F1 Estratégia do GP da China e o custo da indecisão da Ferrari - Julianne Cerasoli Skip to content

Estratégia do GP da China e o custo da indecisão da Ferrari

Assistindo ao GP da China, muita gente ficou com a impressão de que a Ferrari é, no momento, uma equipe atrapalhada. E teve até quem apostou que o time prejudicou Charles Leclerc de propósito. Mas os detalhes que surgiram após a prova mostram como a Scuderia foi colocada nas cordas por dois adversários, ao mesmo tempo em que tinha que lidar com seus problemas internos. Sim, na terceira corrida, Leclerc já é um problemaço para a Ferrari. Se é um problema bom de se ter, ou uma bomba de autodestruição ferrarista, é provavelmente a história mais interessante que vamos ver no desenrolar do ano.

O cenário antes da corrida era o seguinte: os pilotos do top 5 tinham escolhido largar com pneu médio para fazer apenas uma parada, mas as mudanças na condição da pista exigiriam a administração do ritmo para executar a estratégia. O circuito da China é muito complicado em termos de pneus principalmente por conta da sequência da curva 13, longa e de alta velocidade, e a enorme reta que a segue: os pneus traseiros se superaquecem na primeira e os dianteiros perdem temperatura na segunda, de ambos os casos causando mais degradação.

Em termos de performance, a Mercedes tinha fechado a primeira fila porque, nas curvas, compensava a vantagem de 0s35 da Ferrari nas retas. E tanto Vettel (que não preparou bem seus pneus), quanto Leclerc (que não ficou feliz com sua volta) sentiram que poderiam ter tirado mais do carro na classificação. Por essa combinação de fatores, a Mercedes temia que seria engolida na longa reta logo nas primeiras voltas da prova.

Mas Leclerc passou Vettel e não tinha ritmo para ameaçar as Mercedes. Quando o DRS foi liberado, a diferença já passava de 3s e Vettel se mantinha andando no mesmo décimo do companheiro, indicando que tinha mais ritmo. Na volta 8, disse isso à equipe, quando o gap já era de 5s8.

É pedido a Leclerc, então, que ele aumente o ritmo. E ele argumenta que os dois estão poupando pneus. O engenheiro de pista do monegasco lhe pede, então, que use um modo mais potente de motor e o turbo (comando geralmente usado para possibilitar ultrapassagens). Logo depois, de cima, vem a ordem pela inversão, na volta 11.

Quando Vettel toma a dianteira, seus pneus já estavam superaquecidos e ele tem dificuldades em mostrar o ritmo que achava ter e agora era Leclerc quem destroçava os seus, ainda seguindo a instrução de usar o motor em um regime maior. Isso claramente demonstra cada lado da garagem jogando para si o que, somado ao titubeio da chefia, leva ao seguinte cenário: na volta 16, as Mercedes desapareceram na frente – Hamilton tem 12s de vantagem para as Ferrari – e Max Verstappen está a 3s4 de Vettel e a 2s de Leclerc, e os dois ferraristas gastaram mais pneu do que deveriam em todo o seu imbróglio. Para completar, o undercut na China está na região de 2s5 a 3s. Ou seja, se um piloto antecipar a parada, ganha, em uma volta pelo menos 2s5 em relação ao rival que ficou na pista.

Vendo a oportunidade, a Red Bull para Verstappen e muda a estratégia da corrida. No momento em que Max entrou nos boxes, a posição de Leclerc já estava perdida – ou seja, mesmo se ele entrasse na volta seguinte, já voltaria em quinto. Coube à Ferrari defender a posição de Vettel, parando-o logo em seguida, e até ele teve trabalho para se manter à frente do holandês.

A parada de Max e o ritmo que ele agora forçava o top 3 a adotar estava impossibilitando que a corrida tivesse só uma parada para esses pilotos. Mas Leclerc já estava atrás de todos e, se conseguisse levar o pneu até a volta 30, economizaria cerca de 20s fazendo uma parada a menos. A tentativa ferrarista foi mantê-lo na pista, mas o monegasco perdeu 8s entre as voltas 18 e 21, o que fez o time mudar de ideia.

É fácil entender por que os pneus dele não aguentaram depois das alternâncias de ritmo das primeiras voltas da corrida, o que mostra que a demora da Ferrari em dar a ordem tirou qualquer chance de Vettel tentar um ataque nas primeiras voltas e de Leclerc de pelo menos tentar manter o quarto lugar.

Mas por que eles titubearam com essa ordem? Seria, e acabou sendo, a segunda em três corridas – neste texto explico por que o Bahrein foi diferente – e parece haver um racha instalando-se em Maranello. Não é como no passado, com Schumacher e Alonso, em que o time tem com clareza que deve apostar todas as fichas em um piloto.

Leclerc é o primeiro titular que vem da FDA, a academia de pilotos ferrarista, e ainda tem por trás a família Todt. E está fazendo um grande trabalho logo de cara, ao lado de um Vettel que enfrenta questionamentos após os erros especialmente do último ano. E não é por acaso que, na China, Leclerc deixou seu descontentamento muito claro via rádio. Ele sabe que tem capital político para isso.

Não que os problemas ferraristas acabem por aí. Eles veem muito potencial no carro pela maneira como ele funcionou nos testes, mas ainda não conseguiram replicar isso na temporada. Mas essa é a especialidade de Binotto. Administrar pilotos ele já admitiu que é a parte mais difícil de seu novo cargo. Ainda mais com esses dois andando tão próximos como estão.

10 Comments

  1. A descrição da corrida mais esclarecedora que li até agora, creio ser a definitiva.
    Parabéns!

  2. Excelente explicação….Não há igual na imprensa brasil

  3. Espetacular 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

    Como dirá Silvio Luiz.

    Julianne!!! O que é que só você viu???

    Parabéns bela análise.

    • Rsrsrs…. é bem isso.
      Ela consegue analisar o movimento das peças no tabuleiro.
      Enquanto isso a dupla do canal oficial com mais de 500 GP’s nas costas ficam se auto bajulando, falando de pilotos que (com todo respeito) já partiu a 25 anos e coisas que não acrescentam em nada ao torcedor mais antenado.

      Parece o programa da Sônia Abraão em versão esportiva.

      • As vezes eu penso em desistir de vez das corridas, mas quando vejo uma análise dessas …..

  4. lúcida análise, parabéns

  5. Eu tive uma sensação parecida com o da Julianne, enquanto eu acompanhava a live do Grande Prêmio no domingo.

  6. Ótima análise como sempre Julianne!
    A indecisão da Ferrari de definir seus pilotos 1 e 2 cai custar muito lá na frente, primeiro Vettel dá espaço para LeClerc, depois LeClerc para Vettel…
    Perdeu-se o que nessa brincadeira? 7 pontos?
    Fiquei um pouco chateado e decepcionado com a largada do Bottas nessa corrida, além de estar na torcida por ele esse ano, ele sempre larga bem em geral, mas veio com aquela desculpa da tinta na linha de largada. Houve mais algum comentário sobre isso no Paddock?
    Como sempre é bom observar tudo, é incrível que a academia da Ferrari exista a tanto tempo quanto às outras e só agora revela um piloto decente, enquanto a Red Bull revelou quase 40% do grid atual, a McLaren sempre tem um bom nome todo ano e a Mercedes também.
    Diferença fenomenal das aademias de pilotos.
    Grande abraço a todos do Blog!

  7. Achei que eles demoraram muito na 2a. parada do Leclerc, ele estava a 3s do Max, quando o Max parou pela 2a. vez… Naquele ponto ele tinha descontado uma vantagem de 13s para 3s… Se parassem ele na sequência do Max, ele voltaria próximo para tentar o ataque no final…. Como demoraram, ele voltou longe e não houve tempo…. De QQ forma, está muito interessante essa temporada pela batalha Leclerc/Vettel… Se a Ferrari melhorar um pouco, teremos uma temporada interessante.

  8. Ótima análise, mas poderia falar também das decisões estratégicas do meio do campo.


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