É difícil tentar imaginar quantos cenários diferentes poderiam ter acontecido nesta estreia da Arábia Saudita na Fórmula 1. Por duas vezes, Max Verstappen teve em mãos a chance de vencer e chegar mais tranquilo para sua primeira decisão em Abu Dhabi. E por duas vezes o mesmo tipo de abordagem “full send” que faz o holandês ser quem é lhe tirou essa chance. Usando mais a cabeça no domingo, Lewis Hamilton venceu pela terceira vez seguida no campeonato, empatando um campeonato que parecia quase perdido há um mês.
A primeira chance que Verstappen construiu e destruiu foi na classificação, quando ele vinha em uma volta espetacular até não aceitar a saída de traseira na última curva, continuar acelerando e acabar no muro. A segunda foi construída, na verdade, com uma pitada de sorte da Red Bull, que optou por fazer o contrário da Mercedes quando Mick Schumacher causou um Safety Car na volta 9, não parou, e acabou ganhando uma troca de pneus grátis quando foi dada a bandeira vermelha. Mas uma largada ruim somada a uma defesa agressiva, saindo da pista para se manter à frente, fizeram com que Verstappen tivesse de remar de novo.
Na segunda relargada, na volta 16, ele sairia de terceiro, com os pneus médios, a única tática que a Red Bull podia fazer para permitir que seu piloto tivesse a aderência de que precisava para atacar nos primeiros metros. Isso deu certo, mas cobraria seu preço no final. E o resto é história.
Do lado de Hamilton, a corrida pareceu perdida algumas vezes: quando a Mercedes percebeu que tinha problemas para aquecer seus pneus na classificação, precisando de duas voltas lançadas (e sem tempo hábil para fazer isso no Q3). Com a batida de Max, a Mercedes não apenas conseguiu uma inesperada pole, como também fechou a primeira fila.
Na corrida, os problemas de aquecimento poderiam aparecer na largada, na primeira volta de retorno dos boxes e em potenciais relargadas, em um circuito de alta velocidade e muros próximos. No mais, por Jeddah ser um circuito front-limited, ou seja, é o dianteiro esquerdo que acabava primeiro, a tendência era que o ritmo de corrida fosse melhor que o da Red Bull. Era só uma questão de cuidar do jogo de médios no início e evitar o undercut.
Quando Schumacher bateu, a avaliação da Mercedes era de que não seria necessária uma bandeira vermelha, e o time chamou ambos os pilotos à pista, usando Bottas para andar no limite máximo do delta dado aos pilotos para que ele abrisse um espaço para Hamilton e o time não corresse o risco de perder as duas posições. Mas a tática não deu certo simplesmente porque a Red Bull não parou Verstappen. E o que seria uma opção arriscada, com o pneu médio já no fim da vida útil, logo mudou de cara quando a bandeira vermelha foi acionada e Verstappen pode, também colocar os duros para, em teoria, ir até o final.
Foi então que o GP da Arábia Saudita passou de uma corrida tática para um vale-tudo.
Verstappen e Hamilton dividiram a primeira fila e a primeira curva, e o holandês saiu da pista e cruzou na sua frente. A Mercedes quase parou, e com isso Esteban Ocon se meteu entre eles. A direção de prova não gostou nada da manobra e ia pedir a Verstappen que devolvesse ambas as posições quando houve outro acidente mais atrás, envolvendo George Russell e Nikita Mazepin, com Sergio Perez rodando também. Mais uma bandeira vermelha.
O que se segue é uma negociação entre Michael Masi e a Red Bull para determinar onde Verstappen largaria, e a equipe aceita devolver as posições a Hamilton e Ocon, o novo pole, levando em consideração que Max seria punido de qualquer maneira.
Isso muda a cara da corrida para a Red Bull: o único jeito de vencer seria colocar os pneus médios, tentar lucrar com a aderência superior na largada, e controlar a corrida da ponta. O plano dá certo: Verstappen passa Hamilton e Ocon, com o inglês ficando ensanduichado entre os dois, e toma a ponta da prova, agora sem punições.
Mas ainda faltavam 33 voltas pela frente, mais de metade da corrida.
Hamilton logo se livra de Ocon e vai para cima do rival, ou melhor, tenta ir. Com os pilotos muito mais próximos depois das interrupções, os toques começam a ficar mais frequentes, e os detritos na pista, sem ter para onde ir com os muros tão próximos, geram uma sequência de três Safety Cars Virtuais em vinte voltas. Foi uma fase que ajudou Verstappen com seu dianteiro esquerdo, mas já dava para notar que o equilíbrio do carro não era o mesmo nas saídas de curva. E, no final da volta 26, ele escorregou e Hamilton colocou por fora na reta principal.
Mesmo por dentro, Verstappen não faz a curva, Hamilton evita o contato, e fica atrás do holandês. A interpretação da direção de prova é a mesma do lance da primeira relargada: Verstappen só está na frente porque não fez a curva. E Masi ordena que ele devolva a posição.
A instrução da Red Bull para o holandês é de que ele faça isso taticamente, ou seja, antes do último ponto de detecção do DRS, a fim de que ele tivesse a chance de dar o troco na primeira curva. Teoricamente, isso nem seria permitido, como Hamilton descobriu no GP da Bélgica de 2008, mas Verstappen segue a ordem.
Eles só não contavam com a demora da direção de prova em avisar a Mercedes da inversão. Quando eles chegam no ponto de detecção do DRS, em plena reta, o inglês percebe que o rival está tirando o pé, mas acha que é só uma tática, e também diminui a velocidade. O choque entre os dois acontece quando Max decide frear.
O holandês, então, sofre duas punições: uma por, efetivamente, não ter devolvido a posição, e outra por ter freado no meio da reta, tendo 15s acrescidos a seu tempo final.
Isso não mudaria sua posição de prova porque o desgaste de pneus já era alto demais para conseguir deixar Hamilton atrás, e o inglês, finalmente, o passou na pista para vencer. Verstappen foi segundo, depois que Bottas ficou preso atrás de Ricciardo da volta 16 à 39. O finlandês ainda foi à caça de Esteban Ocon e conseguiu beliscar o terceiro posto, passando o francês na linha de chegada.
Ocon foi um dos beneficiados com a bandeira vermelha, assim como Ricciardo, quinto colocado, Gasly sexto e Sainz, oitavo. Ele e Leclerc, que largou em quarto, foi um dos que pararam no SC e depois se tocou com Perez, chegaram a se estranhar. O espanhol tinha largado com os duros, e fez a segunda metade da corrida com os médios, perdendo rendimento no final e tendo de ceder a posição ao monegasco. Giovinazzi e Norris, outro muito prejudicado pela primeira bandeira vermelha, completaram o top 10.
3 Comments
Ótima análise, como sempre.
Mimimis a parte, teremos uma última prova sensacional.
Quem chegar na frente leva. O “empate” é do Max. Que deve continuar jogando bem duro, mas não acredito que vai bater de propósito. E o Hamilton já sabe que passar o Verstappen não é para qualquer um.
Tivemos a temporada épica, e o título já está em boas mãos, independente de quem seja.
as punições não mudariam as posições de chegada dos pilotos, mas tirou do max a chance de fazer a melhor volta… já pensou o campeonato ser decidido por 1 ponto!?! quero muito ver essa corrida final AAAA
Achei a punição de 10s ao Verstapen muito branda, e na verdade abre um precedente perigoso.
Se a vantagem do Mac para o terceiro colocado fosse inferior a 10s a FIA teria dado 5s , ela não quis interferir na disputa do título, mas a punição correta ali seria um drive thru , ou como a corrida já havia acabado, o coreto seria o acréscimo de 20s , o que jogaria Verstapen para o quarto lugar com 6 pontos de defasagem para Hamilton.
Mas até a bandeira preta ali não seria um absurdo, foi a manobra mais suja que me lembro entre postulantes ao título , a FIA tem que criar uma medida para punir Verstapen em caso de batida , pois caso contrário no Domingo é o que irá acontecer, a menos que Hamilton suma na frente.
Ps: não torço para o Hamilton