A responsabilidade é grande: falar a um público acostumado às corridas, mas pouco afeito a questões técnicas, ainda por cima dividindo espaço com dois profissionais que têm mais tempo de F-1 do que ele tem de vida. Mas atuações ponderadas como no GP da Alemanha de 2010, como ele relembra em entrevista ao blog, e muito treino para se sentir à vontade na cabine têm feito Luciano Burti ganhar espaço nas transmissões da Globo.
O ex-piloto da F-1, atualmente na Stock Car, é comentarista desde 2005 e revela quais as dificuldades, como se atualiza e quais são suas referências nesse espécie de carreira paralela.
(Na primeira parte deste especial, conversei com o comentarista da Antena 3 espanhola Jacobo Vega)
TOTALTACE: O que mudou na sua abordagem nestes sete anos em que trabalha como comentarista?
LUCIANO BURTI: Para quem assiste televisão, parece algo muito simples, que é assistir, falar o que acha, e acabou. E quando vai fazer vê o quão difícil é a comunicação, conseguir falar o que interessa de forma clara, curta e, principalmente trabalhando com o Galvão, a gente não pode tomar muito espaço. Até dificuldade em falar de forma clara eu tinha. Naturalmente, falo muito rápido, com a boca fechada.
TOTALTACE: Você fez treinamento com fonoaudióloga para resolver isso?
BURTI: Fiz muita aula com fonoaudióloga. Eu nem sabia que tinha de abrir a boca para falar. São coisas bobas, mas que fazem muita diferença. Então hoje, não que esteja perfeito, mas consigo falar de forma clara e interpretar. Minha fala é muito constante e aprendi que, na TV, também é importante dar ênfase. Por trabalhar ao lado do Galvão que, na minha opinião, faz isso melhor do que ninguém, ajuda bastante como referência.
TOTALTACE: Muitas vezes você percebe coisas na corrida que julga não serem interessantes passar, talvez até por serem muito complexas. Como é esse discernimento?
BURTI: Isso acontece muito. Primeiro é muito importante estar focado no que acontece no vídeo. Não dá para ficar comentando sobre o que passou, pelo menos não com muita frequência. É importante narrar o que está sendo apresentado e às vezes Galvão e Reginaldo estão comentando sobre outro assunto na hora e fica difícil voltar naquilo que passou. Em segundo lugar, há coisas que seriam legais de falar para um público que vê as coisas de forma mais técnica, mas não soma muito para a grande maioria do público. Então deixo de falar muita coisa. Ninguém tem a mínima obrigação de entender de parte técnica de automobilismo, que é complicada demais. A gente mesmo às vezes se perde nisso. Então tem que fazer mais o arroz com feijão, tentar fazer os comentários de forma que todo mundo entenda, traduzindo algumas coisas, mas sem complicar demais.
TOTALTACE: Isso é uma linha da Globo de focar mais no público menos familiarizado com o automobilismo?
BURTI: Nunca me disseram isso, mas foi algo acredito que tenha me ajudado no início, pois sempre tentei falar o que todo mundo entende. Quando falo para a TV, me sinto falando com meus amigos, com minha família, que não entendem a parte técnica. Acho que isso me ajudou porque as pessoas estavam entendendo o que eu estava dizendo. Se você é técnico demais, fala para poucos.
TOTALTACE: Da época em que você corria na F-1 para cá muita coisa mudou nos carros. Era, inclusive, uma fase com mais tecnologia. Como você faz para se atualizar do lado da pilotagem?
BURTI: Não mudou tanto assim se formos comparar com a época do Emerson ou do Piquet. Para eles, é difícil entender o que acontece hoje na parte eletrônica do carro, do câmbio semi-automático, o diferencial eletrônico. São coisas às quais eles não tiveram acesso. Por mais que eles tenham um conhecimento gigante da parte mecânica, eles nunca pilotaram um carro assim. Então fica difícil explicar.
No meu caso, muita coisa mudou, mas a parte mais evoluída da F-1 foi aquela em que estava pilotando na Ferrari. Você só apertava um botão para reduzir a marcha, tinha controle de tração, uma série de coisas que não existem hoje em dia – e até é bom que a F-1 tenha voltado atrás porque era demais. Então, só de conversar com o Felipe e o Bruno, eles me passam exatamente o que está acontecendo. Vai chegar um dia em que vai mudar e eu não vou ter esse conhecimento na prática, mas ainda não chegou lá.
TOTALTACE: Isso também vale em relação aos pneus?
BURTI: O pneu antigo era complicado, com sulcos. Esse é slick, então dá para entender fácil. Na minha época, pilotei com o V10, mas tive duas oportunidades em eventos promocionais de andar com o V8, o que serviu para ter um pouco de noção da potência. Não estou 100% por dentro, mas diria que 90% eu estou. Por não ser tão técnico nos comentários, acho que não acaba afetando.
TOTALTACE: Qual foi seu momento mais difícil comentando?
BURTI: Acho que foi o começo. No automobilismo, logo na primeira vez que andei de kart já fui bem. A minha primeira corrida na Europa, eu ganhei. Quando andei de F-1, fui bem logo no primeiro teste. Sempre foi uma coisa natural. Diria que a TV não é natural para mim. Não é algo que nasci para fazer. Então estou tendo de aprender a cada dia que passa.
TOTALTACE: Pergunto isso lembrando da corrida da Alemanha em 2010. Falar sobre o que estava acontecendo sendo verdadeiro ao mesmo tempo em que você quer ser correto não deve ter sido fácil.
BURTI: Quando o Alonso falou “isso é ridículo” da primeira vez, eu pensei ‘acho que não entendi direito’. E disse isso no ar, que achava que não tinha entendido. Mas escrevi num papel e mostrei para o Luis Roberto e o Reginaldo e eles falaram ‘será?’. Depois de algumas voltas, a gente acabou entendendo o que tinha acontecido. Mas aquela corrida foi muito delicada, porque não tínhamos certeza do que estava acontecendo e também pela boa relação que eu tenho com a Ferrari é complicado de descer a lenha.
Ao mesmo tempo, aprendi que não posso usar das relações pessoais que tenho, seja com piloto ou equipe, para deixar de falar de algo que está acontecendo. No final, saiu bom, porque consegui passar a informação de tudo o que aconteceu de errado ali sem pegar pesado demais, porque às vezes você pode perder um pouco a mão pela emoção do que está acontecendo e falar mais do que deve. Achar esse equilíbrio é complicado.
TOTALTACE: Você já teve a curiosidade de assistir às transmissões de outros países para ver como os demais comentaristas atuam?
BURTI: Não tenho esse costume, mas já fiz muito isso quando morava na Europa. Às vezes, às sextas-feiras, fico assistindo à TV inglesa e vejo os comentários do Johnny Herbert e do Martin Brundle, que considero excelente. O próprio Coulthard, que acho meio travadão para a TV, é um cara que tem muita noção do que diz e tem o Eddie Jordan, que faz um estilo diferente. Gosto de prestar atenção nestes caras, até por ser a TV inglesa, que fala para o público que considero o mais bem informado. Por isso, a comunicação deles com o público ocorre em um nível mais elevado. Eles são a referência.
7 Comments
Essas entrevistas com o Burti e com o Vega são importantes pra gente lembrar que somos um tipo de público de TV que é minoria… Realmente não dá pra exigir tanta informação pormenorizada, né?
Pra essas informações temos os sites, os blogs… Caramba, como a gente ficava meio perdido antigamente!
… mas que de vez em quando o povo da Tv escorrega, isso ninguém nega. mas deve ser difícil mesmo no calor dos momentos acertar sempre.
Muito boa a idéia de mostrar o lado dos comentaristas, Julianne!
O Burti é bacana, aprendeu a falar na TV e etc… mas cá entre nós, ele poderia dar lugar a você Julianne. Você é muito mais capacitada pra esse função.
Acho que em algumas provas você já seria um sucesso!
O público agradeceria! 🙂
O Burti realmente cresceu muito e as transmissões ficaram muito mais ricas com ele. O Reginaldo também é essencial. O grande problema da transmissão fica por conta dos narradores. O Galvão tem experiencia, ta nessa estrada da F1 há muito tempo, mas ele adquiriu manias que são irritantes. Ele corta o Burti e o Regi, é tendencioso, começou a confundir pilotos e carros com uma frequencia proibitiva, além de outras bobagens que fala. Já o Luis Roberto não entende bulhufas de F1, narra como se fosse futebol e as vezes da enfase na voz quando nao tem nada de mais ocorrendo na pista, Alem do mais ele não consegue nem pronunciar o nome de certos pilotos corretamente.
O melhorzinho era o Cleber Machado, mas não sei porque a Globo o retirou das transmissões de F1.
Boa matéria, Ju.
Léo, perfeito o comentário. Dizem os bastidores que o Galvão e o Cleber não se dão, por isso a Globo o retirou das narrações.
E depois do evento Galvão X Renato Mauricio Prado, parece mesmo que ele tem muita força na emissora. Sim, o Renato é tão mala quanto ao Galvão, mas ainda assim mostra o poder do Galvão.
Abraço
Parabéns pela entrevista, Ju! O Burti também falou sobre seu trabalho de transmitir corridas numa entrevista para o Tazio. Acho que esse momento da Alemanha em 2010 deve ter sido super difícil para ele, mas ele conseguiu levar bem! Acho que ele é hoje o melhor comentarista de corridas de F1 na Globo!
Abraço, fiquem na paz!
Eis um ‘nicho de mercado’…. que sem querer ele levanta! Eu pagaria para ouvir a parte técnica e não esta orda de bobajada que se ouve na Globo por exemplo.
-É explicável… pois o negocio da RTVG é IBOPE então, nivele-se por baixo.
Ouço hoje ESPN Rádio e ou Band sem áudio da emissona ‘platinada’ e sinto falta do Burti, que é muito esclarecido nos 90% que ele mesmo fala!
Burti até mesmo por não ser da tv, leva para as transmissões uma análise fria e ponderada digna de quem já esteve dentro das pistas. Muito bom o post, Ju.