Não sei se todos têm familiaridade com este termo, emprestado do inglês “to fail up”. É quando uma série de falhas acabam ajudando você a subir na carreira de alguma maneira. Então não é por acaso que David Pedro, do “Fórmula Portugal” usou esse termo para definir o que aconteceu com Sergio Perez em 2020, iniciando a terceira semana do Blog Takeover, um mês inteiro em que quem manda no blog são vocês.
Com a contratação de Sergio Pérez pela Red Bull na última semana, o último dos lugares disponíveis do grid da F1 ficou finalmente ocupado (sendo que apesar da peculiaridade da situação negocial entre a Hamilton e a Mercedes, pouco se duvida da renovação). E depois da temporada de 2020 do mexicano, teria sido uma suprema crueldade vê-lo sem espaço no grid de 2021. Mais ainda quando se tem em conta toda a situação da Racing Point que levou Pérez a ficar sem espaço.
Com a disponibilidade do 4-vezes campeão Sebastian Vettel e o filho Lance no outro lado da garagem, Lawrence Stroll tomou a decisão que surpreendeu Pérez mas de algum modo não o paddock: rescindiu o contrato de 3 anos assinado com o piloto no ano anterior. Na altura, com Lance ainda na frente de Pérez, até não pareceu tão indefensável assim, mas rapidamente uma inversão ocorreu quando o mexicano se lançou numa sequência notável de resultados, culminando na vitória tardia mas não menos merecida em Sakhir.
Independentemente das considerações sobre as ramificações que a decisão da saída de Sergio Pérez poderá vir a ter para todos os envolvidos, a Fórmula 1 teve em 2020 a caricata situação de ver um piloto despedido quando terminou o campeonato na frente do colega. E não pela primeira vez.
Bom trabalho. Adeus.
São várias as ocasiões em que líderes de equipa optam por trocar de volante, geralmente por carros mais competitivos (Alonso ao passar da Renault para a Ferrari em 2010, por exemplo) mas a última vez que a F1 passou por uma situação como a de Pérez foi em final de 2016 e 2017 na Sauber. Os logos da marca Silanna estavam nas asas traseiras dos carros suíços por influência de Marcus Ericsson. O piloto sueco foi batido convincentemente primeiro por Felipe Nasr e depois por Pascal Wehrlein na equipa, mas conseguiu permanecer ao contrário destes pelos fundos que movia para a equipa. Quase fez o mesmo em 2018 (quando Charles Leclerc o arrumou a um canto), só que aí a Ferrari puxou os cordelinhos para que a equipa optasse por Antonio Giovinazzi.
Antes, em 2014, Jean-Éric Vergne vira-se na infeliz posição de ter sido preterido face à perspetiva da contratação de Max Verstappen para o programa de jovens da Red Bull. A marca de bebidas energéticas teve que escolher entre manter Vergne ou Daniil Kvyat na equipa. Kvyat estava na primeira temporada de F1 ligeiramente atrás do francês, mas a Red Bull acreditava que teria mais potencial que o colega de equipa mais experiente. Vergne ironizou depois do anúncio que talvez não devesse ter deixado crescer a barba para parecer mais jovem.
Com Kvyat a ser largado este ano pela segunda vez pelo programa Red Bull e Vergne com dois títulos de Fórmula E pela Techeetah, fica difícil defender a posição dos austríacos aos olhos de hoje.
3 anos antes, em 2011, Nick Heidfeld fez a sua última corrida na F1 ao saltar do seu Renault em chamas no Grande Prémio da Hungria. Tendo sido escolhido pela marca para substituir o lesionado Robert Kubica no início do ano, Heidfeld sabia não ser a grande escolha da marca. Apesar disso estava na frente do colega de equipa Vitaly Petrov, ainda que a chefia tenha considerado não estar o suficiente adiante dada a falta de andamento do russo para com Kubica (antes da lesão). Isso e a vontade de ver o nome Senna associado às cores da Lotus-Renault levaram-no a ser substituído por Bruno Senna a meio do ano.
Quem também foi corrido a meio da temporada foi o alemão Heinz-Harald Frentzen em 2001. Tendo brilhado ao serviço da Jordan em 1999 quando chegou a estar na corrida ao título, o piloto ficou estupefacto com o seu despedimento a meio de 2001. Nessa temporada era difícil dizer que o colega Trulli estivesse a fazer um melhor trabalho, mas o alemão terá tido discussões sobre decisões técnicas com a chefia (alegadamente chegando a oferecer pagar ele própria algumas alterações que queria) e a lesão que o retirou de uma prova também não ajudou.
A decisão de rescisão da parte de Eddie Jordan foi a apenas 4 dias do Grande Prémio da Alemanha, para juntar acrimoniosidade à situação. Anos mais tarde Jordan confirmou um rumor da época: que a Honda andara a pressionar para ter um japonês na equipa. O piloto do Japão, Takuma, Sato assinou pela equipa para 2002. Já Frentzen conseguiu ir para a Prost nas corridas finais de 2001.
Ao contrário de Frentzen, Alain Prost fez mais por merecer a sua demissão em 1991. Depois de se juntar à Ferrari em 1990 e ter levado o título até à penúltima corrida com Ayrton Senna (perdeu quando Senna colidiu com ele, o que deu o triunfo no mundial ao brasileiro), Prost viu o Ferrari 642 do ano seguinte ser um projeto falhado. Apesar de ter terminado no 5º posto do campeonato com 5 pódios, na frente do colega Jean Alesi, Prost cometeu o erro fatal para pilotos da Scuderia: insultou o carro. O francês ainda insistiu que se tinha tratado de um erro de tradução, mas a Ferrari não gostou da palavra “camião”, independentemente do contexto, e despediu-o com efeito imediato.
Mas o caso mais famoso de uma situação “a la” Pérez foi o de Damon Hill em 1996. Líder do campeonato, e com grandes probabilidades de o vencer contra o colega de equipa estreante Jacques Villeneuve, Hill recebeu a informação da equipa Williams de que seria substituído pelo
anteriormente mencionado Frentzen para 1997. Vice-campeão dos dois anos anteriores, Hill ficou incrédulo. Mais ainda quando o chefe da McLaren, Ron Dennis, ofereceu um contrato sem rendimento base para o inglês (apenas com bónus por corrida).
Se é certo que o paddock acreditava que com os Williams de 1994 e 1995 Hill deveria ter feito melhor contra Michael Schumacher e a Benetton, a verdade é que o piloto tivera que lidar com ser tornado chefe de equipa com a morte inesperada do colega Senna e soube tomar a carga nos ombros com confiança. A Williams acreditou que podia conseguir mais rendimento de Frentzen,
mas a verdade é que Hill venceu o título de 1996 e levou o número 1 para a Arrows, enquanto Frentzen ficou apenas 2 anos na equipa com uma única vitória.
De volta a Pérez
Um padrão emerge quando se compara a situação de Sergio Pérez com a de pilotos de outrora. Regra geral, num meio tão competitivo como a Fórmula 1 em particular, não premiar pilotos que provam ser capazes de obter resultados com a sua manutenção sai caro às equipas no longo prazo.
Se é certo que estas decisões se podem observar ao longo da história da categoria com frequência, é difícil não ficar alarmado com a proliferação de pilotos de famílias como a de Stroll ou Mazepin, que não se limitam a patrocinar equipas, mas também a comprá-los, interferindo de modo cada vez mais direto nas decisões das equipas.
A Racing Point de Stroll parece ser um caso distinto na história da F1, em que poderemos ver um piloto com 4 anos de F1 (em que foi derrotado por colegas de equipa em 3) como Stroll “falhar para cima” com tanta frequência que se arrisca a ficar com material competitivo nas mãos…
Resta ver como será contada a história da rescisão Pérez dentro de alguns anos.
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Aqui no Brasil temos a expressão “cair para cima”, bastante usada no meio futebolístico.