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Por que o Brasil não tem mais pilotos na F1?

Entre uma temporada e outra, gosto de abrir o espaço do blog para vocês, os fãs, publicarem seus textos. Cada um pode trazer um pouquinho do que conhece ou sente, e por isso que essa experiência tem valido muito a pena. E é o que vocês vão perceber nos 10 textos ou vídeos selecionados nesta nova temporada do Blog Takeover.

Giulia Canatto Borges  e Pedro Paulo Paranhos Brandão Júnior

Desde 2017, quando Felipe Massa fez sua última corrida na Fórmula 1, o Brasil não teve um piloto com lugar fixo em uma equipe da categoria. Esse cenário explicita uma falta de representatividade do país no esporte. Desde então, com a ausência de uma referência, o interesse público na categoria vem caindo com o tempo.

Cinco anos depois, surge uma esperança: o natural de Maringá (PR), Felipe Drugovich. Liderando com folga na Fórmula 2 (F2), considerada o último degrau antes da elite do automobilismo, o brasileiro é o piloto com mais vitórias e pódios da temporada até o momento. Além disso, em maio deste ano (2022), venceu todas as corridas da etapa 4 – a sprint race no sábado e a corrida no domingo – no Grande Prêmio da Espanha, algo nunca feito antes na F2. Essa realização ganhou grande destaque internacional e colocou Felipe de vez no radar do mercado de pilotos. 

Correndo pela MP Motorsport Racing, Drugovich vem tendo excelentes resultados. Com 4 vitórias e 6 pódios na temporada até o momento, lidera o campeonato com 154 pontos, enquanto o segundo colocado, Logan Sargeant, possui apenas 115. Ainda em 2020, quando estreou na F2, o paranaense recebeu bastante notoriedade ao ter vencido uma corrida em sua primeira etapa, algo raro de acontecer. Entretanto, esse desempenho não é garantia de um assento na burocrática F1.  

As complicações começam desde as fórmulas de acesso, que funcionam como categorias de base. Há algumas ramificações em divisões menores. Entre elas estão: a já citada F2, a Fórmula 3 (F3), e a Fórmula 4 (F4), que conta com diversos campeonatos regionais. Essas competições são as principais formas de entrada na F1, uma vez que são as que dão mais pontos para conseguir a Superlicença FIA – habilitação imprescindível para participar da corrida. 

O esporte não é conhecido por sua receptividade. Por ser o mais alto posto do automobilismo, a F1 é o objetivo maior da carreira dos pilotos. Porém, com apenas 20 lugares no grid, essa meta é quase que inalcançável.

“Acredito que estamos em um momento no qual isso aqui se tornou um clube dos meninos bilionários”, disse Lewis Hamilton em entrevista ao jornal espanhol AS no ano passado. 

Aqui os outros textos escritos por fãs no Blog Takeover

É possível observar uma considerável falta de rotatividade nos nomes que compõem as equipes, exatamente como um “clube”, como disse Hamilton. Com o passar das temporadas, os pilotos que entram, vão evoluindo, se adaptando aos carros e adquirindo experiência, consequentemente entregando resultados cada vez mais consistentes. Isso não acontece apenas com pilotos com um grande acervo de pódios e vitórias. 

Apesar de não estar no grid atual, o alemão Nico Hulkenberg é o exemplo perfeito disso. Nico teve 9 temporadas completas na F1 sem conquistar um pódio sequer. O piloto sempre frequentou a zona de pontuação, mas não houve nenhum resultado de muita expressividade. Mesmo assim, teve uma carreira invejável na F1 no quesito tempo, com um total de 181 Grandes Prêmios disputados. Sem assento desde a temporada de 2019, quando foi dispensado pela Renault, atualmente Alpine, Nico ainda chegou a fazer duas corridas em 2020 e 2022 como piloto reserva. Até hoje, durante rumores de transferências, o nome do alemão é ventilado em algumas equipes.

A própria escuderia Alpine conta com dois pilotos para a atual temporada, que já estiveram fora da F1. O bicampeão Fernando Alonso havia deixado a categoria em 2018, correndo pela McLaren. Mas, retornou em 2021. Companheiro de Alonso, Esteban Ocon chegou a ficar 1 ano fora da categoria, mas também conseguiu retornar às pistas e chegou a vencer o Grande Prêmio da Hungria no ano passado.

Esse fenômeno acaba tirando o espaço de diversos jovens que estão nas categorias de baixo e buscam o topo. No caso específico da escuderia Alpine, a jovem promessa, Oscar Piastri, é um exemplo. O garoto de apenas 21 anos faz parte da academia de pilotos da escuderia francesa e coleciona resultados incríveis na sua ainda curta carreira. Piastri venceu a Eurocopa de Fórmula Renault (equivalente a F4) em 2019, venceu a F3 em 2020 e a F2 em 2021, superando inclusive o atual piloto da Alfa Romeo, Zhou Guanyu – todas como estreante. Apesar disso, o jovem é apenas piloto reserva da Alpine. Mesmo que sobre talento, falta espaço. Dos 20 pilotos atuais no grid, somente 5 fazem parte da mesma equipe desde que entraram na categoria.

“Temos que trabalhar para mudar isso, tornar o esporte mais acessível. Tanto para os ricos quanto as pessoas de origens mais humildes.” 

Lewis Hamilton

A permanência de pilotos pagantes também é um fator determinante na F1 atual. A equipe americana Haas F1 Team tinha como patrocinador principal até o início de 2022, a empresa russa de fertilizantes – Uralkali, pertencente a Dmitry Mazepin. Em 2021, o filho de Dmitry, Nikita Mazepin, foi anunciado como titular da equipe. Não obteve vitórias ou pódios durante toda a temporada, além de não entrar na zona de pontuação e protagonizar diversos episódios de desentendimento – dentro e fora das pistas – com outros pilotos e com sua própria equipe.

Assim, os pagantes ocupam assentos de uma categoria já altamente disputada. Entre as vagas disponíveis, competem os “rookies” (novatos) e os pilotos já no grid, que garantem certa vantagem por sua experiência. O lineup da temporada de 2023, na metade da temporada de 2022, já tem 11 das 20 vagas definidas – todas por pilotos já presentes na F1.

A entrada dos novatos, portanto, deve trazer benefícios para justificar a escolha sobre pilotos experientes no esporte. O incentivo financeiro é determinante para essa decisão. Não é à toa que a categoria é conhecida pelo lema “Cash is king” (“O Dinheiro Manda”) – termo inclusive utilizado no documentário da Netflix “Drive to Survive” sobre a F1.

Ainda a partir da declaração de Hamilton, a F1 não é um clube qualquer, mas um restrito grupo de “meninos bilionários”. Assim como Mazepin, que só perdeu sua vaga no grid por conta dos problemas políticos da Rússia, diversos pilotos garantem suas vagas através dos privilégios que podem levar às equipes.

Nesse sentido, nem sempre os pilotos vão carregar patrocinadores com dinheiro diretamente. Existem casos no grid atual que ilustram bem essa troca de interesses. George Russell, hoje piloto da gigante Mercedes, ficou por três temporadas na Williams, equipe que utilizava o motor fornecido pela Mercedes em seus carros. A presença de Russell na equipe britânica era crucial para o bom relacionamento do time com o fornecedor da sua unidade de potência.

Outro exemplo dessa troca de interesses é a nacionalidade dos pilotos. Promovido da F2 a F1 em 2021, o japonês Yuki Tsunoda, faz parte da escuderia Alpha Tauri, que utiliza o motor Honda. Por ser japonês, assim como a fornecedora da peça, Tsunoda é crucial nessa relação. Similarmente, Mick Schumacher, integrante da Haas, é importante para a equipe utilizar o motor Ferrari. Enquanto Yuki carrega a bandeira de seu país, Mick traz consigo o histórico sobrenome de seu pai, Michael Schumacher, ídolo da Ferrari. 

O quesito nacionalidade pode ser ainda mais simples do que isso. É o caso de Lando Norris. O jovem britânico compartilha a mesma nacionalidade de sua equipe – McLaren – e, além disso, os ingleses possuem uma história importante com a categoria. Esse também é o caso de Ocon, nascido na França, país também identificado com a F1, que faz parte da equipe Alpine, antiga Renault.

Falta patrocínio para os brasileiros chegarem à F1

França, Inglaterra, Alemanha, Brasil… Para a fã de corridas e estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ashley Menezes, esses são países com mais representatividade na F1, contando com campeões em diversos momentos da história do esporte. Porém, somente uma dessas nações não possui representante no grid atual. No cenário nacional, a falta de patrocinadores é um dos maiores empecilhos para a chegada de brasileiros ao alto escalão do automobilismo. Amir Nasr, CEO da Amir Nasr Racing, responsável por gerenciar a carreira de Felipe Nasr – piloto que, em 2015, alcançou o melhor resultado de um brasileiro em sua primeira corrida na F1 – passou a acompanhar Felipe Drugovich em todas as etapas e treinos desta temporada da F2. Em entrevista exclusiva, Amir falou sobre o quesito financeiro das empresas nacionais.

“Para os brasileiros, está faltando um maior apoio de empresas brasileiras que têm condições de se aproveitar da F1 como vitrine de suas excelências, capacidades e tecnologias de representatividade mundial.”

Desde a saída da Petrobras da McLaren em 2019, não há empresas brasileiras com presença forte na categoria. Atualmente, a maior causa dessa situação é a piora do cenário econômico brasileiro e o aumento do dólar, tornando o alto investimento na F1 – por ser um esporte caro –  uma utopia.

Em entrevista para a GQ Brasil, em 2020, o automobilista Lucas Di Grassi compartilhou sua opinião sobre a ausência brasileira no paddock. 

“Ela [Fórmula 1] já não é uma categoria sustentável para as equipes de uma forma financeira adequada. Ela tem muito gasto e pouco patrocínio. Então você precisa do piloto que leve o patrocínio e o Brasil não tem empresas que patrocinem.”

O caso mais recente de decisão financeira no grid foi o de Pietro Fittipaldi e a Haas. O piloto brasileiro era cotado para substituir Mazepin na temporada de 2022, sendo inclusive escalado para a última bateria de testes da pré-temporada. Mas, não conseguiu seu assento como titular na F1. O motivo: não apresentar patrocinadores tão poderosos quanto os rivais. Apesar de receber apoio da Claro e da Moura – empresa de baterias de carro – Fittipaldi necessitava, segundo o site Motosport.com, de um aporte de cerca de R$80 mi, o que não foi alcançado. Ao final do imbróglio, a equipe americana optou pelo dinamarquês Kevin Magnussen, que apoiado pelo homem mais rico de seu país – dono da grife Jack & Jones – chegou com uma verba de R$107 mi – além de já ter sido piloto da equipe entre 2017 e 2020.

Apesar da questão atual, o problema em si não é novo. Em 2013, disputando a Fórmula 3 (F3), Pipo Derani usou o próprio carro como forma de manifestação à falta de interesse de investidores. O paulistano colou um adesivo com a bandeira brasileira e um ponto de interrogação no centro. A atitude foi uma forma de demonstrar sua insatisfação com o abandono dos pilotos do Brasil. 

Assim como o apoio do seu país de origem, o apoio de alguma equipe durante a carreira pode ser crucial para a formação e projeção de um piloto. Essa prática é comum nas equipes da F1 com jovens talentos. Entre as academias de formação de pilotos, destacam-se: a Mercedes Junior Team, a Red Bull Junior Team e a Ferrari Drivers Academy (FDA). Ex-integrante da FDA, o brasileiro Gianluca Petecof venceu, em 2020, a Fórmula Regional Europeia em cima do seu companheiro de equipe – e também de Academia na época – Arthur Leclerc. Mesmo assim, inesperadamente, o escolhido para ser promovido pela equipe à F3 no ano seguinte foi Leclerc. Esse desentendimento foi um dos fatores que causou o desligamento de Petecof da Academia.

“No início, enquanto os pilotos ainda estão nas categorias de base pode ter uma importância promocional e, quando bem negociada essa participação, acesso a simuladores, programas de treinamento físico e mental e claro, proximidade com as esferas de decisão. À medida em que vão avançando nas categorias, essa participação vai se tornando menos benéfica já que o funil aperta, a concorrência aumenta e o piloto acaba ficando preso a uma Equipe que não necessariamente é a que vai dar oportunidade na F1”.

A fala de Amir compreende bem a história do Petecof com a FDA. O piloto se desligou quando a relação deixou de ser interessante para ambos os lados, atitude correta na visão do CEO.

Além disso, a Fórmula 1 é um evento que depende da variável promocional. No Brasil, há uma falta de cobertura da mídia. Em parte pelo aspecto cultural, já que o destaque midiático do país é voltado para o futebol. 

“A rigor, não temos mais nenhuma publicação dedicada às competições que, no Brasil, dependem unicamente da condição de evento promocional”, diz Amir Nasr. “Portugal, que tem apenas 10 milhões de habitantes, tem revistas semanais e sites que cobrem diversas competições no país e no exterior falando das provas e cobrindo os pilotos portugueses.”

Curiosamente, o país europeu não possui um histórico de pilotos sequer comparável ao Brasil ou um representante no grid atual – e ainda assim, não deixa de cobrir e explorar as esferas de oportunidades do esporte.

“Falta entusiasmar e não só com a F1, mas também com as diferentes provas e ações locais. Temos um campo fértil produzindo pilotos e pilotas de qualidade e de diversas idades que esbarram em coberturas limitadas, correligionárias e confusas” conclui Nasr.

Outra limitante é a negligência ao esporte de base. A concentração da oferta de pistas no Brasil é, basicamente, no Sul e no Sudeste – restringindo o acesso daqueles que sonham em seguir carreira no automobilismo. Em entrevista para a Agência Brasil, o presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), Giovanni Guerra, evidencia a importância do investimento no kart para o aproveitamento do talento no país. 

“Temos no Brasil kartódromos públicos e privados construídos de acordo com a vontade política e/ou recursos financeiros disponíveis de cada local. Posso assegurar que há pilotos em todos os cantos do país. O que falta é impulsionar campeonatos em cada região para os pilotos locais terem oportunidade de competir e se desenvolver.”

A imagem que fica é que não existe preocupação alguma em ver novamente o verde e amarelo subindo ao som do hino nacional para o lugar mais alto do pódio. Ayrton Senna, para muitos mundo afora, o maior piloto de todos os tempos e para nós brasileiros, ídolo de toda uma geração, não possui sucessor atualmente. O país do futebol, que dedicou um título de Copa do Mundo à memória do ex-piloto, não pode olhar para a F1 e torcer para escutar o clássico hino da vitória ao final da última volta.

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