O cenário da sexta-feira era claro: a Ferrari tinha uma vantagem muito grande nas retas em uma volta lançada, parte por seu modo de classificação que ninguém sabe muito bem como funciona, parte pelo carro gerar menos arrasto que a Mercedes. Mas essa vantagem toda desaparecia nas simulações de corrida, tanto porque a vantagem em si do motor não é a mesma no modo de corrida, quanto pelo desequilíbrio do carro no segundo setor, que fazia Leclerc e Vettel superaquecerem os pneus. Por isso, mesmo fechando a primeira fila do grid, a Ferrari ia para a corrida se sentindo exposta.
Dois fatores mudaram da sexta para o domingo. A Ferrari fez mudanças no acerto do carro que diminuíram o desgaste, e as temperaturas caíram em 10ºC, ajudando Vettel e Leclerc a cuidarem especialmente do composto macio.
Esses fatores atenuaram o sofrimento ferrarista. Mas não seriam suficientes. Era preciso também jogar com a estratégia.
No começo da prova, com os pneus ainda em dia, mesmo com uma fritada na primeira curva, Vettel retomou a segunda posição com facilidade, mas logo Hamilton perceberia que a situação não era tão ruim quanto ele imaginava em relação a diferença de velocidade entre os dois carros. Era só esperar Vettel começar a ter dificuldade com os pneus e atacar.
A briga entre os dois ajudou Leclerc a abrir na ponta tanto no começo, quanto depois do Safety Car. Isso fez com que o monegasco pudesse testar todas as técnicas que vem aprimorando para melhorar seu ritmo de corrida, algo que se tornou seu foco depois de bater Vettel nas últimas seis classificações, mas muitas vezes perder essa vantagem no domingo.
Quando Kvyat abriu a janela de pit stops, ainda na volta 10, a Ferrari ficou com um dilema: Hamilton estava perto o suficiente para tentar um undercut, o que não só obrigaria o time a parar Vettel logo em seguida, como também Leclerc. E ambos os pilotos teriam um longo segundo stint pela frente e estariam expostos justamente à degradação de pneus mais acelerada do que no carro da Mercedes.
Do lado da Mercedes, o undercut só faria sentido se eles tivessem confiança de que ganhariam a posição de Vettel, algo que não era garantido porque o pneu médio demorava para aquecer e a diferença entre os compostos na longa volta de Spa era de pelo menos 1s (diferença essa, claro, diminuída pelo desgaste dos macios, mas quanto?). Além disso, seria jogar fora justamente a vantagem de cuidar melhor dos pneus que a Ferrari.
Mesmo sabendo disso, a Ferrari escolheu a opção mais óbvia para garantir a vitória da equipe. Manter a posição de pista de Vettel à frente de Hamilton após as paradas era o primordial para permitir a Leclerc dosar o ritmo e cuidar dos pneus.
Por isso, quando a Ferrari cobriu a possibilidade de undercut, chamando Vettel aos boxes na volta 15, as Mercedes não responderam. Hamilton, Bottas e Leclerc ficariam ao máximo na pista para se certificarem que teriam pneu até o fim.
Por ter parado primeiro e podendo forçar, sabendo que pararia uma segunda vez pelo menos para ter a volta mais rápida, Vettel acabou tomando a liderança quando todos fizeram seus pit stops, na volta 21, mas era uma liderança que não duraria muito: Leclerc voltou 1s mais rápido por volta e, para evitar qualquer desgaste de pneus desnecessário em uma briga que seria só uma questão de tempo, a Ferrari pediu para Vettel abrir.
O foco do alemão a partir de agora era frear Hamilton e deixar Leclerc escapar. As sete voltas que ele ficaria na frente de Hamilton até o inglês fazer a ultrapassagem foram fundamentais para a vitória de Leclerc, já que ele conseguiu abrir 7s sem forçar muito os pneus. Foi fundamental, também, o trabalho que o monegasco vem fazendo para evoluir no quesito, tentando controlar seu estilo de gera mais saídas de traseira em comparação com Vettel e, consequentemente, mais superaquecimento nos pneus traseiros.
Hamilton, como de costume, não desistiria até o fim: depois de passar Vettel, tirou quase toda a diferença, mas não começou a volta final perto o suficiente. Seria a primeira vitória de Charles Leclerc, uma vitória de ponta a ponta, mas muito mais difícil do que pode ter parecido de fora. Contra um carro que, em teoria, seria mais eficiente na corrida. E com toda a carga de ter perdido um amigo de infância menos de 24h antes.
O quinto lugar acabou ficando com Albon, que largou em 17º. Ele teve de fazer uma corrida paciente, com um motor velho (spec 2, ou seja, o motor pré-França) e pneus médios, esperando os pneus dos demais acabarem. Dali em diante o tailandês foi passando um a um, e não poderia ter feito mais.
O quinto lugar, é claro, veio também com sua dose de sorte pelo abandono, na última volta, de Norris. Ele largara em 11º e se viu em quinto após a confusão da primeira curva. Como os rivais mais próximos no início da prova eram as Haas, que seriam passadas por um a um, acabou “protegido” e podendo fazer seu próprio ritmo.
Enquanto isso, a Renault tentava uma estratégia suicida com Ricciardo, que teve que parar no SC da primeira volta e foi até o fim com o mesmo jogo de pneus. Perdeu muito mais tempo do que se tivesse parado de novo, algo que a Renault fez com Hulkenberg: um chegou em 14º e o outro, em oitavo.
Mas quem saiu de Spa mais decepcionada com a chance jogada fora foi a Alfa, que tinha tudo para pontuar bem pelo menos com Raikkonen, cuja corrida acabou com o toque da primeira volta com Verstappen, e poderia ter saído com dois pontinhos com Giovinazzi, se o italiano não tivesse errado na penúltima volta. Melhor para Sergio Perez, que sempre costuma aproveitar toda brecha que aparece.
Foi uma corrida interessante porque, dependendo do carro e da história da prova de cada um, o pneu aguentou até o fim ou abriu o bico. E são essas diferenças que fazem os carros se encontrarem na pista em situações diferentes, até a última volta da prova.
7 Comments
Ótimo texto Jualinne!
A corrida foi realmente sensacional, a quebra de Norris decepcionante e ver Vettel fritar os pneus no início foi pensar:
“Acabou a corrida dele”
Lendo sua análise, me parece que a Ferrari tentou dar a Vettel um carro no estilo do da Red Bull de 2010 a 2013.
Rápido nas classificações e com bom ritmo na corrida para largar em primeiro e só admnistrar depois.
Só esqueceram da parte que o carro tem que ter um bom ritmo de corrida…
Escrevo, pq salvo enganos, não me lembro dos carros da Red Bull tendo o maior speed trap da corrida desde 2010.
E Vettel fazia exatamente isso:
Largava na frente e admnistrava a corrida com aquele carro absurdamente bem equilibrado.
Talvez por isso a Ferrari disse que não ia parar o desenvolvimento do carro, querem atingir esse equilíbrio, num sei quanto disso pode ser levado para 2021, mas é o que parece.
E impossível não fazer a observação:
Fico contente de perceber que a tristeza pelo acidente na F2 tá passando, esse texto tem mais a sua cara, por assim dizer.
Grande abraço a todos do blog!
Bom dia. Entendi bem? O Albon sofreu punição pela troca de motor,
mas acabou usando uma spec antiga?
Sim, eles levaram a punição para ter o spec 4 à disposição depois. Avaliaram que era bom levar punição em Spa porque dá pra ultrapassar
Eu estava achando que a Ferrari parou o Vettel cedo. Mas depois da sua análise vi que a dobradinha era impossível.
O Vettel é o exemplo que para vencer a Mercedes, a equipe precisa de dois pilotos andando próximos.
O que faltou para o Verstappen na Hungria.
Faz sentido. Obrigado pela reply.
Ju, no final da corrida tive a sensação que com mais 2 voltas o Hamilton passaria, essa diferença foi o safety car das primeiras voltas?
Foi uma daquelas corridas pra torcer até o final. Tem sido um bom campeonato, mas bato na mesma tecla. O que decepciona é a FIA ter mudado as regras de pneus que claramente beneficiou uma equipe que já vinha levando tudo. A Ferrari tinha um deficit de motor enorme e quando conseguiu construir um equipamento a altura, a FIA melou tudo com esses pneus modificados.
Na transmissão Americana os locutores tinham certeza que a Ferrari parou Vettel primeiro para beneficia-lo e foi essa a impressão que eu também tive. Só que parece que não deu certo e tiveram que partir pro plano B.