A câmera de capacete na F1 mostra com o maior nível de realidade possível o que é pilotar um carro da categoria. Depois de anos de testes, ela foi colocada no capacete de Fernando Alonso durante os treinos livres do GP da Bélgica de 2021. É uma câmera de alta definição de apenas oito milímetros. Que tem a capacidade de transmitir ao vivo o que o espanhol via desde dentro do cockpit.
É bem verdade que não era a primeira vez que um piloto usava uma câmera no capacete. O piloto inglês Mark Blundell foi o primeiro a experimentar a novidade em 1994. E houve outras tentativas no GP do Brasil de 2008, depois 2012 e 2013. Mas nada com a definição e clareza da tecnologia usada pela F1 hoje. E que está presente, por regulamento, em todos os capacetes a partir da temporada 2023.
Isso só será possível porque a tecnologia desenvolvida pela Zeronoise, ligada à fabricante de capacetes Bell, agora disponível para as demais marcas. E esse, inclusive, é um ingrediente curioso da história. No começo, nem todos os pilotos gostaram da ideia de ter uma câmera mostrando o volante. Não queriam entregar segredos para os adversários.
Pilotos foram ‘seduzidos’ por mais tempo na TV com câmera de capacete
Que o diga Lewis Hamilton. Ele vetou a novidade em 2021 depois que soube que seu rival Max Verstappen não teria a câmera. Isso porque, enquanto Hamilton usa capacetes Bell, assim como a maior parte do grid, o holandês é cliente da Schuberth.
Atualmente, quatro fabricantes de capacete são usados na Fórmula 1: Bell, Schuberth, Stilo e Arai. Leclerc, Zhou, Ocon, Norris, Hamilton, Gasly, Russell, Magnussen, Piastri, Sargeant e Alonso usam Bell. Portanto, tinham a câmera à disposição antes dela se tornar compulsória, no início de 2023.
Porém, enquanto Hamilton não quis entregar informações de bandeja para o rival, outros aproveitaram a chance para ter mais tempo de cobertura. Não é por acaso que Alonso testou a novidade primeiro, e logo Lando Norris quis a oportunidade.
Até porque, desde a primeira aparição da câmera, ficou claro que ela seria um hit entre os fãs. Nada mais justo para uma tecnologia que já era usada em outras categorias, mas que demorou anos para chegar à F1.
Foram dois os motivos. Primeiro, as câmeras teriam que passar pelos testes de segurança da FIA. E isso não seria possível com o modelo adotado pela Indy nos Estados Unidos, por exemplo. Segundo, quando isso aconteceu e a câmera passou a ser usada na Fórmula E, a qualidade da imagem deixava a desejar.
Quais os desafios da câmera de capacete na F1
A tecnologia implementada na Fórmula E no início de 2020 é a mesma da F1. Trata-se de uma câmera de 1,5 gramas (que tinha 2,5g quando começou a ser usada na categoria em 2021) e 8 milímetros. E que é colocada dentro da espuma do capacete em uma das laterais.
Quando a categoria de carros elétricos começou a usar a novidade, não era possível controlar a íris e o obturador. Muitas vezes, a falta ou o excesso de luz repentina atrapalhava a visibilidade. Outro fator que mudou foi a possibilidade de corrigir as cores remotamente. Em outras palavras, ‘tratar’ a imagem enquanto ela é captada.
Transmissão “quase” ao vivo
Outro problema era simplesmente conseguir que o sinal da câmera chegasse em tempo real para a transmissão, como as outras onboards. O motivo é simples. Há muita informação saindo do carro ao mesmo tempo, desde as imagens, passando pelo rádio do piloto e os dados da telemetria.
Esse ainda é um desafio. O que vimos durante 2022 foi o uso dessa câmera com certo delay, de alguns segundos. Ou seja, o piloto está em determinado ponto da pista e, quando a câmera de capacete é usada, ele aparece “ao vivo” algumas curvas antes. Há certo risco em fazer isso, caso ocorra algum acidente. Então a F1 trabalha duro para conseguir usar a câmera de capacete ao vivo de verdade no futuro próximo.
“Temos um cabo que sai do carro no qual dá para colocar o sinal de uma câmera, às vezes de duas. Também temos de tirar os dados de telemetria do carro, mas por meio daquele cabo há uma determinada quantidade de dados que pode passar. Alguns dos desenvolvimentos futuros vão permitir pegar mais dados, mais imagens, mais conteúdo do carro enquanto ele está na pista, o que é um grande desafio.”
Dean Locke, diretor de transmissão e mídia da F1
Só um fio a mais junto com a comunicação via rádio
Esses dados que são recolhidos no carro por meio de cabos são transmitidos por antenas colocadas em vários pontos ao longo da pista. O sistema de wifi comporta 10 gigahertz.
O mecanismo para transportar a imagem do capacete para o carro é simples. O mesmo plug usado para a comunicação via rádio com as equipes é utilizado para a imagem. Então, é necessário adicionar, além da câmera, apenas um cabo de vídeo que sai no mesmo lugar do áudio. Esse cabo é conectado pelos mecânicos e tem um mecanismo para se soltar com facilidade quando o piloto sai do carro.
O cabo vai até a central que transmite o áudio e vídeo de todas as outras câmeras. Essa central, por sua vez, fica na parte de cima do carro, perto da câmera onboard. É a antena que transmite, via wifi, todas as informações do carro.
Nada de esconder dados no volante na câmera de capacete na F1
Um ponto interessante da câmera da Fórmula 1 é que as informações do volante ficam visíveis, ao contrário do que acontece na Fórmula E. Afinal, os dados sobre as baterias são mais sensíveis na categoria 100% elétrica do que a na F1. Mas é algo que pode ser visto como uma vitória. Assim, podemos ter acesso a dados como a temperatura dos pneus. E vemos mudanças que os pilotos fazem no volante. Como jogar o equilíbrio de freio para frente ou para trás ou a mudança de um modo de motor, por exemplo.
Falando nisso, uma história curiosa que mostra como as equipes usam esse tipo de informação, aconteceu quando Daniel Ricciardo estava na Renault. Os fanceses tinham um sistema de trocava o equilíbrio de freio automaticamente, mas ninguém sabia. Até que a equipe fez um vídeo com uma câmera de capacete para as mídias sociais. A Force India na época percebeu o sistema automático, avisou a FIA, e a Renault teve de tirá-lo do carro.
E mais. O desenvolvimento dessa tecnologia é importante porque a câmera é tão pequena que pode ser colocada em qualquer lugar. Prova disso é a imagem filmada atrás dos pedais, que passou a ser usada em 2022. Assim como nos primórdios da câmera do capacete, um dos primeiros pilotos a testar a novidade é Lando Norris, de olho em mais tempo em evidência. Foi algo que a F1 mostrou pela primeira vez em 22 anos, mas com uma qualidade que só nos faz imaginar qual o próximo lugar em que a minicâmera vai aparecer.
No comment yet, add your voice below!