Deve ter sido em 2016 a primeira vez que estive no Oriente Médio, para a cobertura da decisão do campeonato daquele ano em Abu Dhabi. Conquistada logo de cara pelos arabescos, nem notei o que estava usando ou se era tudo tão conservador como tinha ouvido dizer. Os Emirados Árabes Unidos têm um regime pra lá de questionável, várias acusações graves de associações que cuidam de direitos humanos, trabalho escravo para construir os arranha-céus, e por aí vai. Mas, nas ruas de Abu Dhabi – e muito menos de Dubai – nada disso é gritante (é mais convincente assim, não é verdade?). O fato de estar lá sozinha, freelancer, cobrindo um evento despertou certa curiosidade, alguns olhares, mas ficava nisso.
Foi o mesmo no Bahrein, com um porém: a sexta-feira à noite, quando os sauditas invadiam o que eles tratavam Manama como uma terra de liberdade. Foi devido ao comportamento deles que aprendi que não deveria ficar em hotéis que tinham bares com música, já que as noitadas à base de muito álcool e muito mais drogas do que é de se imaginar aconteciam por lá, e o preconceito em relação a mulheres ocidentais gerava uma mistura explosiva, daqueles que te fazem engolir seco cada vez que você pega o elevador, torcendo para ninguém entrar.
Voltei a Abu Dhabi algumas vezes, e no Bahrein, inclusive, fiquei por três semanas seguidas entre os testes e a primeira corrida deste ano. Saindo um pouco da rota de hotel-circuito, em Abu Dhabi fui parar em uma academia que ficava dentro de um clube militar e, pela primeira vez, foi pedido que eu me cobrisse enquanto frequentava as áreas comuns, e que eu também evitasse sentar à mesa, dos restaurantes do hotel, já que não estava acompanhada. Tudo ali era dividido entre uma sala, uma piscina, uma quadra para mulheres, e outra para homens. Lá dentro, elas se vestiam como qualquer uma de nós se vestiria para malhar. E o vestiário tinha uma arara cheia de abayas pretas, muitas delas com pedras brilhantes cravejadas.
Aquela seria a única vez (a não ser em locais de reza, obviamente) que minhas roupas foram questionadas.
E olha que eu rodei. Sem o backup da F1, fui para a Jordânia, cruzei a fronteira com Israel a pé, passei de um checkpoint a outro checkpoint em cidades divididas na Palestina. Em Jerusalém, particularmente, me entristeceu a maneira como muitos buscam se aproveitar da fé das pessoas (seja qual for a religião, e tenho algumas histórias escabrosas mesmo tendo ficado pouco tempo por lá). Mesmo assim, foram viagens maravilhosas que fiz sozinha, sempre com a impressão de que perto, somos todos tão parecidos, em que pese nossos governos.
São estas pessoas que eu também espero ver na Arábia Saudita e é por isso que estou mais curiosa do que qualquer coisa em ir para lá, algo que era impensável há tão pouco tempo. Eu, inclusive, queria ir na primeira prova que a Fórmula E fez por lá, mas ouvi da FIA que eles “não poderiam garantir minha segurança” se eu fosse sozinha como freelancer.
Em retrospecto, deveria ter ido, já que ouvi relatos de colegas que foram cercadas por meninas nas ruas de Ryad, curiosas por saber o que elas estavam fazendo lá. A troca é muito mais valiosa que a exclusão e, ainda que obviamente o governo saudita esteja gastando rios de dinheiro com a F1 para se promover, como tantos outros, há um limite do que você pode controlar quando você abre as fronteiras.
Que elas estejam sempre abertas.
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