F1 O pesadelo de 2007, a “aposentadoria” e a nova missão - Julianne Cerasoli Skip to content

O pesadelo de 2007, a “aposentadoria” e a nova missão

A receita de Newey e Mercedes já não combinava como no final dos anos 1990. Se o projeto era bom, o motor não aguentava. Se o propulsor era confiável, faltava carro. E os melhores anos de Kimi Raikkonen foram desperdiçados numa McLaren que parecia fadada ao fracasso.

Repetindo a receita do passado, Ron Dennis foi atrás do melhor piloto do grid, e fechou o contrato com Fernando Alonso – válido a partir de 2007 – no final de 2005. Para juntar-se ao bicampeão do mundo, a McLaren fez uma aposta rara entre os times grandes: promover a estreia de uma jovem promessa, Lewis Hamilton, apoiado pelo time desde que tinha 13 anos.

O apoio quase paternal de Dennis foi fundamental no ano de estreia de Hamilton, mas também trouxe problemas

Dentro da pista, o MP4-22 dominou boa parte da temporada. Fora dela, a briga interna tornava o clima insustentável. Os 4 pódios de Hamilton nas 4 primeiras etapas do campeonato criaram uma grande expectativa para o GP de Mônaco, onde o inglês havia vencido todas as vezes em que estreou numa categoria. A perda da pole para Alonso gerou o comentário de que o estreante carregava 6 voltas a mais de combustível que o companheiro. Como na corrida isso não se confirmou, críticas de favorecimento ao espanhol estouraram na mídia inglesa e motivaram até uma investigação da FIA, que não encontrou nada de anormal no procedimento da equipe.

Em seguida, duas vitórias de Hamilton causaram fricção do outro lado da garagem. Agora quem se queixava era Alonso de que o tratamento era desigual, apoiado pela mídia espanhola.

A guerra tomou ares cinematográficos no treino de classificação para o GP da Hungria. Hamilton desrespeitou um acordo de cavalheiros dentro da equipe, de que deveria dar passagem ao companheiro no Q3. Como represália, Alonso impediu que ele fizesse sua última tentativa de volta rápida. Mesmo que a manobra não quebrasse qualquer regra do regulamento esportivo, o espanhol, que havia feito a pole, foi punido com a perda de 5 posições no grid. A equipe nada fez.

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Era do que Alonso precisava para entregar à FIA e-mails que comprometiam a equipe no chamado spygate, que seria outro grande drama do ano para a McLaren.

No centro de tudo estava Ron Dennis. Muitas vezes reconhecendo o sentimento paternal que tinha em relação ao garoto que, aos 10 anos, o abordou durante uma premiação dizendo que queria ser seu piloto, chegou a deixar escapar sua forma de pensar, ao explicar o erro estratégico que acabou custando o título a seu protegido. “O problema foi a chuva e os pneus dele estavam péssimos. Mas não estávamos nos importando com Kimi (que vinha em 2º na corrida e ameaçava a liderança de Hamilton). Não estávamos correndo contra Kimi, estávamos correndo contra Fernando.” Principalmente depois que se sentiu chantageado pelo piloto no episódio da Hungria.

A tensão interna já era insuportável - e impossível de esconder - ainda na metade da temporada de 2007

Mesmo dando esta escorregada, manteve o discurso da igualdade entre os pilotos. E perdeu os dois campeonatos. O de construtores como parte da punição sofrida pelo caso da espionagem, a grande mancha na carreira de Dennis.

Conhecido como um chefe muito controlador, o inglês sofreu um duro golpe quando ficou provado que o engenheiro-chefe da equipe, Mike Coughlan, recebeu 780 páginas de informações técnicas da Ferrari do mecânico-chefe dos italianos Nigel Stepney. As informações teriam sido usadas no desenvolvimento do carro. Num primeiro julgamento, o time de Woking foi considerado inocente. Contudo, com a descoberta de novas evidências, entre elas os e-mails trocados por Alonso e o piloto de testes Pedro de la Rosa, a McLaren foi punida com a perda dos pontos no mundial de construtores, uma multa de US$ 100 milhões e a obrigação do carro de 2008 passar por um teste para verificar se os dados roubados da Ferrari haviam sido usados.

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Era simplesmente algo que ia contra os princípios vendidos pelo estilo McLaren. “Nós tivemos alguém num alto posto técnico tomando algumas decisões pouco inteligentes – foi apenas uma tremenda ingenuidade e uma crença de que era tudo comum e aceitável… lembro como um ano muito difícil, em que tive que tomar decisões difíceis”, declarou recentemente. “A parte que eu não gosto é quando as pessoas acabam com a reputação de uma companhia por motivos que têm raízes em problemas com o quão duro eu lutei pelo que acredito ser certo para a F1 e a McLaren”, divaga, num belo exemplo de Ronspeak.

Seria um outro escândalo que tiraria Dennis de cena – ou pelo menos lhe deixaria um bom tempo sem visitar corridas. Quando Hamilton mentiu para os comissários para ficar com o 3º lugar no GP de abertura da temporada de 2009 e a McLaren correu novamente o risco de ser expulsa do campeonato, Ron, que então já havia deixado o cargo de chefe de equipe para Martin Whitmarsh, anunciou que se desligaria também da McLaren F1.

Especulou-se na época que o inglês teria encomendado o vídeo que mostrava o então presidente da FIA, Max Mosley, numa orgia sadomasoquista. E sua saída de cena seria uma tentativa de fazer com que a equipe não sofresse retaliações do dirigente.

Sem o desafeto no poder, Dennis voltou a aparecer com certa frequência nos GPs. Contudo, seu foco agora é na construção do MP4-12C, que marcará de vez a entrada do Grupo McLaren no ramo dos carros esportivos. Rivais há décadas nas pistas, a ideia é dividir o mercado com a Ferrari.

Dennis ao lado de seu novo projeto, o MP4 12-C, com previsão de lançamento para o ano que vem

Aos 63 anos, ainda tem fôlego para começar uma nova empreitada. “Se me perguntar do que me arrependo, é de que as pessoas tiveram motivo para questionar minha integridade pessoal e o comprometimento em comandar a empresa de uma maneira honesta. Mas, olhando minha carreira até agora, que, inclusive, está longe de terminar, sinto-me bastante confortável com as decisões que tomei. O que quero que seja escrito no meu túmulo? ‘Ron Dennis, um dos maiores empreendedores do mundo’ – nada a ver com corridas.”

Fica a certeza de ter trabalhado com alguns dos melhores pilotos da história. “Todos eles tinham caráteres diferentes e isso torna a comparação difícil. Quando comecei como dono de equipe, era mais jovem que meu piloto, Graham Hill, então ele me mostrava o caminho. Com Lauda, Senna e Prost, tinha uma relação mais de camaradagem – o que também tem a ver com a idade. Com Hamilton e Alonso era mais paternal. Prost e Senna eram completamente diferentes em sua criação e caráter. Eles se olhavam com desconfiança, não confiavam um no outro. E deixei a rivalidade na pista acontecer.” Mas Dennis não teve a oportunidade de dividir os boxes com seu ídolo. “Jim Clark era um verdadeiro herói para mim. Eu o vi num evento em Goodwood e ele disputou 3 categorias no mesmo dia – sempre no limite. Ele era especial – sua áurea, talento, a maneira como pilotava.”

8 Comments

  1. Essa série sobre Dennis foi muito boa.

    Parabéns Ju e ao cafecomf1.

    • Obrigada. Foi muito legal fazer também. Dennis é meu ídolo de infância!

  2. Jim Clark era realmente especial.

  3. uma imagem diz mais que mil palavras! o abraço paizão em hamilton, diz quem era importante para dennis! neste caso em específico, ron deixou a emoção falar mais alto que a razão, e sabemos muito bem, o quão perigoso pode ser, competir na f1, sem os dois pés fincados no chão! penso que este caminho inconsciente que tomou, deixou de render grandes frutos à mclaren, pois, uma disputa feroz, mas sadia entre hamilton e alonso seria benéfico para a competição, e um fonte de patrocínios fabulosa! talvez se a dupla tivesse sido mantida brigando esportivamente, pelas exigências e capacidade, a mclaren poderia ter criado condições para exercer um domínio tão grande quanto do final dos anos 80, existia estrutura e pilotos, faltou “o velho ron” em ação! ficou uma cicatriz tão profunda, que acabaram perdendo o título de 2007, por considerarem alonso, o maior rival (mas não era mesma equipe?) e como podemos ver neste ano em abu dhabi, a satisfação de dennis pela derrota de alonso! a ferida não cicatrizou! portanto, nunca tenha ron como desafeto! hehe!! ainda voltando ao passado, Ju, me parece que sua tese levantada sobre pressão/patrocinadores/resultados, pode ser uma das possíveis explicações plausíveis para a “tentação” da espionagem! apesar destes pequenos deslizes, ron dennis será lembrado pela f1, como o homem que começou como mecânico, domou as feras, revolucionou a disputa, deu uma pisadinha na lama, mas manteve o espírito f1 em chamas: – “vencer, fazendo dobradinha, com uma volta sobre os rivais!” esse é o sonho e o legado desse gênio!

  4. O Ron Dennis é o cara. Um dos maiores chefes de equipe que a F-1 já viu. A história de carreira dele é impressionante. Quem não inveja a trajetória de um mecânico que cresce até se tornar dono de uma montadora desse porte?
    Os momentos mais difíceis fazem parte do roteiro de uma grande história de vida. O que conta é que ele é um vencedor e soube superar até os maiores escândalos. Pra concluir, ainda encerrou a carreira com chave de ouro, vencendo o título com o piloto em que ele passou 10 anos investindo. Esse é o tipo do cara que sabe o que faz. “Um dos maiores empreendedores do mundo” é uma frase inegavelmente justa.

    Parabéns pelo especial!

    PS: Ju, te mandei uma mensagem por email..

    • A grande sacada dele foi mesmo fora das pistas, fazendo da McLaren um grupo empresarial, que presa serviços variados ligados à tecnologia. Isso protege a equipe de F1 de tentativas de compra e permite que, num momento em que a indústria automobilística pensa em carros pequenos e ecológicos, permite que eles estejam apostando em supermáquinas.

  5. Acabei de ler que o Sarney vai tentar a reeleição à presidência do senado mais uma vez e tive a conclusão que político e gente ligada ao esporte só se aposenta quando morre. (a vida deles é aquilo ali)

    O Felipe Maciel resumiu bem em seu comentário: Ron é o cara.


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