Esteban Ocon no GP da Hungria de 2021 ou Pierre Gasly em Monza e Sergio Perez no GP de Sakhir de 2020 são exemplos claros de como ter a pista livre, sem trânsito, pode fazer maravilhas para o ritmo de qualquer carro. São dois pilotos que provaram que dá para vencer na F1 sem o melhor carro. Sim, pode parecer estranho pensar numa vitória dessa forma, como o “menor tempo possível de se completar uma prova”. Mas, no final, é simplesmente isso, sempre acompanhado de “correr com a pista livre a maior parte de tempo possível.”
O grande atalho para tal é largar da pole, ou se ver em primeiro após a largada. Quem estiver nesta posição tem grandes chances de vencer, mesmo não tendo o melhor carro. Ainda que isso seja raro, mais porque são poucas as oportunidades de vermos um carro mais lento liderando uma corrida.
Mas este não é nosso assunto aqui, e sim entender por que ter pista livre é tão importante.
Como a posição de pista ajuda o piloto a vencer na F1 sem o melhor carro?
A resposta óbvia é dizer que, de cara para o vento, o carro pode fazer seu próprio ritmo. Mas esta é só a ponta do iceberg. Os carros atuais (e este é o grande ponto que o regulamento de 2022 busca remediar) são muito sensíveis à turbulência justamente porque causam muita turbulência.
Isso significa que, atrás de outro rival, o carro fica mais nervoso, tende a escorregar mais, gerando aumento de temperatura dos pneus, provocando seu desgaste. Tais efeitos começam a ser sentidos a 3 a 6s de distância, dependendo da pista.
Esse aumento de temperatura também acontece porque menos ar chega aos pneus para resfriá-los, problema que também vai afetar o restante do carro – dutos de freio, radiadores, enfim, todo o sistema de refrigeração vai trabalhar de forma comprometida. E o rendimento do carro não vai ser tão bom quanto se ele estivesse no trânsito.
O contrário acontece quando o carro encontra a pista livre, o que muitas vezes nos dá a impressão de que um piloto ficou muito bom de uma hora para a outra, porque ele consegue controlar tudo com mais facilidade. Mesmo que ele tiver um conjunto mais veloz atrás dele, a questão da temperatura e a perda de pressão aerodinâmica muitas vezes vai compensar isso.
Carros são otimizados para correr com pista livre
Por fim, e não menos importante, os carros são otimizados no túnel de vento, ou seja, para correrem sozinhos. Assim, a condição em que as peças aerodinâmicas funcionam melhor é de cara para o vento. Isso explica porque, muitas vezes, pilotos com carros bons que perderam algumas posições têm muita dificuldade de se recuperar (e também demonstra a qualidade de pilotos que, mesmo assim, o fazem). Isso porque o comportamento do carro muda no trânsito, e aquele carro que é bem mais veloz que os outros é aquele que mais tem a perder porque, normalmente, ele é mais estável.
Então o piloto, que está acostumado a esta estabilidade, tem de entender o novo comportamento enquanto está abrindo caminho no pelotão, e conseguir fazer isso mostra sua qualidade. Ficando no exemplo dos dois melhores carros desta temporada, isso fica claro: tanto o Red Bull, quanto o Mercedes ficam muito menos estáveis no meio do pelotão, e tanto Max Verstappen, quanto Lewis Hamilton, conseguem se livrar do trânsito com mais facilidade do que Sergio Perez e Valtteri Bottas.
Os pilotos só ganham com os melhores carros? Sim, mas os melhores carros não são tão bons sem os melhores pilotos.
A matemática das ultrapassagens na F1
Voltando ao nosso tema, há também uma questão matemática, que é muito usada para definir estratégias de corrida. Explico: existe um cálculo de qual a diferença de velocidade necessária para que um carro supere o outro em cada pista. Naquelas em que é mais fácil ultrapassar, como Baku, por exemplo, ela é de menos de um segundo. Naquelas mais difíceis, como Hungaroring, pode chegar a 2s.
Imagine, então, a diferença, ao longo de uma corrida de 53 voltas, entre dois carros iguais, sendo que um está correndo de cara para o vento, e outro está preso atrás do trânsito (mesmo que seja de um carro apenas) sem ter a vantagem necessária para conseguir ultrapassar.
Em uma pista com a da Rússia, em que é preciso bem mais de 1s de vantagem, se um carro da mesma equipe estiver preso atrás de outro 1s mais lento e o outro estiver de cara para o vento, os dois pilotos vão terminar a corrida com quase um minuto de diferença. E tudo isso vai poder ser explicado pela posição de pista lá no início da prova.
Não é por acaso que gasta-se tanto tempo na preparação do fim de semana nas simulações de classificação, e tanto dinheiro e recursos humanos para melhorar as largadas e os pitstops. Todos eles trabalham no sentido de gerar pista livre nas corridas.
E não falo apenas sobre o líder. Já faz tempo que a F1 tem uma série A e série B. Atrás da série A (neste ano, Mercedes e Red Bull), também abre-se um espaço grande. O piloto que conseguir se colocar no quinto lugar em uma corrida normal também vai se beneficiar da mesma forma.
Como essa matemática é usada para vencer na F1 sem o melhor carro?
Ouvimos muitas vezes os pilotos pedirem aos engenheiros “me tire de trás de fulano, estou preso aqui”. Mas como? Os engenheiros vão olhar para a tabela de tempos, ver se há um espaço livre de pista para seu piloto voltar e poder andar com pista livre.
Sabendo que é mais rápido que o carro rival, o time vai apostar em ganhar tempo total de prova chamando seu piloto para os boxes antecipadamente e fazendo-o correr sozinho por algumas voltas. Assim, eles imaginam que, quando o rival parar, voltará atrás justamente porque o ar limpo foi usado em benefício do piloto mais rápido.
É claro que os pneus sempre são um fator limitante para antecipar a parada em busca do ar limpo, assim como o trânsito (na parte inicial da prova, os espaços ainda não estão abertos para fazer isso). Mas tudo é jogado no caldeirão dos computadores que fazem o cálculo de ritmo ou degradação e ajudam a determinar qual a melhor estratégia.
Voltando à estratégia, ela sempre tenta determinar a maneira mais veloz de completar a distância da corrida, ou seja, ela sempre está tentando encontrar o caminho mais livre até a bandeirada.
3 Comments
Ótimo texto, Ju.
Com relação aos motores, existe uma preocupação das equipes quanto ao motor que andou mais na turbulência e o que andou menos ?
Para a durabilidade no geral acredito que não. Mas durante a prova eles monitoram a temperatura pra evitar qualquer falha
Excelente testo, realmente faz a diferença estar de cara para o vento principalmente pela aerodinâmica desses carros, as vezes é visível que o carro atrás tem mais ritmo de corrida, mais não consegue passar devido a turbulência, e a quando tudo da certo algum carro fora da série A acaba ganhando uma corrida.