mais rápido atacar um rival e inverter novamente caso não funcione.

E o pior cenário é sair um SC e você ter seus dois pilotos juntos ou com menos de 5, 6s entre eles. Isso porque um vai esperar a parada do outro e a equipe perde pontos por causa disso.

De olho no Safety Car

Palavra final da estratégia na F1 vem do pitwall

Falando em SC, quando ele acontece na parte final da corrida, pode ter certeza que tem estrategista de cabelo em pé. E não é por acaso que corrida que tem SC no final costuma pegar fogo. Este e a largada são apontados pelos estrategistas como os momentos de maior tensão para eles.

A largada, claro, pode acabar com todos os planos otimizados de estratégia. Você pode fazer várias simulações, mas se perde 5 posições na primeira curva, tem que refazer tudo. E o segundo pior momento é justamente um SC no finalzinho porque você não sabe o que os rivais vão fazer.

Aí é um tal de ouvir o que os engenheiros estão falando com os pilotos rivais (o que é permitido fazer) para tentar juntar tudo e tomar uma decisão. Mas às vezes seu piloto está perto do pitlane e a decisão tem de ser muito rápida.

Um dos dados aos quais os estrategistas ficam de olho é na taxa de probabilidade de Safety Car de cada pista. Em Singapura, por exemplo, ela é de 100%, pois nunca uma corrida passou em branco por lá. Isso faz com as táticas fiquem mais abertas, embora nunca seja possível saber quando o SC vai sair.

É claro que dá para saber quando é mais provável que o SC apareça. Em pistas mais travadas, é nas primeiras voltas, Quando a avaliação prévia é saber se seria possível colocar o composto mais duro disponível e ir até o final, por exemplo. Em outras, é quando os pneus começam a se degradar, os carros ficam mais difíceis de pilotar e carros se encontram na pista em estratégias diferentes.

E quando o piloto quer definir a estratégia na F1?

Por último, mas não menos importante, os pilotos. Eles se reúnem com os estrategistas e seus engenheiros antes da corrida e são colocados a par de todos os cenários.

Então, quando os engenheiros falam em plano A, plano B, ou target minus 5 (ou seja, a volta em que eles tinham decidido parar menos 5) é com base nessa reunião de domingo. E isso é feito em código porque eles sabem que todos estão ouvindo.

Na maioria das vezes, o piloto depende tanto do engenheiro, mesmo que eles queiram se rebelar. Não é por falta de talento deles, mas sim porque o engenheiro hoje tem muito mais informação do que antigamente. Dos traços de GPS, para determinar onde estão os demais carros, à temperatura dos pneus. 

É claro que a sensação do piloto com os pneus tem que ser levada em consideração. Principalmente naqueles casos de muita diferença de temperatura entre a sexta e o domingo, pois os dados das equipes tendem a ficar menos precisos.

Isso aumenta quando chove, para determinar aquele momento que se chama crossover (quando trocar dos wet para os intermediários ou dos inters para os pneus de pista seca). Este texto da Williams explica muito bem todo esse processo.

Mas, no geral, os engenheiros, alimentados pelos estrategistas, têm a imagem do todo e os pilotos sabem disso. Sabem, também, que sua melhor chance é confiar neles.

6 Comments

  1. Texto sensacional, super explicativo e detalhado e, ainda assim, claro e de fácil entendimento! O trabalho da Ju é o melhor hoje no jornalismo automobilístico. 👏🏼👏🏼👏🏼

  2. Cada vez mais eu fico impressionado com os artigos da Julianne. Não somente impressionado, mas como virei fã. É sensacional, muito bem embasado e estudado. Está de parabéns!


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