F1 Dez temporadas de DRS e as ultrapassagens artificiais enraizadas - Julianne Cerasoli Skip to content

Dez temporadas de DRS e as ultrapassagens artificiais enraizadas

Lá nos idos de 2010, eu comecei um blog totalmente independente. Minha ideia era escrever coisas que eu gostaria de encontrar na internet, mas não conseguia. E não é que tinha mais gente com a mesma “sede” que a minha? Não demorou para o Faster F1 ser notado por profissionais da área e, no final do ano, Luis Fernando Ramos, o Ico, me convidou para escrever um texto no blog dele. E logo depois ele e o Felipe Motta me chamaram para fazer parte do time do TotalRace. Quase dez anos depois, chegou a hora de eu retribuir. Selecionei 12 textos entre as dezenas que me mandaram e espero que curtam o material que vai ser publicado até meados de janeiro por aqui.

Por Eduardo Costa

A temporada 2020 da Fórmula 1 caminha para ser uma transição. Com as mudanças radicais nas regras para 2021, a tendência é que o próximo ano tenha uma conjuntura semelhante à de 2019. Porém, a categoria atingirá um marco que passa despercebido: será a décima temporada do DRS.

O Drag Reduction System chegou à F1 em 2011. O objetivo era fazer com que, em situações específicas (com um piloto a no máximo um segundo de diferença em relação ao adversário à frente em um ponto pré-selecionado do circuito), a asa traseira pudesse ser aberta, diminuindo o arrasto aerodinâmico do carro e gerando um ganho enorme de velocidade, para promover mais ultrapassagens.

Desde então, o artifício gera muita polêmica. Já a partir de sua introdução, era clara a existência de dois grupos: os que defendiam que ele traria mais ultrapassagens e, consequentemente, mais emoção; e os que questionavam a artificialidade do sistema. E esta última característica tem se mostrado bastante presente.

Do começo de seu uso, em 2011, até hoje, a asa traseira móvel inegavelmente promoveu um boom de ultrapassagens. Se do início do século XXI até 2010 nenhuma temporada teve mais de 500 ultrapassagens, de 2011 para cá só uma ficou na casa dos 500 (2015, com 509). Todas as outras tiveram, no mínimo, 600 ultrapassagens. Destaque para 2018, com absurdas 1056.

A lógica automática é de que corridas que promovem muitas ultrapassagens naturalmente são mais emocionantes. Mas se tivemos uma explosão de trocas de posição, realmente podemos dizer que as corridas ficaram tão melhores assim?

O DRS, de fato, não é um artifício de todo ruim. Porém, a forma como é utilizado hoje cria ultrapassagens extremamente artificiais, que se assemelham muito mais a trocas de posição, sem disputa alguma no roda a roda. E se, afinal, uma das principais formas de se medir a habilidade de um piloto é pela sua capacidade de disputar posições, como levar os números em conta se tais disputas são facilitadas pela asa móvel?

 O sistema cria uma espécie de “injustiça”. A não ser que o piloto da frente esteja perto de um retardatário, ele fica completamente vendido: o piloto de trás abre a asa, diminui absurdamente o arrasto, chega a ter uma vantagem de até 30 km/h em algumas pistas e não gera a menor possibilidade de defesa.

Em praticamente todas as corridas, o público perde muitas oportunidades de presenciar belas brigas entre os pilotos justamente porque não existe tal chance. É diferente de sistemas como o push-to-pass, da IndyCar Series – por mais que ainda seja um artifício, ele é distribuído de forma igual e pode ser usado por todos os pilotos a qualquer momento, o que também é mais um componente para as estratégias.

Tomemos como exemplo o Grande Prêmio do Brasil de 2019, penúltima etapa do ano. Após o acidente entre as Ferraris de Sebastian Vettel e Charles Leclerc, o safety-car foi acionado a poucas voltas do fim. A bandeira verde veiona penúltima volta e, após disputas ferrenhas, Lewis Hamilton e Pierre Gasly chegaram para a reta final lado a lado.

 Em um raro momento de drag race na Fórmula 1, os dois subiram a reta principal de Interlagos colados, arrancaram a respiração do público e decidiram na foto quem chegaria em segundo. Se o DRS fosse utilizado (e faltou apenas uma volta, pois ele é liberado a partir da terceira volta em bandeira verde), o inglês teria trucidado o francês e tomaria a posição sem dificuldades. Sem o artifício, eles protagonizaram uma disputa épica, Gasly segurou a posição e comemorou seu melhor resultado na carreira.

Podemos voltar um pouco mais no tempo para relembrar a última corrida sem DRS na história da Fórmula 1 (até agora): Grande Prêmio de Abu Dhabi de 2010. Enquanto Mark Webber se enrolou nas próprias pernas e Sebastian Vettel disparou na frente, Fernando Alonso sofreu com uma estratégia no mínimo questionável da Ferrari e se viu tendo que escalar parte do pelotão para sair com o tricampeonato.

Eis que, após sua única parada, ele encontrou pela frente a Renault de Vitaly Petrov. O espanhol tentou de todas as formas a ultrapassagem por longínquas 39 voltas, mas o russo não deixou a peteca cair. A cena ficou marcada na história recente da Fórmula 1 e decidiu o campeonato de 2010. Fica o exercício de imaginação: teríamos aquela emoção com o DRS?

E se quisermos voltar mais no tempo ainda, tentando ao máximo evitar o pachequismo e o saudosismo: o DRS nos teria tirado a épica disputa lado a lado entre Nigel Mansell e Ayrton Senna em Barcelona/1991. Seria apenas mais uma “ultrapassagem”.

Por outro lado, retornando a 2019, vimos algo diferente e interessante na última corrida. Duas semanas depois do GP do Brasil já citado, a F1 foi até Abu Dhabi encerrar sua temporada. E graças a um problema no sistema, o DRS ficou desativado nas 17 primeiras voltas.

Obviamente, a corrida não se tornou radicalmente emocionante, pois o problema de ultrapassagens da F1 vai além do DRS. Mas vimos algumas disputas maiores em situações nas quais, em condições normais, as ultrapassagens seriam simples, como a de Valtteri Bottas em Lance Stroll e de Carlos Sainz em Daniel Ricciardo. Sem a asa móvel, a tocada e até mesmo a estratégia de alguns pilotos teve que mudar.

Apesar disso tudo, ao que parece o sistema está longe de ter sua utilização revista ou até banida. Muito pelo contrário: nos GPs da Austrália, Bahrein, Canadá, Áustria, Cingapura e México deste ano, a F1 optou por um aumento para três zonas de utilização em cada pista. Além disso, o DRS sofreu um aumento de 30% na abertura nesta temporada, indo de 65cm para 85cm.

O que vemos então, em algumas corridas devido às características dos circuitos, é um festival de ultrapassagens artificiais. No GP da França de 2018, por exemplo (o retorno de Paul Ricard à F1), 39 das 48 ultrapassagens ao total foram feitas com a asa traseira móvel.

[Faço uma nota aqui: a área de abertura de asa aumentou juntamente com a ampliação da asa traseira na temporada 2019, e as revisões das zonas de ativação têm sido constantes. Inclusive, algumas delas têm sido reduzidas. Além disso, Ross Brawn já disse em várias ocasiões que um dos grandes objetivos da linha de pensamento que rege o regulamento de 2021 é acabar com o DRS. Para isso, é preciso reduzir drasticamente a turbulência gerada pelos carros e, de acordo com as simulações do grupo comandado por Brawn, isso será uma realidade em pouco mais de um ano. Porém, primeiramente eles precisam confirmar os números para, então, retirar o DRS.]

E uma situação perigosa começou a acontecer nos últimos anos. Com o “sucesso” do seu uso na Fórmula 1, o DRS já começa a ser expandido para outras categorias. Além do DTM na Alemanha, as Fórmulas 2 e 3 já o utilizam, fazendo com que jovens pilotos cresçam no automobilismo levando o auxílio como algo padrão – e até necessário. Uma cultura de pilotos moldados por ultrapassagens artificiais pode ser péssima para o esporte.

Isso faz também com que nós, o público, e quem cobre a Fórmula 1, se acostume com isso. Partindo para a décima temporada, o DRS está longe de ser questionado como algo que pode maquiar as corridas ou disputas de posição. Pelo contrário: muitas alas defendem a sua continuidade argumentando que, sem ele, as ultrapassagens seriam mais difíceis e, consequentemente, escassas na categoria.

Daí fica o questionamento: não seria melhor dessa forma? Até porque se a categoria bane o sistema e as ultrapassagens ficam mais difíceis (além de diminuírem consideravelmente), o público pode abrir os olhos para o real cerne do problema.

A falta de grandes disputas na Fórmula 1 atual está longe de ser culpa do DRS, muito pelo contrário: o excesso da influência da aerodinâmica nos carros e o comportamento ruim dos mesmos quando estão vindo atrás de outros são os principais pontos que precisam ser melhorados.

Mas o sistema, facilitando brutalmente as ultrapassagens em determinadas situações, faz com que os números apontem para mais trocas de posições nas corridas. Com isso, público e pessoas ligadas à F1 se iludem, achando que as corridas estão mais emocionantes. Não estão.

Nos debates do novo regulamento para 2021, o DRS chegou a ser um tema mais batido. Hoje ele já está confirmado, e a tendência é que tenha poucas alterações (ou nenhuma) no novo regulamento. O que é bastante prejudicial ao esporte.

Ressaltando novamente: o DRS não é o causador dos problemas de ultrapassagens da Fórmula 1. Como destacou o hexacampeão Lewis Hamilton, em uma entrevista de março de 2019: “No fim das contas, o DRS é um band-aid para a corrida de qualidade pobre que nós temos com a forma como os carros são projetados”.

Mas em uma categoria em que a aerodinâmica tem uma influência muito acima do necessário e os fãs estão sedentos por corridas mais emocionantes, as ultrapassagens artificiais que o Drag Reduction System provoca não ajudam em nada na conjuntura. Muito pelo contrário.

7 Comments

  1. A nota contradiz um trecho do texto. A retirada do DRS não foi mencionada no novo regulamento, até que tenham certeza de que haja
    disputa sem o sistema? Ou eles sequer estão debatendo mais essa possibilidade?

    • É muito importante fazer essa crítica para não nos contentarmos com a ideia de um “artifício necessário” para emocionar as corridas. Texto espetacular!

      • A melhor maneira de melhorar a disputa é reduzir a eficiência dos freios, freiando a menos de 25m da curva, não há piloto que faça diferença.

    • O DRS está mantido por enquanto justamente porque eles vão comprovar se as regras são tão eficazes na diminuição da turbulência como os estudos mostram. Mas um dos objetivos de tais regras é acabar com o DRS.

  2. Eu sou a favor de a cada GP eles revisarem o DRS, por exemplo, na Itália, deveria ser um trecho bem curto, enquanto em outros circuitos seja o contrário.
    Por outro lado, o DRS só está sendo eficiente entre disputas com carros bem diferentes. Entre os carros top ele facilita, mas não determina a conclusão de uma ultrapassagem…
    Mas a essência to texto é essa: é um band-aid temporário, mas que já está ficando conosco há 10 anos e adentrando categorias escolas (Na F-2 eu vi e não acreditei!!!)

  3. Sou defensor do DRS. Vibrei quando o inventaram e queria que reduzissem mais ainda a proibição à partes aerodinâmicas móveis. Até fiquei frustrado quando proibiram o uso do DRS nas qualificações, se não me engano por conta da grande vantagem que a RBR ganhava com isso.

  4. Um F1 só é o carro mais rápido dentre todos no mundo do automobilismo por conta da aerodinâmica sofisticada. Tem um vídeo muito bacana que circulou uns anos atrás filmando a subida da Eau Rouge por trás desde a pista: primeiro uma corrida de turismo, com supercarros que são sim absurdamente rápidos, e depois a F1. Não tem qualquer comparação. E se tira a aerodinâmica, um Super Fórmula ou um F2 ficam quase a mesma coisa, ainda mais porque os F1 híbridos são sensivelmente mais pesados (e esse é outro caminho sem volta).

    Nunca mais os F1 serão os carros mais rápidos se fiando apenas em potência e aderência mecânica; já o deixaram de ser há 30 anos, mas parece que isso não está claro mundo afora.

    Esse debate das ultrapassagens nunca terá fim.


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