Quando foi entrevistado logo antes do GP da Espanha, Lewis Haemilton chamou a atenção para “aquela asa poderosa que eles têm”. Eles, é claro, eram a Red Bull, e a tal asa tinha sido colocada durante o terceiro treino livre, no sábado de manhã, e tinha sido a escolhida para a classificação (e, consequentemente, a corrida). Ao mesmo tempo em que ela muito provavelmente permitiu que Max Verstappen tomasse a ponta e diminuísse as chances de Hamilton ultrapassá-lo com condições iguais de pneus, embora ele o pressionasse por boa parte da corrida, é bem possível que ela também seja o motivo pelo qual a Red Bull não teve ritmo para encerrar a sequência de vitórias do inglês em Barcelona.
Tudo começou na sexta-feira, quando são feitas as simulações de corrida. A Red Bull fez essa simulação com sua asa maior, que gera mais pressão aerodinâmica, e chegou a duas conclusões: seria uma corrida de uma parada, com talvez um segundo pit stop nas últimas voltas para tentar uma volta mais rápida ou um ataque mais agressivo – e por isso fez a opção de guardar um jogo de pneus macios para a corrida – e usar a asa maior fazia com que a velocidade de reta fosse muito inferior à da Mercedes.
O problema é que uma asa que gera menos arrasto também gera menos pressão aerodinâmica, e isso faz com que os pneus se desgastem de forma mais acelerada. Mesmo optando por essa configuração diferente, os dados da Red Bull apontavam que a melhor tática ainda seria de uma parada, e seguiu com seu plano de economizar um jogo de médios para a segunda metade da corrida e um de macios para um ataque final.
Na Mercedes, o pensamento era outro. Seus dados também apontavam para uma corrida de uma parada, mas com uma probabilidade considerável de se fazer duas. Na Espanha, como o asfalto é escuro e há curvas rápidas e longas, que demandam muito dos pneus, geralmente as corridas ficam no limite entre uma e duas paradas, dependendo de como o carro trata a borracha. Imaginando o cenário de duas paradas, então, a Mercedes guardou dois jogos de médios – um pneu bem mais consistente que o macio e que dá mais flexibilidade para a estratégia – para ambos os carros.
No domingo, tempo nublado, alguns pingos até chegaram a cair quando os carros estavam no grid, e parece mesmo que a corrida se desenha para uma parada. Para a sorte de quem temia uma procissão em Barcelona, Verstappen toma a ponta de Hamilton na primeira curva e temos um cenário em que o carro mais rápido das simulações de sexta-feira está em segundo. Como Hamilton teve de tirar o pé para não bater na curva 1, isso atrapalhou Bottas, que acabou perdendo a terceira posição para Leclerc e ficaria preso no ritmo da Ferrari, fazendo com que a briga da vitória fosse entre os dois pilotos da ponta.
Sabe-se algumas coisas sobre o Circuito da Catalunha: é preciso uma diferença de pelo menos 1s2 entre dois carros para haver uma ultrapassagem – mais do que o normal – e é muito difícil seguir um rival de perto sem perder rendimento. Então, se o piloto permanece, volta após volta, a menos de 3s de você, é indicativo de que ele tem mais ritmo.
Verstappen sabia que esse seria o caso, mas também confiava na tal asa, que de fato manteve Hamilton a uma distância, digamos, regulamentar. A missão da Red Bull, portanto, seria cobrir uma eventual tentativa de undercut, e evitar o que aconteceu no GP do Bahrein. Como se faz isso? Parando assim que se abre um espaço para parar sem ter trânsito.
Essa missão foi atrapalhada pelo Safety Car causado pela quebra de Tsunoda, na volta 8. Com as diferenças neutralizadas, Verstappen teve que adotar um ritmo mais forte para abrir de novo esse “espaço”, e então começou a sentir as consequências negativas da opção da Red Bull – seus pneus macios estavam acabando antes dos de Hamilton (e ele sabia que o rendimento da Mercedes com os médios eram ainda melhores). O holandês acabou entrando por uma decisão própria (que ele creditou a um problema de comunicação) e, até por isso, a parada foi mais lenta que o normal, mas a Mercedes decidiu não usar isso para parar Hamilton na volta seguinte, por julgar que a chance de overcut era pequena.
E é aí que entra em vigor o plano B: Hamilton só para quatro voltas depois, o que, para a Red Bull, era um indicativo de que eles tentariam usar essa diferença no final, para que o inglês pudesse atacar Verstappen. Enquanto isso, no time alemão, Hamilton era instruído a forçar.
É então que Verstappen diz, no rádio, que “é uma loucura o tanto de aderência que eles têm”. São vários fatores neste caso: o carro dele estava configurado de uma maneira diferente e a Mercedes encontrou a neutralidade que faltava na primeira corrida, e Verstappen acreditava que os dois iriam até o final. À Hamilton, não havia sido dito que ele faria duas, mas ele sabia dessa possibilidade e muito provavelmente entendeu isso quando veio a instrução para forçar.
Mas a jogada de mestre da Mercedes viria 14 voltas depois, quando Hamilton foi chamado aos boxes para colocar mais um jogo de médios. Se eles tivessem esperado um pouco mais, a Red Bull poderia ter respondido chamando Verstappen e colocando os macios, a única escolha que tinham. Com 24 voltas para o final, isso não era uma opção porque ele não conseguiria manter um ritmo agressivo por muito tempo com o C3. De qualquer maneira, na volta seguinte à parada, Hamilton já estava só 22s4 atrás. Se a Red Bull chamasse Verstappen, ele voltaria atrás, com pneus piores e ritmo potencialmente pior também.
A estratégia foi semelhante à adotada em outro circuito no qual é difícil se manter perto do rival que vai à frente e em que também é necessária uma diferença considerável de rendimento para ultrapassar na pista. E, assim como tinha acontecido na Hungria em 2019, a Mercedes sabia que poderia contar com a maneira como Hamilton lê e interage com os pneus para tirar os 22s e passar na pista. Eles só não esperavam que a dificuldade de Verstappen com os pneus fosse tão grande: a simulação da Mercedes apontava que ele chegaria na última volta. E ele passou o holandês com facilidade com sete voltas para o fim. Novamente, é possível que a tal asa tenha tido seu papel.
Havia, ainda, outro fator a considerar para a Red Bull: Verstappen teria que passar Valtteri Bottas também. E essa é uma arma que eles não tinham contra a Mercedes, já que Sergio Perez teve dores musculares no sábado e largou apenas em oitavo, não tendo qualquer participação estratégica na briga pelo pódio. O mexicano diz que tem demorado para se entender com o carro, conseguindo melhorar só no domingo, o que não é uma boa notícia, inclusive, para Mônaco, outra pista em que a classificação é fundamental.
Perez, naquele momento, brigava com Daniel Ricciardo, com a McLaren também optando por uma segunda parada, o que a Ferrari copiou com Carlos Sainz na mesma volta. Os três estavam separados por apenas 3s naquele momento. Perez só fez sua segunda parada bem depois, quando já tinha uma folga grande para esse grupo. O mexicano terminaria em quinto, atrás de Leclerc, ao passo que Ricciardo e Sainz iriam abrindo caminho juntos para chegar em sexto e sétimo, em mais uma corrida na qual o espanhol ficou imaginando o que poderia ter acontecido se fosse mais agressivo no início, já que ele perdeu duas posições na primeira volta. Uma volta atrás do líder, Norris, que teve a classificação comprometida depois que foi obrigado (após ser atrapalhado por Mazepin), largou só em nono e terminou em oitavo, à frente de Esteban Ocon e Pierre Gasly.
2 Comments
Foi uma bela estratégia da Mercedes, mais uma, a mostrar porque é a melhor equipa da F1.
Não deixa de ser curioso que depois de disputadas as primeiras quatro corridas, o Hamilton tem mais pontos do que em todos os outros anos anteriores por esta altura e logo numa temporada em que apontavam a Red Bull e o seu piloto holandês como o grande favorito ao título.
Cumprimentos
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Muito bom Julianne , como sempre !