Com Hamilton largando em último, a expectativa de todos era de uma corrida movimentada. Mas ninguém podia esperar o que estava por vir no GP da China. “Muito do que Hamilton pode fazer depende do que ele vai ganhar nessa primeira volta. Aposto que ele vai terminar a primeira volta em 15º”, diz Pedro de la Rosa na Movistar espanhola, segundos antes da largada.
“Rosberg tenta largar bem, mas olha o Ricciardo”, Luis Roberto se surpreende na Globo. “E agora o toque…. Raikkonen foi parar lá fora e parece que o toque foi com o Vettel. E olha o Hamilton… não podia se envolver em confusão. Não se ganha corrida na largada, só se perde!”
O resultado da “primeira curva caótica”, como definiu Martin Brundle na Sky Sports britânica, foi Ricciardo tomando a ponta, com Rosberg em segundo e Kvyat em terceiro. A Ferrari perdeu com o toque entre seus pilotos, com Raikkonen levando a pior e indo para o fundo do pelotão, junto de Hamilton. Ambos tiveram que trocar suas asas dianteiras. “”Lewis já teria uma tarde difícil antes da largada, agora está ainda pior”, avalia Brundle. “Era muito importante para o Hamilton passar ileso na primeira volta porque ele iria ganhar pelo menos 10 posições rápido”, acredita Luciano Burti, na Globo. “Isso não fazia parte dos planos. Dos planos de ninguém na verdade”, lembra De la Rosa.
Na briga pela ponta, os ingleses não acreditam que Rosberg precisa se arriscar. “Com esse pneu [o macio, contra o supermacio da Red Bull], Rosberg não deveria assumir nenhum risco com Ricciardo. Tudo o que acontece no campeonato está caindo no colo de Nico”, vê Brundle.
Instantes depois, a tese do comentarista ganha mais um ingrediente, quando o pneu do carro do australiano fura e facilita ainda mais a vida de Rosberg. “Que tragédia para Ricciardo!”, exclama o narrador britânico David Croft. “Provavelmente ele passou em cima de algum destroço. Mas ele teve relativa sorte por ter sido perto do pit”, acerta o narrador espanhol Josep Luis Merlos.
Os detroços acabam trazendo o Safety Car à pista, “fazendo com que Raikkonen e Hamilton voltem à disputa”, como lembra De la Rosa, e dando a chance da transmissão mostrar, finalmente, o replay da largada. Nesse momento, Vettel já esbravejava no rádio contra o ‘torpedo’ Kvyat, que teria o jogado para cima de Vettel. Mas não encontra muito apoio entre os comentaristas. “Kvyat veio por dentro de forma inesperada. Mas não foi culpa de ninguém. O Raikkonen foi vítima. Faltou cuidado, coisa de corrida. Na confusão do Raikkonen, para desviar, o Ericsson bateu no Grosjean e o Nasr no Hamilton”, avaliou Burti. “Eu não vejo tanta culpa assim de Kvyat”, disse De la Rosa. “Ele se assustou um pouco e virou o volante. Foi um acidente de corrida.” Ao seu lado, o espanhol Joan Villadelprat vai além. “Eu não vejo culpa nenhuma. Foi Vettel que bateu no Raikkonen.” A opinião é semelhante à de Brundle. “Seb não tinha que virar tanto para a esquerda. Parece que ele não prestou atenção que o companheiro estava por fora.”
As críticas ao alemão se tornariam elogios momentos depois, quando outro replay mostra o piloto da Ferrari ultrapassando dois carros na entrada dos pits. “Isso é o que se chama de dormir no ponto. Ele usou o regulamento e não entendo como os demais podem ter agido desta maneira. Você pode ultrapassar entre a linha 1 e 2, pelo mesmo motivo que você pode passar em um pit stop”, explica De la Rosa. “Amei isso! O limite de velocidade é só na frente. Ele provou que o cérebro está ligado o tempo todo”, disse Brundle, que ainda comparou o engarrafamento que o SC causou nos pits com a “Piccadilly Circus”, em Londres. Na Globo, a legalidade da manobra causou dúvida, que foi resolvida apenas no fim da prova, “depois que fuçamos no regulamento”, como explicou Luis Roberto.
Enquanto quem estava com pneus supermacios aproveitou para fazer sua parada, os que largaram com macios – entre eles Rosberg e Massa – permaneceram na pista, animando os brasileiros. “Massa está com vantagem em relação ao Rosberg porque ele tem pneu novo”, diz Reginaldo Leme. “Vamos torcer para a Williams fazer uma estratégia que dê para o Massa a possibilidade de lutar pelo pódio. Vou ser ousado. Porque as Ferrari, Ricciardo e Hamilton estão para trás”, aposta Luis Roberto.
As diferentes estratégias e a prova movimentada confundem os comentaristas. Ninguém consegue cravar, por exemplo, se será possível para quem colocou os macios no SC fazer só mais uma parada. Os pneus médios, tidos como carta fora do baralho, começam a ser usados por algumas equipes, como a McLaren, o que também causa desconfiança.
O ponto pacífico é que a corrida está movimentada. “Como uma confusão na largada ajuda…”, aponta Burti. “É só uma pena por Rosberg. Se nos esquecermos dele, é a corrida do ano”, diz De la Rosa, ainda que Villadelprat não acredite que a vitória do alemão esteja assegurada. “Hamilton está a 15s dele. Não pode dormir”, diz. “Você é um otimista”, responde o espanhol.
Falando em otimismo, Brundle está empolgado: “É como uma corrida F-3 com 900 cavalos!” De fato, as ultrapassagens são tantas que Luis Roberto tem a ideia da criação de um passadómetro para contar quantas ultrapassagens estão sendo feitas. E Croft ainda brinca: “Se Alonso estava querendo testar suas costelas, essa corrida está bem apropriada.”
A prova movimentada, claro, também faz suas vítimas, com pequenos toques aqui e ali, como entre Vettel e Bottas. “Pela segunda vez, Vettel perdeu parte da asa. Ele está sendo um funcionário caro nesta tarde”, lembra Brundle, que fica imaginando o que deve estar passando pela cabeça de Rosberg. “Ele vai sair dos boxes, ver que não tem ninguém na sua frente, ninguém atrás, e vai perguntar: onde foi parar todo mundo?”
A vantagem do alemão é tanta que até mesmo Villadelprat acaba se rendendo na segunda metade da prova. “Rosberg pode colocar pneu de cimento que não vai perder a corrida.” A discussão naquele momento na transmissão espanhola era se o pneu médio era o mais apropriado. Afinal, havia sido a aposta de pilotos como Raikkonen, que vinha ganhando terreno, do próprio Rosberg, e de Massa, cuja atuação empolgava os brasileiros. “Massa pode lutar pelo terceiro ou quarto lugar, as voltas finais podem ser eletrizantes para o brasileiro”, prevê Luis Roberto.
A aposta não era totalmente errada, mas a luta eletrizante seria por posições mais modestas. Enquanto os ingleses criticavam a estratégia da Mercedes com Hamilton – “seja lá o que eles tentaram, não funcionou”, reclamava Brundle – e começavam a desconfiar de que o carro não estava funcionando bem, pela dificuldade em avançar no top 10, Raikkonen e Ricciardo vinham engolindo o pelotão na parte final. E Massa tinha de se defender com pneus mais usados.
O primeiro alvo foi Bottas. “Não sei se devo vibrar ou não, porque o próximo é Massa”, diz Luis Roberto. Mas Reginaldo vê o lado positivo. “A corrida é muito boa porque até o Ricciardo, que parecia fora da disputa, está lutando na frente. Muito bom ver uma equipe que teve um ano passado ruim voltando.”
De fato, o rendimento da Red Bull impressiona. “Cuidado com a Red Bull em Mônaco. Pode colocar a Mercedes nas cordas”, crê De la Rosa. “Ainda bem que eles não têm motor Mercedes…”
Nas voltas finais, Ricciardo passa Raikkonen, Hamilton e Massa e abre com facilidade e, enquanto todos esperam que o brasileiro perca a posição para o inglês e destacam como Felipe – “macaco velho” na definição de Villadelprat -, se defende bem, é o finlandês que se aproveita e também supera ambos. “É a pior volta que eu já vi o Hamilton fazer”, Brundle não se conforma. “Ele colocou o carro no lugar errado em todas as curvas!”
A performance do inglês intriga Burti. “Riccciardo passou e foi embora, Raikkonen também. Por algum motivo o Hamilton não está conseguindo ter o rendimento esperado.” E Reginaldo destaca a “atuação espetacular do Massa, várias vezes levando Hamilton ao erro.”
A empolgação com as disputas é tanta que Merlos lança uma proposta. “Se essa corrida já está movimentada assim, imagine se não houvesse um limite ou obrigatoriedade em relação aos compostos. Como seriam corridas?” Mas não convence De la Rosa. “Bom, eu me demitiria. Porque seria muito difícil explicar. Três para mim já são muitos compostos porque sempre vai ter um duro demais e outro que não dura nada. É o limite. Quatro seria uma loucura.”
Talvez só um quarto composto mesmo para acabar com o domínio de Rosberg, que venceu a sexta seguida. “O Rosberg só vai curtir aqueles segundos após cruzar, porque não aconteceu nada com ele”, diz Burti. “É uma vitória com 38s de vantagem. Poucas vezes se viu isso mesmo em momentos de grande superioridade de Schumacher na Ferrari e Vettel na Red Bull”, lembra Reginaldo, enquanto Croft informa que, sempre que um piloto venceu as três primeiras corridas, conquistou o campeonato.
Brundle, por sua vez, ainda tem uma ponta de esperança. “Para mim, para bater a Mercedes, é preciso começar na frente deles, atrapalhar o fluxo de ar e evitar que eles conduzam a estratégia”. E acredita que a ameaça é maior hoje do que em qualquer momento nos últimos dois anos. “A Mercedes está olhando em um espelho retrovisor, onde está a Ferrari, mas também tem de começar a olhar para o outro, porque a Red Bull está chegando.”
Por fim, Vettel, mesmo chegando em terceiro, não perde a oportunidade de tirar satisfação com Kvyat, segundo, pelo toque na primeira curva. Mas novamente não ganha a simpatia de seus pares. “Achei que o Vettel ficou culpando demais o Kvyat, que deu espaço. É coisa de corrida. Não faz sentido brigar por isso e o Kvyat deu uma debochada”, viu Burti, apoiado por Brundle. “Entendo o que Vettel está dizendo, mas estou com o russo. Estamos aqui para correr.”
3 Comments
Adoro esta seção da Julianne. Corrida ótima. Duro mesmo é ouvir o Luis Roberto repetidamente dizer “segura a onda”. Saudades do Galvão.
Como a Ferrari tem a política do “tragam os meninos (carros) para casa”, acredito que a reação exagerada do Vettel se deu por conta do toque ter acabado com qualquer chance de uma boa corrida do Kimi, que teria feito uma grande corrida não fosse isso! Estaria o alemão começando a sentir a pressão de pilotar para a Scuderia?
Um abraço pros meninos e bjs pras meninas!
Nato, acho que nesse bolo da largada, qualquer bobeada vira batida. Acho que vendo a largada depois, ele viu que não foi culpa do russo. Não acho que seja pressão, até porque ele está com moral na equipe.