Já se passaram uns dois meses e meio (onde esse tempo foi parar?) mas não podia deixar passar despercebido um evento importante realizado durante o final de semana do GP de Mônaco: um painel com várias representantes femininas do esporte a motor, de advogadas a pilotos. Enquanto elas enfatizavam a necessidade das meninas, desde cedo, serem apresentadas ao mundo do esporte a motor como algo também plausível para elas, uma série de situações curiosas mostravam como aquele momento era necessário.
Isso porque até alguns colegas questionaram a utilidade de um evento como este, com o velho argumento de que “esse tipo de coisa só acentua a divisão entre homens e mulheres”, desconhecendo o importante princípio da equidade. Acredito que muitas vezes o discurso do feminismo embarca de maneira errônea em igualdade, quando na verdade o que precisamos é equidade, ou seja, não é dar o mesmo para todos, mas dar o que falta para todos estarem na mesma. E é essa a importância de um evento que busca dar vazão a necessidades que são específicas das mulheres – e, pelo nível das perguntas, desconhecidas da maioria dos homens.
Não sei se vocês sabem mas Bernie Ecclestone sempre manteve mulheres em seu núcleo mais próximo de trabalho, especialmente para cuidar de questões jurídicas e administrativas, por julgar que elas eram melhores nisso. Chloe Targett-Adams, por exemplo, é diretora de business há décadas, e nenhum contrato é assinado sem passar por Kate Beavan.
Talvez até motivado por isso, o presidente da FIA Jean Todt tenha cometido uma das gafes do evento dizendo que “as mulheres são mais comuns nestes cargos de chefia e nos jurídicos porque se sentem melhor lá”. Isso depois de ouvir uns 40 minutos de discurso sobre abertura de possibilidades para o imaginário das meninas!
As perguntas dos colegas também deixaram a desejar, muito calcadas em “mulheres aproveitando seu apelo por serem mulheres para ganharem visibilidade”. Homens têm se aproveitado de seu apelo, mesmo que seja de um tipo diferente, desde que a humanidade existe. É muito ingênuo pensar que se pode dissociar esse tipo de coisa como em um passe de mágica.
As engenheiras
Na parte técnica, a chegada de mulheres em maior quantidade trata-se de algo mais recente. Tanto, que a chefe de design de chassi da Ferrari, Francesca Venturi ou as estrategistas Ruth Buscombe, da Sauber, e Bernadette Collins, da Force India, não têm mais de 30 anos. Isso é reflexo direto da maior entrada de mulheres em escolas de engenharia nos últimos anos.
Como em qualquer área, da quantidade é que se tira a qualidade, e por isso o ponto central de qualquer mudança no esporte a motor está em abrir também às meninas o sonho de ter uma carreira na área. Isso até no campo do jornalismo – e digo por experiência própria: sempre gostei de jornais e de F-1, e o fato de nunca ter ouvido em casa qualquer questionamento ou brincadeira que me levasse a crer que isso “era coisa de menino” foi fundamental para que o sexo não se tornasse uma barreira.
Isso, é claro, não me impediu de levar um choque ao chegar como a “carne nova no pedaço” no paddock, um ambiente em que as mulheres em sua maioria ou estão trabalhando como assessoras de imprensa ou na TV, o que também tem a ver com a aparência misturada com competência (em níveis diferentes dependendo da profissional, infelizmente) ou servindo funcionários e convidados nos motorhomes. Isso sem falar nas grid girls, algo completamente sem sentido nos dias de hoje.
Afinal, queremos estimular que nossas meninas segurem placas e sorriem durante 20 minutos como abertura para o show dos outros? Ou queremos uma parte importante da população colocando a mão na massa? É simples fazer isso, é só deixar as meninas sonharem, começando desde os brinquedos que lhes são apresentados até suas ideias não-tolhidas.
14 Comments
Bom dia.
Ótimo texto Julianne. Fico feliz em saber que uma equipe tradicional como a Ferrari está dando oportunidades para as mulheres mostrarem seu talento também nas funções mais técnicas. Quando eu digo que amo F1 até hoje tem gente que não entende e diz que isso é coisa de homem. Felizmente os tempos estão mudando. Uma ótima semana a todos.
Bom saber dessa iniciativa, especialmente em uma semana que vimos o manifesto anônimo grotesco que surgiu de dentro da Google contra a igualdade de oportunidades a minorias (mulheres aí incluídas, mas não apenas).
Convém lembrar que a mídia costuma reforçar esses papéis e visões, tratando como parte da notícia esportiva, por exemplo, as ring girls. (Suponho até que você tenha muita história para contar….)
O que falta para termos mulheres pilotando na F1? Mesmo em outras categorias, a inserção feminina dentro dos cockpits parece sofrer uma resistência muito maior. Isso também é debatido nos bastidores Ju?
gostei demais da diferenciação equidade x igualdade, Julianne.
vou usar em discussões futuras…
excelente texto, como de hábito!
Belo texto. Você é a prova de que competência não tem relação com sexo.
O dia que derem oportunidades iguais às mulheres, elas estarão disputando de igual pra igual com os homens.
Parabéns!
Eu conheço uma ou outra garota que tiveram de enfrentar desestímulos por serem mulheres desde o berço, e hoje se destacam em áreas de ciências exatas e engenharia, ao ponto de causarem raiva e inveja de outros profissionais menos esclarecidos quanto a questões de afirmação feminina.
Tem, entretanto, um ponto do seu texto que não está totalmente claro:
“Acredito que muitas vezes o discurso do feminismo embarca de maneira errônea em igualdade, quando na verdade o que precisamos é equidade, ou seja, não é dar o mesmo para todos, mas dar o que falta para todos estarem na mesma.”
Se eu entendi o que disse, ao darmos igualdade, os que tiveram vantagem antes, continuarão com ela, continuarão privilegiados, por isso a equidade, que é dar o que falta para reestabelecer o equilíbrio, e não termos fracassos em políticas afirmativas que podem partir de premissas erradas. Um exemplo seria o próprio automobilismo. Um menino que se interessa por corridas está no kart desde os 6 ou 8 anos, enquanto que as mulheres que se interessam por corridas, o fazem, geralmente, mais tarde, e dar oportunidades iguais para ambos os sexos para seguirem carreira sem algo que reestabelecesse o equilíbrio poderia resultar em fracasso, como no caso da Giaovanna Amati (se bem que ela tem resultados melhores no turismo).
Outro exemplo, são os brinquedos. Costuma-se dar bonecas para as meninas – além de outros brinquedos que vão estimular o gosto por administração doméstica ou de recursos em outras áreas -, enquanto que para meninos, dão brinquedos que estimulam mais as capacidades cognitivas desde o início. Neste caso, dar igualdade de oportunidades para uma garota concorrer a uma vaga em uma determinada escola que privilegie as capacidades desenvolvidas com os brinquedos que o menino ganhou, não teria efeito algum na promoção de mulheres, sendo necessário, antes, medidas que restaurassem o equilíbrio.
Eu queria saber se o que você quis dizer com equidade é captado pelos dois exemplos que eu dei, e se eu entendi bem que que quis dizer.
Um grande abraço do fundo do meu coração vermelho de outubro de 1917,
Atenágoras Souza Silva.
Ótimo texto Julianne!
Adoro a sua sensatez e sobriedade de avaliação de qualquer assunto que seja.
A algum tempo atrás, conversávamos com uma dessas feministas e citei os casos de mulheres pilotos, lembrando que pilotA é uma invenção desse mesmo feminismo, no automobilismo e que a pessoa mais velha a pilotar um F1 foi justamente uma mulher, me perdoe por esquecer o nome sou péssimo com eles.
Também comentei o fato de em um do Brasil não ter tido um Grid Girls, mas sim um Grid Team, haviam homens e mulheres segurando as placas dos carros.
Isso sim seria inclusão de fato, como você mesma citou no texto, precisamos de equidade para que todos possam estar na mesma.
Admiro cada vez mais a sua sobriedade de mundo, grande beijo.
Abraços pros meninos e beijos pras meninas!
Avisem ao ilustre Napoleão Mendes de Almeida (gramático, filólogo, professor de português/latim) que ele só defendia essa “aberração” de pilotA porque não passava de um feminista… 😀
PS:
Há alguns meses, fui chamado de feminazi por ter escrito PresidentA. O Brasil está doente!
Who run the world?
Tempos finais de uma diferenciação tao sem sentido!
Sempre admirei seu trabalho , Ju. Sua visão diferenciada e contemplativa sempre nos mostrando as nuances deste esporte apaixonante. Hehe, seus atributos físicos são a cereja do bolo, rsrsrs, afinal Deus foi bondoso com você: inteligente, batalhadora, profissional e bem apessoada :). Brincadeiras a parte, sempre tive a certeza que nós seres humanos somos iguais e estamos nesse planetinha azul perdido no universo de passagem, desse modo, devemos aproveitar a viajem da melhor forma, nos respeitando e aprendendo. Sempre notei sua paciência com os maus-educados de plantão, nunca achei sua atitude “o politicamente correto”, mas uma atitude racional de saber o quão falho somos…creio que feminismo/sexismo/racismo/ abortismo, todos estes ismos, tem o porque de existir, que o diga o fdp do Karl Marx (e “sua” luta de classes), mas sendo racionais, podemos valorizar o outro não pela capa, mas pelo conteúdo, sua capacidade, portanto, gênero, cor, sexo, idade, não nos diferenciam, mas nos unem em uma só raça, homo sapiens. Ps: agora sei o motivo do bom campeonato da Ferrari, kkkk, che bella macchina ou seria uma Ferrari Venturi, oops Ferrari Venturosa 😉
Ah Wagner…
Muito bem escrito a parte do Karl Marx e sua péssima filosofia da luta de classes, quem dera as pessoas lessem mais Sartre e Bakunin ao invés desse péssimo filósofo.
Por vezes acredito que os habitantes desse belo planetinha se encontram loucos de pedra, mas textos como nos da Julianne me lembram que sobriedade ainda existe nesse mundo.
Abraços pros meninos e beijos pras meninas!
Como o Pedro Araujo (e o Atenágoras), adorei essa sua definição Equidade. E amei a construção e concisão da frase. No mais, parabéns por desbravar essa seara com a competência de sempre.
Acho que se a pessoa tem interesse em estudar a complexidade mecânica e eletrônica dos automóveis e quer se aprofundar nesse assunto, independe se é homem ou mulher. Não tem nada a ver. O que tem a ver é o conhecimento, a competência.
Como você, JuCera. Como te achei? Sou da cidade do Correio Popular. Um dia estava lendo o jornal (acredito que de segunda feira) e li uma interessante coluna sua. Fui pra internet e te achei. Só que com um pré-julgamento, um pré-conceito, devido a curiosidade o que uma mulher poderia acrescentar ao jornalismo esportivo, justo na Fórmula 1.
Quebrou minhas pernas. Você é muito mais competente do que eu imaginava. Mais do que vários “especialistas” .
Mas as coisas estão mudando. Anos 70 e 80 o número de mulheres era bem pequeno.
Só que tem uma coisa: Importante isso. Sendo homem, dos antigos, vejo como um marketing forte a presença das sorridentes Grid Girls, principalmente as da MotoGp. Abs.