Como funciona a logística da F1 - Julianne Cerasoli Skip to content

Como funciona a logística da F1

Os fãs gostam, mas o pessoal da logística da F1 tem pesadelos toda vez que os chefões decidem adicionar mais uma corrida ao calendário. Ou fazer rodadas triplas. Ou rodadas duplas em continentes diferentes. O público em geral não costuma ficar sabendo, mas várias crises são gerenciadas nos bastidores para garantir que o calendário seja cumprido.

Como tornar a logística da F1 mais verde se o calendário não para de crescer? Como o equipamento e os carros são transportados de um lado para o outro? Quem é responsável por levar essa carga? E, mais importante, como ela nunca atrasa?

Como funciona a logística da F1: o básico

Os números não são os mesmos todo ano, mas a carga gira em torno de 1200 toneladas de equipamentos. Que rodam quase 75.000km ao redor do globo. Quase dá para dar duas voltas ao mundo. Isso, juntando o que as equipes levam e também todo o material de transmissão de TV e materiais dos hospitality (onde convidados são recebidos). 

  • 44 a 55 toneladas de equipamento + 10 toneladas de produtos eletrônicos por time
  • 330 toneladas de equipamento de transmissão de TV (incluindo mais de 60km de cabos e 126 câmeras)
  • 30 containers de tendas e outros equipamentos de hospitality

(dados: DHL, 2021)

A maneira como tudo isso é transportado vai depender de onde a corrida é realizada. Dentro da Europa, com caminhões. Fora do continente (para as chamadas flyaways), cerca de 60% vai por via aérea e 40% por via marítima.

Logística da F1 nas corridas europeias

O transporte é feito em caminhões e vans muitas vezes com identificação das equipes. Uma equipe como a Mercedes, por exemplo, precisa de 27 caminhões. Nove deles carregam as 45 toneladas de equipamentos que vão para todas as corridas. E os outros 18 carregam os cerca de 30 containers que formam o motorhome. E as vans são usadas para transportar itens que precisam chegar primeiro, como estruturas de metal que servem como base de tudo.

Mas por que tanto equipamento? Imagine tudo o que você vê na garagem: os telões, os painéis com a identidade visual da equipe, os equipamentos que os mecânicos usam, o pitwall, até as caixas de ferramentas e as cadeiras dos convidados. Absolutamente tudo é transportado pela equipe com o apoio da DHL.

E tem mais ainda. Cabe a cada time instalar todo o cabeamento e toda a infraestrutura para lidar com os 1.5 terabytes que cada carro vai produzir de informação por meio de seus sensores durante um fim de semana de corrida. Estamos falando de 60 computadores e 650m de cabos só para a estrutura de TI.

Mas nem tudo cabe dentro dos boxes. Onde a equipe, pilotos e convidados vão comer? Onde vão ser as reuniões? Onde são as entrevistas? Onde ficam os escritórios dos chefes? Tudo isso acontece nos motorhomes, que nada mais são que um conglomerado de “caçambas” projetadas para se encaixarem perfeitamente e criarem ambientes com três andares na maioria dos casos.

Cada equipe tem seu motorhome, e por um tempo houve uma concorrência pesada para ver quem tinha o mais impressionante. Agora, a moda é ser eficiente. A McLaren estreou um novo “team hub”, como eles chamam, formado por oito caminhões. O anterior, que estreou em 2007, precisava de 18 para ser montado.

Logística da F1 nas corridas fora da Europa

Fora da Europa, cabe aos circuitos oferecer lugar para os escritórios, salas de reunião e cozinha das equipes. E isso geralmente é feito em estruturas provisórias. Mas todo o resto tem de ser levado, incluindo muito do que vai dentro destas estruturas.

Então o carregamento é menor, mas ainda assim estamos falando de mais de 1100 toneladas. Ficaria muito caro mandar tudo por via aérea, então existe uma divisão entre o que vai por avião e o que vai de navio.

Como definir o que vai pelo mar e o que vai de avião

É fácil decidir o que entra em cada carregamento. Tudo o que é mais barato ter cinco ou seis versões, vai de navio. Então os tapumes que formam o box, as cadeiras, prato, copo, etc vão de navio. E por que cinco versões? É o número de carregamentos necessários para que, mesmo com o transporte mais longo por via marítima, dê tempo para o equipamento chegar em todas as corridas.

Entender essas rotas marítimas também ajuda a compreender algumas decisões do calendário. Se Austrália e Singapura fossem em finais de semana seguidos, por exemplo, seria necessário enviar dois carregamentos distintos. Dando um espaço entre os GPs do México e de Las Vegas, é possível usar o mesmo carregamento para Austin e ambos os GPs.

Toda a parte relacionada à performance em si, incluindo, é claro, o carro, vai por via aérea. Os voos saem de dois aeroportos. Um em East Midlands, na Inglaterra, para onde vão equipamentos de Red Bull, Mercedes, Alpine, Williams, McLaren, Aston Martin e Haas. E outro que recebe o material de Ferrari, AlphaTauri e Alfa Romeo. 

E, se uma peça ficar pronta de última hora, há duas opções: ou é feito um pedido de última hora (que não vai sair barato) para a DHL levar, ou os próprios funcionários levam. Eu já vi isso em aeroporto e posso comprovar. Claro que não estou falando de um assoalho!

O equipamento vai em cinco aviões Boeing 777 (ou sete quando há corridas de F2 e F3).

Como os carros da F1 são transportados 

Os carros são transportados completamente desmontados, e tudo vai em compartimentos especialmente projetados para acomodar com precisão as peças. Elas são envoltas em espuma e às vezes, com o bom e velho plástico bolha. Depois, são colocadas em seus pods. Para se ter uma ideia do tamanho desses pods, cada 777 recebe cerca de 40. 

Tudo é projetado tanto para as peças caberem perfeitamente, quanto para economizar o máximo de espaço. Isso também significa que, quando as proporções do carro ou do pneu, por exemplo, mudam, as caixas também têm de ser modificadas.

A carga em que estão as peças do carro vai chegar geralmente na segunda-feira na pista. E os mecânicos começam a trabalhar no carro na terça ou, nas dobradinhas, quarta à tarde ou até mesmo quinta-feira, dependendo de quando a garagem fica pronta.

Essa questão da montagem do carro é interessante. São geralmente seis mecânicos por carro, trabalhando 12 horas. E eles dizem que, mesmo quando, de um ano para o outro, o regulamento não muda muito, a montagem do carro é completamente diferente. E eles sofrem nas primeiras corridas por conta disso. Assim como pit stops, é algo que eles têm de praticar, por mais estranho que possa parecer.

Cronograma da logística da F1 é apertado

Para que o carro vá à pista na sexta-feira de manhã para os treinos livres, a montagem das garagens e dos motorhomes começa bem antes. Grande parte do equipamento tem que estar na pista de oito a dez dias antes de cada etapa. Os carros, ou as peças dos carros, chegam geralmente no final de semana anterior ou na segunda no caso de corridas em finais de semana seguidos (back-to-backs).

Para que isso aconteça nas primeiras corridas do ano, é preciso mandar a carga marítima em janeiro. A DHL, equipes e a F1 vão ter que mandar funcionários para receber a carga e começar a montagem das garagens e do equipamento de transmissão bem antes do GP. 

A DHL tem três equipes distintas: a que recebe, a que faz o atendimento ao cliente durante o evento, e a que empacota tudo para a próxima prova. No total, são 50 pessoas totalmente dedicadas à F1, muitas delas altamente especializadas para saber lidar com equipamentos de TV e de automobilismo.

Quem trabalha na F1 (ou seja, para a Liberty, que cuida da transmissão da TV), por exemplo, geralmente tem outra função além de montar e desmontar, então eles ficam por lá durante o GP. Depois desmontam tudo e parte para a próxima, embora o normal é que não seja apenas uma equipe fazendo isso a temporada toda. De qualquer maneira, é um batalhão que trabalha na F1, sem o qual a categoria não funciona, mas que raramente vê um carro na pista!

Montando e desmontando os motorhomes

Nas corridas europeias, a construção do motorhome leva três dias, com 30 pessoas trabalhando. Para que isso também possa ser feito em uma rodada dupla, o número de funcionários duplica, diminuindo as horas de trabalho. Até porque não é só unir um container no outro. Todo cabeamento tem que ser montados e desmontados, e são 2km de cabos.

O motorhome não é o único espaço que tem de ser montado. Então mais 25 a 30 pessoas ficam responsáveis por montar os boxes e os caminhões onde os engenheiros trabalham. Há até um consultório médico dentro desses caminhões. Certa vez, esqueci um remédio e o médico da Ferrari me ajudou. As gavetas dele pareciam uma farmácia inteira!

Em um fim de semana normal, uma equipe chega na quinta, monta o tudo até o fim de semana, volta para casa segunda, volta para o local do GP no domingo e desmonta tudo. Se houver duas semanas seguidas, eles desmontam tudo entre domingo e segunda e têm de montar o equipamento rapidamente logo em seguida.

Por “rapidamente”, leia-se que os mecânicos vão começar a montar o carro na terça-feira à tarde. No caso de back-to-backs, é possível que a montagem do carro só comece na quinta-feira de manhã. E não é incomum que os mecânicos ajudem a montar a garagem também.

Os desafios da logística da F1 hoje

Muitas vezes as corridas dentro da Europa são mais desafiadoras do que os eventos fora do continente. Há etapas bastante distantes entre si, como Bélgica e Hungria no calendário de 2023. São 1.240km, 13h viajando direto sem parar, então cada caminhão precisa de pelo menos dois motoristas.

Para as rodadas triplas, uma solução é usar um dos kits que são enviados por via marítima para outras provas e montar a garagem com o kit normal das corridas europeias na primeira e terceira prova, e usar esse material extra para a segunda.

Nas corridas fora da Europa, há sempre o risco do material ficar retido na fronteira ou que alguma questão climática interfira. O primeiro é mais fácil de resolver: a F1 sabe que alguns GPs não podem ser em seguida de outro. A China é um exemplo de GP que hoje fica com data isolada no calendário (sem nenhum GP logo antes ou logo depois) depois de alguns apertos com a alfândega.

Falando em alfândega, não foi fácil para as equipes britânicas se adaptarem às novas regras após o Brexit. Você acredita que muita equipe carregou caminhão e mandou para a fronteira só para ver quais seriam os possíveis problemas para se prepararem? Sim, é nesse nível que a F1 trabalha!

Questões climáticas podem interferir

Questões climáticas são mais difíceis de contornar. Em 2021, os carros ficaram presos por mais tempo no México, atrasando a chegada em São Paulo. Pior para os mecânicos, que trabalharam até bem tarde na quinta-feira. E era a corrida do meio de uma rodada tripla de México, São Paulo e Qatar.

Outro desafio é que o carregamento por via marítima é relativamente pequeno em comparação com o que se move por aí nos enormes cargueiros. A carga da F1 vai em 120 containers, e isso não é suficiente para que eles tenham prioridade. Houve um atraso enorme no começo de 2022, por exemplo, e a solução da DHL foi descarregar tudo quando o navio parou em Singapura, e buscar a carga de avião. Caso contrário, não haveria boxes para as equipes no GP da Austrália.

É por essas e outras que, mesmo que seja mais barato e mais “verde”, não dá para a F1 “se jogar” no transporte marítimo.

Foi nessa época, não coincidentemente, que a guerra da Ucrânia começou a afetar diretamente a logística da F1. O transporte marítimo ficou mais caro com a complicação de algumas rotas aéreas. E algumas viagens, como a para o Japão, se tornaram mais longas. Isso, em um momento de expansão do calendário.

Logística na F1 e seu calendário maluco x sustentabilidade

Não faz muito tempo, ouvi de um funcionário de uma equipe grande, até com um ar de “olha como somos espertos”, que eles compravam impressoras em todas as etapas e as deixavam para trás porque “é mais barato do que transportar” por conta do peso.

Não duvido que muita coisa do tipo ainda aconteça, até porque as equipes ainda se pautam mais pela economia do que pela ecologia. O teto orçamentário tem efeito positivo nessa história, porque as equipes estão mais cuidadosas com o que levam: menos equipamento, menos dinheiro é gasto com transporte. Mas a categoria tem metas claras de sustentabilidade, e as coisas têm de ser olhadas além do dinheiro. 

Transporte sustentável

A DHL está equipando sua frota de caminhões dedicados à F1 com GPS para monitorar o consumo de combustível e selecionar as rotas mais eficientes. Caminhões movidos a biocombustíveis têm sido usados, embora isso não seja simples. A rede de postos que têm esse tipo de combustível na Europa não é tão boa no momento, então não é possível trocar toda a frota.

No transporte aéreo, os aviões de cargo 747 foram substituídos pelos 777, que são 18% mais eficientes em relação ao combustível. E a DHL está regionalizando seu pessoal, adotando, por exemplo, uma base nos EUA para lidar com as corridas no continente.

E há, também, o calendário em si. Sobre o desafio de sustentabilidade gerado pelo calendário, recomendo essa ótima thread. A Liberty tem um plano de calendário que considera perfeito, dividido por regiões. E a meta é, a cada ano, ir trabalhando para chegar o mais perto possível desse calendário perfeito. Eles já entregaram, por exemplo, que a Austrália abre esse calendário perfeito, com China e Japão logo de cara. Resta só combinar com os árabes. 

5 Comments

  1. Não sabia que era tão complicada pra F1 esses transportes de equipamentos! Ótima matéria Ju!

  2. Textão hein?! Mas, como sempre, excelente!

  3. Você acha que daria certo ter um jogo de equipamentos que viajam de navio em cada continente para evitar estas viagens ?

    • Julianne Cerasoli

      Do ponto de vista da logística, sim. Mas pensando que é uma competição e as equipes querem ter o equipamento mais atualizado possível, não faz muito sentido.

  4. Ju, fiquei pensando o trabalho que deu para voce levantar tanto detalhe inédito, para mim.
    Parabéns e obrigado pelo texto.
    Marcelo


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