Antes de começar com qualquer explicação sobre o GP do heptacampeonato e uma das maiores vitórias de Lewis Hamilton na carreira, é preciso entender por que a corrida da Turquia não foi apenas uma corrida com pista molhada. Na verdade, ela pouco teve a ver com isso.
Tudo começa com a decisão de refazer o asfalto da pista a 10 dias da prova, bem depois que a Pirelli tinha optado levar os três compostos mais duros da sua gama, e sem que o novo asfalto tivesse tempo ou mesmo fosse usado (antes e durante o fim de semana da corrida) para ajudar na sua maturação. Ah, e a opção foi por um asfalto mais liso. E as temperaturas ficaram entre 12 e 16ºC por todo o fim de semana, com o céu nublado pela maior parte do tempo. Todos esses fatores apontavam para a mesma direção: diminuir a aderência do asfalto.
Quando não há tanto atrito entre o asfalto e o pneu, é mais difícil gerar temperatura. E os pneus da F1 são famosos por funcionarem em uma janela de temperatura muito pequena. Já há queda de rendimento quando o pneu cai 2, 3 graus abaixo dessa janela. Na sexta-feira, os pilotos estavam tentando rodar com pneus pelo menos 30ºC abaixo do que deveriam. Não foi por falta de braço que estava difícil permanecer na pista.
Isso foi antes de a chuva chegar, e diminuir ainda mais a aderência e a temperatura. Pelo menos, havia um consolo: tanto o pneu de chuva, quanto o pneu intermediário precisam de menos calor para entrar na janela ideal. Isso seria fundamental para a corrida.
E por que digo que não foi uma corrida de chuva e, sim, de temperatura, se a pista estava molhada na classificação e na corrida? Porque, sob condições normais na chuva, destaca-se o piloto que consegue entender qual é a linha ideal, com mais aderência, fora da trajetória normal. No asfalto “jovem” da Turquia, isso não existia. O que o piloto tinha de controlar era a temperatura de seus pneus.
Isso explica porque, mesmo sem tanta água, a maioria das equipes fez seus melhores tempos com pneus de chuva: eles funcionam com temperaturas mais baixas que os intermediários, e o carro da Racing Point foi o que conseguiu “acionar” os intermediários, que eram os melhores para aquela condição de pista e… bingo! Stroll na pole e Perez em terceiro.
No domingo, a chuva que caiu antes da largada não deixou dúvidas que o melhor seria começar com os pneus de chuva, mas, com os carros andando e sem mais água no radar por algum tempo, logo as condições já levariam todos a trocarem para os intermediários, para a alegria da Racing Point
No começo, Stroll e Perez, sem spray, abriram como se fossem as Mercedes originais, mesmo tendo o piloto do time no ano que vem, Sebastian Vettel, servindo como escudeiro (não por querer, obviamente) depois de ter uma largada sensacional, indo de 11º para terceiro. Na oitava volta, quando Vettel foi para os boxes, a diferença para Verstappen, que vinha em quarto, já beirava os 15s. A parada de Vettel veio depois que seu companheiro, Leclerc, tinha parado e vinha sendo o carro mais rápido da pista, o que começou a ajudá-lo a se recuperar do que era a 14ª colocação antes do pit stop.
Além de ter a “ajuda” de Vettel, seria o começo de algo que marcaria a prova: os carros que jogam temperatura mais rapidamente nos pneus, como as Racing Point e as Ferrari, conseguiam ser rápidos logo de cara, enquanto os carros mais equilibrados (Red Bull e principalmente, Mercedes) jogam temperatura de modo mais gradual nos pneus, o que é uma vantagem sob todas as condições, mesmo o asfalto pouquíssimo aderente da Turquia.
A Mercedes já tinha reagido rapidamente com Bottas, e logo depois o fez com Hamilton, que parou junto de Vettel. Sem o alemão a sua frente, Verstappen vinha sendo até 2s mais rápido que as Racing Point, que logo pararam também, assim como o holandês. Logo depois, a corrida foi neutralizada por um VSC.
Volta 15 e a situação é a seguinte: Stroll lidera com 9s de vantagem para Perez, que fez uma volta 3s mais lenta que os demais quando o VSC estava acabando e viu Verstappen tirar a diferença entre os dois. Albon tinha passado Hamilton e Vettel de uma vez e o trio estava a cerca de 19s da liderança. Hamilton não só não entendia por que não conseguia passar Vettel, como sofria com graining. Faltava tanta aderência que ele até achava que havia algo de errado nos seus freios.
As coisas só começaram a melhorar para Hamilton depois, ironicamente, que o ritmo dele era tão ruim que Vettel começou a escapar, lá pela volta 25. Podendo fazer seu próprio ritmo por uma sequência de voltas, os pneus dele começaram a entrar na temperatura correta. Vettel também estava andando forte, assim como Albon, enquanto algo estranho parecia acontecer lá na frente: Stroll ia perdendo sua vantagem, com um ritmo muito ruim, e Verstappen já tinha saído de combate devido a uma rodada que o obrigou a parar pela segunda vez.
Stroll julgou que a dificuldade que tinha para pilotar era um sinal de graining, mas a equipe descobriu depois que se tratava de um pedaço da parte de baixo da asa dianteira que tinha se quebrado e ficado em uma posição ruim para a aerodinâmica do carro. Com tantos fatores afetando os dados da telemetria, não sabiam direito de onde vinha a perda de rendimento.
Isso explica por que o time decidiu parar Stroll, depois de discutir com o piloto por algumas voltas. Afinal, na volta 35, a vantagem dele para Perez era de menos de 1s e Leclerc, já em nono a essa altura, tinha novamente decidido parar e era de 2 a 4s mais rápidos que todo mundo.
Como o problema de Stroll não eram os pneus, no final das contas, trocá-los não melhorou a situação. Na verdade, dentro do contexto da prova, até piorou: pneus novos tinham mais propensão a sofrer com graining porque a pista estava secando e fazendo com que a temperatura dos intermediários subisse mais rapidamente do que na primeira fase.
A maioria dos pilotos só percebeu isso quando trocou para um jogo novo de intermediários, teve um pouco mais de aderência no começo, e depois não conseguiu manter o ritmo por conta do graining.
O primeiro piloto a parar na segunda rodada, Leclerc, saiu do box em nono na volta 30, ganhou as posições de Ricciardo e Sainz quando eles pararam, e depois foi escalando, na pista, o restante: passou Albon e Stroll na mesma volta, depois Vettel, herdou a posição de Verstappen após sua terceira (e desnecessária) parada, e depois pagou por isso, sofrendo no final. Na tentativa de brigar com Perez, escorregou e viu Vettel lhe roubar o pódio. Andando sem trânsito na frente, o alemão fez uma corrida sem erros.
Foi um pódio merecido junto de Hamilton e Perez, que entenderam no meio do caminho qual era a chave da corrida. Os dois são famosos por lidarem muito bem com os pneus Pirelli, e mais uma vez mostraram isso. Mas é claro que as atenções recaem mais sobre Hamilton porque, quando ele entendeu o que estava acontecendo, seu ritmo foi absolutamente incrível. Ok, a Mercedes é muito melhor que sua cópia, mas não 2s mais rápida. Na volta 34, ele estava pouco menos de 5s de Perez. Na 44, ele estava quase 18s na frente, diferença que chegaria a 31s no final.
Foi tanta folga que a Mercedes até lhe ofereceu uma parada por segurança, já que ele temia que os pneus explodissem. Mas o inglês lembrou de como perdeu o título de 2007, naquela entrada do box na China, e decidiu seguir na pista. Foi uma corrida em que experiências do passado serviram mais para os detalhes mesmo, já que a situação de pista era bastante única. Mas os detalhes fizeram uma baita diferença no GP da Turquia.
2 Comments
O SC foi meio Mandraque … o carro, de não me lembro quem, parou num local de “escape” e uma empurradinha, pronto, tava fora de alcance! Mas o Masi deve ter dado alguma ordem pra “aumentar a audiência”…..meu Deus!
O SC foi meio Mandraque … o carro, de não me lembro quem, parou num local de “escape” e uma empurradinha, pronto, tava fora de alcance! Mas o Masi deve ter dado alguma ordem pra “aumentar a audiência”…..meu Deus!