O vocabulário da estratégia:
Stint: sequência de voltas feitas com o mesmo jogo de pneus
Casualidade. Segundo a definição do dicionário, “condição ou qualidade do que produz efeito”. Essa é a palavra-chave para determinar as decisões estratégicas dentro de uma corrida de Fórmula 1. “Tentamos identificar como o que estamos fazendo vai influenciar o carro e sua posição na prova”, explica a chefe de estratégia da Sauber, Ruth Buscombe.
Undercut: Quando um piloto antecipa sua parada em relação ao rival para usar a aderência extra do pneu novo para superá-lo ou abrir vantagem. Isso funciona quando há muito desgaste, tráfego para quem fica na pista ou quando o composto colocado é mais rápido.
Overcut ou offset: É o contrário do undercut, quando um piloto fica mais tempo na pista do que seu rival direto, aproveitando pista livre e um pneu sem tanto desgaste para fazer voltas rápidas e retornar na frente. Funciona se o composto do rival for de difícil aquecimento e/ou se ele pega tráfego.
Graining: quando pedaços de borracha se soltam no pneu e grudam novamente de forma não uniforme, causando dificuldades de aderência. Isso geralmente acontece quando se mexe muito o volante, escorregando o carro, mas sem gerar temperatura suficiente no pneu e também depende de fatores externos. Muitas vezes os pilotos/engenheiros confundem graining com degradação e param no box, mas geralmente ele se “limpa” sozinho e o rendimento do pneu volta a ser como antes. Ferrari em Abu Dhabi 2010 que o diga.
Do que depende a estratégia
Para a definição de uma tática, são vários os parâmetros observados e, dependendo do GP, uma característica fica mais acentuada. Em Barcelona, as estratégias giram em volta de posição de pista, pois é difícil ultrapassar. No Canadá, os engenheiros ficam de olho no clima, que costuma variar bastante, e usam táticas mais flexíveis quem possam ser adaptadas a períodos de Safety Car, cuja ocorrência é percentualmente maior em Montreal.
Toda corrida, a Pirelli divulga qual a estratégia ideal tendo em vista os dados recolhidos por todas as equipes nos treinos livres. Mas isso não significa que essa é a melhor tática para todos, e também não há garantias de que os pneus se comportem exatamente da mesma maneira com a pista mais emborrachada (ou menos, no caso de chuva) e especialmente se as temperaturas do asfalto mudam no domingo.
É aí que entram os engenheiros. Cabe a eles compreender qual a melhor tática dependendo da posição no grid em que se encontram e do tipo de vantagens e desvantagens de seu carro. Por exemplo: um carro com velocidade ruim de reta ou deficiente em tração não pode calcar sua tática em fazer ultrapassagens, certo? Além disso, por estes carros serem mais eficientes com os pneus, quanto mais perto das primeiras colocações maior a tendência de se aproximar da estratégia otimizada.
Quando se larga mais atrás, é preciso e desejável arriscar algo diferente, tirando o carro de sintonia com os demais. No final das contas, é tudo uma questão de ritmo e o estrategista fazer com que seu carro maximize seu ritmo a maior parte possível do tempo, seja pensando em posição de pista, seja com o melhor composto para aquele final de semana.
Parece tudo matemática pura, mas engana-se quem pensa que não existe um elemento humano dentre todos os processos de engenharia. “50% do trabalho do estrategista é conduzir o barco, convencer os demais de que a tática é a correta porque, se a equipe não acredita em você, a estratégia não vai funcionar”, defende Buscombe. “Você tem de saber explicar por que vai dar certo – e, se não consegue persuadi-los, pode ter certeza de que há algo errado com sua estratégia!”
Ao mesmo tempo, não se trata de um plano fechado, como explica Buscombe. “É como um cirurgião: você tem um plano e alternativas. Se o pneu for numa determinada direção, fazemos isso. Se for em outra, aquilo. Então, na corrida, você toma várias decisões, mas a preparação é fundamental para acertá-las.”
As táticas vencedoras de 2017
Estrategistas gostam de corridas com mais paradas e mais alternativas, pois isso aumenta a chance deles mostrarem serviço. Os demais engenheiros, nem tanto: e há uma revolta, que já vem de algum tempo, com a imprevisibilidade dos pneus Pirelli que, para muitos, não tem o padrão esperado para atuar na F-1. Porém, ao mesmo tempo em que as janelas de temperatura difíceis de compreender esquentam as cabeças dos profissionais, geram resultados mais aleatórios que são bem-vindos do ponto de vista da competição. E essa é uma equação difícil de resolver.
Neste ano, a estratégia tem ficado mais na mão dos pilotos e dos engenheiros que ‘vigiam’ as temperaturas dos pneus, pois a saída da pequena janela de funcionamento traz grandes discrepâncias de desempenho. A realidade era diferente desde 2011, quando todos tentavam prever o chamado cliff (penhasco, ou queda brusca de performance) ao mesmo tempo em que tentavam estar próximos do rival que ía à frente para conseguir o undercut.
Hoje, há cenários em que o undercut ainda funciona, mas isso está longe de ser uma regra. Quem consegue manter o pneu na janela ideal ao longo do stint tem a chance de jogar também com o offset, o que aumenta as chances da estratégia funcionar, pois permite que você se defenda contra-atacando (se o seu rival tenta o undercut, você fica na pista ainda andando rápido e mantém a posição).
As regras:
Neste link, explico como funciona a aloção de pneus e como eles são usados ao longo do final de semana:
- Os pilotos que chegam ao Q3 são obrigados a largar com o pneu com o qual fizeram seu melhor tempo no Q2. Os demais podem escolher livremente tanto o composto, quanto o jogo a ser utilizado.
- A Pirelli determina dois dos três compostos disponíveis que devem ser usados obrigatoriamente na corrida. Via de regra, são os dois mais macios levados ao GP.
- Todos os pilotos são obrigados a usar ambos os compostos, a não ser que a pista seja declarada como molhada em determinado momento da prova.
7 Comments
Minha cabeça ainda funciona como se os pneus fossem aqueles de quando a Pirelli chegou e rolassem desfiladeiro abaixo a partir de um determinado momento. Sempre que vejo alguém apostando no overcut tenho dificuldade em acreditar que vai funcionar.
Bom Dia, Jú, faz tempo que não apareço por aqui…rs
Jú o link não está funcionando pelo menos para mim.
Parabéns pela matéria muito bem feita.
Jú quando os estrategistas acreditam que uma pista não é de fácil ultrapassagem como Barcelona, não é levado em consideração a enorme reta e a possibilidade de abertura de asa, ou pelo circuito ter curvas de raio longo geram mais turbulência dificultando entrar colado para realizar a manobra?
Segunda: Na porcentagem quanto vale a opinião do piloto na estratégia? Principalmente em relação ao desgaste de pneus?
Um abraço
Daniel
Por ser difícil seguir o carro de perto devido às curvas de raio longo, a reta acaba sendo curta no caso de Barcelona. E o piloto vai dando do feedback, mas apenas é totalmente decisivo em caso de chuva.
Excelente Ju.
Se o Vettel trocar a UP e pagar em último, tem chance de chegar em quarto?
Acredito que sem punição, seria terceiro.
Sim, a diferença de rendimento entre os carros é bem grande neste ano.
Ótimo material, como sempre, Julianne!
Do meu ponto de vista, os pneus difíceis de lidar, são muito mais apropriados para a F1, pois o talento e capacidade em manter os pneus na temperatura se sobressai e assim eles voltam a ser protagonistas, sem deixar de lado a relevância das estratégias. Acaba agradando que gosta dos dois lados da competição, do lado piloto e do lado box.
Claro que isso é apenas um opinião pessoal, de quem gosta dos dois lados da competição.
Julianne,
Como a Ruth foi parar na Sauber? Ela fez estratégias magníficas e agressivas com a Haas ano passado, e isso garantiu uma boa parte dos pontos computados pela equipe.
Foi decisão dela mesma sair?
Ela e o James Key são dois profissionais menos badalados da F1, mas estão entre os mais capazes.
Deveriam estar em uma Willians, Force India ou talvez até mesmo Ferrari e Mercedes.
Abraços pros meninos e beijos pras meninas!
Excelente post Julianne! Muito didático. Grande abraço