Ninguém arriscava condenar ou apoiar a estratégia da Ferrari de sacrificar a classificação para largar com os pneus médios antes da largada do GP da Alemanha. Afinal, o calor trazia uma variável imprevisível para o domingo.“Acho que esse Kimi Raikkonen vai dar trabalho com essa Lotus que gasta menos pneu e neste calor”, avisa Galvão Bueno, na Globo. “E deve fazer uma parada a menos”, completa Reginaldo Leme. “Eu aposto no Vettel, que tem três títulos, ganhou 29 provas e nenhuma na Alemanha.”
Para Martin Brundle, comentarista da Sky Sports britânica, “Webber tem uma grande chance de vencer, pois o ritmo dele na sexta era incrível, só não acertou na classificação. Grosjean também esteve rápido por todo o final de semana e sabemos que não podemos subestimar Kimi. O interessante será ver se as Ferrari, Massa e, principalmente, Alonso, conseguem se livrar rapidamente de Ricciardo e se manter perto dos líderes.
A animação de Pedro de la Rosa, comentarista da Antena 3 espanhola, com a estratégia ferrarista diminui quando vê pilotos como Perez e as Force India com pneus macios no meio do pelotão. “Me surpreendeu muito os carros que vão atrás e largam com macios. Não é bom para nós, pois quanto mais pilotos com médios, mais tráfego é gerado para quem larga com macios. Mas segue sendo uma boa estratégia para chegar ao pódio.”
O narrador espanhol Antonio Lobatoacredita que é possível diminuir a diferença no campeonato e lembra que Alonso é segundo na tabela “mesmo sem ter largado nenhuma vez na primeira fila”.
A empolgação acaba quando Vettel e Webber pulam na frente de Hamilton na largada. “Olha como largaram os Red Bull! Vettel se coloca em primeiro… ui, ui, ui”, exclama Lobato. “É impressionante como o Massa larga bem”, prefere destacar Galvão. “As duas Mercedes foram mal e Webber foi o melhor dos três primeiros. Havia muita diferença de aderência entre aqueles que largaram com os médios”, observa Brundle.
O comentarista, Lobato e Rubens Barrichello percebem quando, no fundo da imagem, alguém roda. “Foi uma Ferrari, não?”, pergunta Brundle. “Teve [uma rodada] e eu já ia mudando o ritmo da voz porque vi que era o Felipe”, diz Galvão, enquanto Lobato não esconde o alívio. “Paramos de respirar um pouco, mas isso é ruim para a Ferrari de qualquer jeito. Perdemos um carro.”
Todos chamam a atenção para a forma como Massa rodou e o fato do brasileiro não ter conseguido voltar à pista. “Foi muito estranho, ele escapou antes da curva, na freada, escorregou para a direita e rodou para a esquerda”, descreve Brundle. “Vimos essa Ferrari rodando para a esquerda duas vezes em Mônaco”, lembra o narrador britânico David Croft. “É uma freada forte, pode ter perdido o carro porque o pneu não estava na temperatura, mas é estranho que não tenha continuado, talvez o câmbio tenha quebrado”, acredita De la Rosa. “Alguma coisa deve ter acontecido. É muito difícil que o piloto tenha rodado sozinho e o carro, desligado”, aponta Barrichello.
Galvão diz que há uma informação não oficial de que Massa teria dito via rádio que “o motor apagou e o câmbio travou”. E Barrichello explica que o anti-stall não deve ter funcionado. A bronca com a falta de informações vindas da Ferrari e a suposição de que isso se deve ao fato de ter havido um problema técnico no carro duram até o final da transmissão brasileira.
Os espanhóis, por sua vez, lamentam que Vettel tenha feito sua parada e voltado à frente de Rosberg, que usava pneus médios e poderia frear o alemão. Mas a estratégia logo ficaria em segundo plano quando uma roda solta do carro de Webber atinge um cinegrafista nos boxes. “Estão pedindo para que pare… olha o câmera, o impacto foi muito forte! Que perigoso, está passando muita coisa no meu coração. Esperamos que ele esteja bem, estou olhando mais o pit do que a corrida”, se desespera Lobato.
Os repórteres de pista logo agem e dão as notícias de que o profissional está fora de perigo. As atenções voltam, então, à corrida. Galvão se impressiona com início de prova de Grosjean, assim como Barrichello. “Não era esperado e ele conseguiu até mais que o Raikkonen, que geralmente consome menos pneu que ele.” Ambos acham que ele pode fazer uma parada a menos.
A prova do francês também anima os britânicos. “Grosjean está voando, ele se colocou na luta pela vitória ao ficar na pista. Ele não está lutando pelo campeonato, então sabe que pode arriscar numaeventual briga com Vettel.” Mas De la Rosa não está tão feliz ao ver o piloto da Lotus se segurando na pista com os pneus macios. “Não gosto nada de ver Grosjean líder com esses pneus durando. E Vettel se livrou muito facilmente do tráfego. Isso não é bom.”
De fato, os compostos estão durando muito mais que o esperado. “Novamente, os pneus não estão rendendo como era previsto, talvez por causa da temperatura da pista. Grosjean aguentou mais tempo com os macios do que Alonso com os médios”, observa Brundle.“Estamos vendo que a Mercedes não resolveu suas questões com os pneus, pelo menos sob essas temperaturas.”
Grosjean para e segue veloz. “Rimos quando Grosjean falou que era mais rápido que Raikkonen, mas parece que era verdade”, diz De la Rosa. “E agora pode dizer que é mais rápido que Vettel”, completa Lobato.
Para piorar para os espanhóis, Alonso fica preso no tráfego de Hamilton quando precisava recuperar terreno.“Minha nossa, quanto tempo estamos perdendo! Falta velocidade de reta para passar!”, se desespera De la Rosa. “Eles estão se atrapalhando, o que é uma pena. Mas Hamilton tem de mantê-lo atrás”, crê Brundle. Quando Hamilton diz no rádio ao engenheiro que está “forçando”, Lobato diz: “Isso estamos vendo, está bem até demais.”
Mas o inglês também estava detonando seus pneus e tem de parar. “É uma decisão do piloto, talvez com uma visão de corrida pior, mas querendo um melhor rendimento para o carro”, defende Barrichello, enquanto o repórter britânico Ted Kravitz esperava que Hamilton colocasse pneus macios na segunda parada e se surpreende porque coloca médios. “Eles vão fazer três paradas, o que vai ser um pesadelo.”
Mais uma vez as estratégias ficam de lado por mais uma cena inusitada: “Olha o carro descendo sozinho. Que perigo!”, diz um incrédulo Barrichello. “Vimos muitas coisas neste ano, mas carro andando sem piloto…”, estranha De la Rosa, enquanto Brundle e Reginaldo pensam a mesma coisa. “A ironia é que o carro parou sozinho em um lugar mais seguro do que quando resolveu voltar à pista sem seu piloto”, diz o inglês quase simultaneamente ao brasileiro. “Pareceu um carro inteligente, que resolveu ir para um lugar mais seguro.”
O SafetyCar é chamado e Galvão vê Raikkonen e Alonso se dando bem “porque eles estavam um pouco afastados”, mas Barrichello lembra que quem mais lucrou mesmo foi Webber, algo que também chama a atenção dos ingleses. “Ele recuperou a volta, agora só falta o pelotão todo”, brinca Croft.
A paralisação e o fato da grande maioria ter usado o SafetyCar para antecipar suas paradas confunde a cabeça do time da Sky,que continua insistindo na possibilidade de alguém tentar fazer duas paradas até Grosjean parar, pois acreditavam que seria possível ir até o final com um stint de mais de 30 voltas. “Imagino se essa parada é uma estratégia para liberar Raikkonen em cima de Vettel”, diz Kravitz. “Mas daí deveriam ter parado Kimi. Isso pode dar certo para Grosjean”, o repórter se perde.
Galvão também não compreende como o final está se desenhando, especialmente quando Raikkonen não responde às paradas de Vettel e Grosjean. “Se o Kimi der umas três voltas rápidas, pode voltar na frente”, diz o narrador, corrigido por Barrichello. “Não vai conseguir porque Vettel volta com pneu novo. Vettel parou na verdade reagindo à parada do Grosjean.”
Quem coloca os pingos nos is é De la Rosa, logo após a relargada. “Todos vão ter de fazer mais uma parada, mas fica a dúvida se é melhor colocar o médio ou o macio. Fernando não tem escolha, então tem de tentar estender o stint com médios para evitar o graining no final, com macios.”
Falando durante a parada de Grosjean, o espanhol novamente acerta. “Eles podem optar por esperar um pouco e colocar o macio… (nesse momento, Grosjean para). Se ele está entrando agora, tem de colocar os duros. E Vettel, o que faz? Porque agora Kimi deve continuar e colocar os macios no final. Isso seria a jogada mestre. É como um jogo de xadrez, mas a Red Bull só tem uma peça e a Lotus, duas.” Lobato se orgulha do comentarista. “A Lotus está ouvindo o mestre De la Rosa. Devem estar nos assistindo.”
Mesmo com o passar das voltas, os britânicos insistem que Kimi deve tentar ir até o final. “Se Kimi não quiser parar, seriam 36 voltas, algo que ninguém fez e seria uma viagem ao desconhecido para a Lotus, mas eles poderiam fazer. Se pararem, eles precisam de 16s5 [para voltar à frente de Vettel]”, calcula Kravitz. “Tenho certeza de que Kimi vai querer ir até o final com esses pneus”, aposta Brundle.A dupla acha que Lotus errou ao não ter parado Raikkonen, e Kravitz só fala na possibilidade de colocar pneus macios momentos antes da parada do piloto, justamente quando o repórter considerava mais lucrativo manter-se na pista. “Ah não! Os mecânicos da Lotus estão no pit e os pneus são os de Kimi!”, se decepciona.
Quem também não acreditou muito na estratégia de colocar pneus macios no final foi Galvão. “Alonso pode, quando muito, chegar em quarto ou quinto”, afirmou, logo depois da parada do espanhol. “A corrida vai caindo no colo do Vettel”, diz o narrador, pouco antes de se surpreender por ver Kimi perto após a troca. Já Lobato acha que Alonso está em lucro com o quarto lugar. “O pódio é possível e podemos sonhar com todas as posições do pódio, depende do quanto esse pneu vai durar.”
E a discussão agora é sobre a atitude da Lotus, que tem Grosjean em segundo, mas Raikkonen bem mais rápido em terceiro. “Esportivamente pode não ser o melhor, mas precisamos ver como a Lotus vai gerir a disputa entre os dois pilotos, porque eles podem perder a corrida se permitirem a briga entre eles. Para nós interessa que eles consigam ir para cima de Vettel”, diz Lobato.
Quando vem a ordem, Barrichello defende que “o piloto não deve gostar de ouvir isso”, mas Galvão discorda. “A gente não pode ser tão purista assim. O outro está mais rápido e está lutando pelo campeonato. Ele tem chance de ganhar corrida e ele não.” Mas o ex-F-1 não se entrega. “É uma visão que a equipe tem, mas o piloto dentro do carro, não.”
Mesmo a contragosto de Grosjean, Kimi é segundo e vai para cima de Vettel. “Vamos, Kimi, nos dê uma disputa até a bandeirada!”, torce Brundle. “Vamos, Kimi! Vamos, Kimi!”, De la Rosa faz coro. Mas Vettel mostra que tem reservas e consegue se manter na frente para vencer a primeira em casa. “Faltaram voltas para Raikkonen porque é Vettel que vai vencer hoje. Ele nunca tinha vencido na Alemanha, nunca tinha vencido em julho. Esqueçam disso!”, diz Croft.“Foi importante porque ele costuma vencer fácil e hoje teve de lutar e o fez muito bem”, elogia Lobato.
Enquanto os brasileiros ficam discutindo uma possível irregularidade com a parada de Alonso logo após a bandeirada, De la Rosa mostra outra preocupação. “A chave é que os pneus macios foram muito melhor do que esperávamos, o que fez com que nossa estratégia não fosse tão boa. Mas também nos falta dois ou três décimos por volta em ritmo. Quando as temperaturas subiram, ficou claro que a Mercedes não resolveu seus problemas e a Lotus cresceu. Quem se mantém forte é a Red Bull. Temos de tirar essa diferença.”
Mesmo com um carro que tem se mostrado a única constante em etapas tão diferentes nos últimos dois meses, a consistência de Vettel impressiona. “Onde ele vai chegar?”, pergunta Brundle. “Tem 30 vitórias aos 26 anos e acho que ainda vai atingir seu pico no final dos 20 anos ou começo dos 30. Vemos o Alonso, na minha opinião, ainda melhorando hoje em dia, ainda que a Ferrari não tenha ritmo.”
Onde o alemão pode chegar é difícil de saber no momento, mas pelo menos Reginaldo não acredita que alguém vá incomodá-lo em breve. “A Hungria é a pista típica para o carro da Red Bull, então Vettel pode dar um passo maior rumo ao título.”
6 Comments
Olá Julianne, é sempre um barato acompanhar esse post. Estava com saudades dele. É legal ver o ponto de vista de três equipes de transmissão diferentes.
Obrigado por sempre nos dar este importante post. Pena que ficou faltando o de Silverstone. Mas aí é querer demais, né, afinal, você estava lá e com apenas uma semana entre uma corrida e outra.
Sobre a Marussia descendo a ladeira de ré, a F-1 tem alguns lances pitorescos como a capotagem de Taki Inoue em Mônaco quando era rebocado para os boxes, e o mesmo Inoue foi atropelado pelo carro médico na Hungria.
Um abraço e parabéns pelo seu brilhante trabalho!
Fantástico. Novamente, essa seção sendo muito aguardada. Parabéns Ju.
Fora a torcida, De La Rosa me parece o comentarista com a visão mais técnica e sensata…
O foda é que o De la Rosa vive o mesmo conflito do Ronaldo nas transmissões de futebol da Globo: assim como o brasileiro é agente de alguns jogadores da seleção, o espanhol é empregado da Ferrari. Acho muito controverso isso.
Em Abu Dhabi/2010, Marc Gené estava claramente pisando em ovos ao analisar o erro estratégico da equipe.
Sem dúvidas, mas nessa hora a verdade deve prevalecer.
Fantástico!