A zona de entrevistas após o GP do Japão parecia um campo de guerra. Lewis Hamilton tomava um drink de tequila sem álcool enquanto dava alfinetadas no comportamento do companheiro George Russell e na direção do desenvolvimento do carro. Pierre Gasly dava respostas monossilábicas e discutia com o assessor da Alpine depois de ter deixado Esteban Ocon passar na última volta. Yuki Tsunoda lamentava a falta de interferência da equipe na sua batalha com Liam Lawson.
Tudo isso era um reflexo do jeitão do GP do Japão. A pista de Suzuka deixou clara a ordem entre os carros neste tipo de circuito com curvas de média a alta velocidade. É difícil passar por lá, ou seja, só se ultrapassa com uma diferença de rendimento muito grande (o que dificilmente acontece entre companheiros de equipe na mesma estratégia). E a alta degradação de pneus devido ao calor deixou os pilotos expostos a undercuts, ou seja, a serem ultrapassados se demorassem a parar nos boxes. Isso é um combo explosivo para brigas internas.
Isso porque a tendência é que os dois pilotos da mesma equipe estejam andando juntos, e o time tenha que priorizar um deles na parada (geralmente, quem está na frente). Com o outro correndo o risco de ser ultrapassado por algum rival de outra equipe. Os pilotos sabiam disso, então vimos em alguns casos brigas internas mais duras do que normalmente.
Vamos caso a caso.
Red Bull tem Verstappen perfeito e tudo dando errado para Perez
A Red Bull não teria que se preocupar com nada disso. Sergio Perez não conseguiu tirar o máximo de rendimento da sequência de curvas rápidas do primeiro setor em nenhum momento do final de semana. Classificou-se em quinto, teve um toque na largada, trocou o bico, levou uma punição enquanto entrava nos boxes, depois teve outro toque com Magnussen, levou outra punição. Abandonou, voltou à pista muito tempo depois para pagar aquela segunda punição (e não carregá-la em forma de posição no grid na próxima corrida), e abandonou novamente.
Foi um final de semana desastroso de um lado, e perfeito do outro. Max Verstappen chegou em Suzuka sabendo que os problemas de Singapura ficariam para trás. Até mesmo no simulador o carro se comportava muito melhor, andando na altura certa e gerando pressão aerodinâmica suficiente para que ele atacasse os esses do primeiro setor com muita velocidade ao mesmo tempo em que ganhava de todo mundo nas duas únicas curvas mais lentas no final da volta. Sua ambição para o GP era abrir 20s para o segundo colocado, e ficou a uma bandeira azul de fazer isso. Mas sua volta mais rápida foi simplesmente 1s melhor que a do rival mais próximo.
Não há muito o que dizer sobre a corrida de Verstappen, que deu o título de construtores à Red Bull. Uma derrapada nos primeiros metros da largada fizeram com que ele se visse lado a lado com Lando Norris na primeira curva, mas o holandês não aliviou, manteve a ponta, e não foi mais incomodado, fazendo sua tática de duas paradas sem maiores problemas.
Por que a McLaren foi a rival mais próxima da Red Bull
A McLaren foi uma das equipes que tiveram de usar ordens de equipe durante a prova, embora o segundo Lando Norris e o terceiro Oscar Piastri (comemorando, ao seu estilo mais comedido, seu primeiro pódio na F1) tenham saído do carro sorridentes, usando a ótima adaptação do carro da McLaren às curvas mais velozes de Suzuka.
Piastri se classificou na frente de Norris logo em sua estreia em Suzuka, mas caiu para terceiro na largada e não conseguiu acompanhar o ritmo do companheiro. O australiano explicou que estava economizando pneus no começo mas, quando decidiu forçar, não tinha a performance que esperava. “É bom ter esse tipo de corrida para saber o que tem de melhorar”, refletiu.
Mas Piastri acabou fazendo o undercut em Norris por ter aproveitado o Safety Car Virtual da volta 14 para fazer sua primeira parada, e estava na frente do companheiro quando outro fator entrou na conta da McLaren: George Russell tinha decidido fazer só uma parada, e as McLaren voltariam atrás dele quando trocassem de pneus pela segunda vez.
Foi neste contexto que a McLaren ordenou a troca. “Eu tinha ritmo para passar, mas se fizéssemos dessa forma nós dois iríamos gastar mais pneu”, explicou Norris, que justificou a decisão abrindo 17s em 26 voltas após a inversão.
Assoalho funciona e Ferrari vai melhor do que esperava em Suzuka
A terceira força foi a Ferrari, comprovando a melhora do comportamento do carro neste tipo de pista. Eles estrearam um novo assoalho justamente para deixar o carro mais estável e isso deu resultado. Charles Leclerc teve a peça antes que Carlos Sainz e isso contribuiu para que ele tivesse o carro mais do seu jeito neste fim de semana, invertendo o que vinha acontecendo nas últimas etapas.
Leclerc foi o piloto mais rápido da Ferrari no Japão. Chegando perto da hora da segunda parada, a Ferrari tinha um dilema. Se Hamilton parasse, voltava na frente de Sainz. Mas se eles parassem Sainz primeiro, ele faria o undercut em Leclerc. Então deram prioridade para o monegasco, a Mercedes aproveitou a brecha para parar Hamilton na mesma volta, a 34, e restou a Sainz ficar mais tempo na pista para criar um offset em relação a Hamilton, ou seja, ter pneus mais novos para atacar no final. Talvez com uma ou duas voltas a mais ele teria conseguido.
Faíscas na Mercedes entre Hamilton e Russell
O que nos leva à parte menos contente do grid. As faíscas na Mercedes começaram logo nas primeiras voltas. Hamilton tem mesmo adotado um ar mais agressivo ultimamente. Diz ele que há tempos não ficava tão cabisbaixo consigo mesmo como ficou depois da classificação em Singapura, e já no domingo deu para sentir a diferença na maneira como ele correu, e como ele se expressou depois, dizendo que tinha um compromisso com seus fãs de andar melhor.
O mais impressionante quando você tem uma sequência de títulos como a dele é a capacidade de manter um nível muito alto por tanto tempo. Hamilton parece ter perdido isso depois que percebeu por que estava lutando, e agora parece estar tentando se reencontrar com essa excelência. Mesmo se isso significar certa tensão interna. Até porque ele não pode ser um grande se não dominar o próprio companheiro.
Russell dizia depois da corrida que foi uma disputa sadia, não quis causar polêmica. Mas deu toda a impressão de que o time chamou Hamilton aos boxes na volta 16 para tentar um undercut em Sainz (e evitar um acidente). E Russell mudou sua estratégia tendo percebido que não passaria o companheiro com facilidade.
Por que Russell mudou sua estratégia no meio da prova
Essa mudança de Russell de uma para duas paradas fazia sentido. A Mercedes foi a quarta força o tempo todo neste fim de semana, sem conseguir gerar pressão aerodinâmica nas curvas na região de 200km/h (e elas são várias em Suzuka). Com isso, o carro escorregava e eles degradavam mais os pneus. Russell não conseguia passar Hamilton, que teria a prioridade nas paradas por estar na frente. Tinha que tentar alguma coisa, apostando na dificuldade em se ultrapassar em Suzuka.
Fazendo só uma parada, ele viu as duas McLaren, Ferrari e Hamilton voltarem atrás. No final das contas, foi ultrapassado por todos e voltou para onde estava, mas pelo menos tentou algo diferente. No meio de tudo isso, ele chegou a pedir que Hamilton o protegesse usando o DRS, mas Suzuka não é Singapura, seria uma tática muito mais arriscada (ainda mais na disputa direta com a Ferrari, que vem encostando na luta pelo vice) e Toto Wolff, mesmo não estando presente no Japão, interferiu.
Por que Gasly saiu revoltado do GP do Japão
Na Alpine, teve dedo do meio sendo mostrado do cockpit e discussão na área de entrevistas depois que a equipe ordenou que Gasly deixasse Ocon passar na última volta. Esteban tinha se envolvido em uma colisão com Valtteri Bottas, no começo, parou para trocar pneu durante o Safety Car das primeiras voltas, e acabou fazendo, na prática, uma corrida de uma parada. Foi por isso que Gasly, quando fez sua segunda parada, voltou atrás dele.
Como Ocon já não tinha pneus para tentar atacar Alonso, a Alpine deu a ordem para que ele deixasse Gasly passar, o que ele fez. Mas Gasly não conseguiu se aproximar o suficiente e, por isso, ouvir a ordem para dar a posição de volta. Não gostou, mas esse é o combinado na equipe.
Lawson x Tsunoda travaram duelo mais apertado do grid
E houve outra briga quente. Liam Lawson forçou muito nos esses na primeira volta e conseguiu passar Yuki Tsunoda. Mas o japonês foi chamado primeiro aos boxes para se defender de um undercut de Stroll, e ressurgiu na frente do neozelandês. A equipe fez o inverso na segunda parada, e Lawson apareceu na frente. Mesmo fazendo um offset de pneus de cinco voltas, Tsunoda não conseguiu passar o companheiro na pista, e estava decepcionado após a bandeirada.
Definitivamente, não era o único.
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