Raio-X do GP do Abu Dhabi, à imagem e semelhança da temporada 2021 - Julianne Cerasoli Skip to content

Raio-X do GP do Abu Dhabi, à imagem e semelhança da temporada 2021

(Photo by Clive Rose/Getty Images)

A decisão do que tem tudo para entrar pelo menos no top 5 entre as melhores temporadas da história da Fórmula 1 teve todos os ingredientes que marcaram o ano: brigas diretas e controversas entre os rivais Max Verstappen e Lewis Hamilton, dois carros mostrando suas qualidades diferentes, as equipes optando por acertos distintos, decisões confusas da direção de prova e, é claro, um momento em que tudo o que parecia certo virou de cabeça para baixo.

Superior na decisão em Abu Dhabi, Hamilton parecia ter uma mão inteira, pelo menos, na taça, quando um Safety Car foi acionado a seis voltas do final. E perdeu o octa na última volta, de maneira até mais dramática que ganhou seu primeiro título, em 2008: em uma briga direta com Verstappen, o holandês o ultrapassou pela vitória e conquistou seu primeiro mundial.

Como por tantas vezes em 2021, tudo isso era difícil de prever depois da classificação, em que Verstappen domou a dianteira sempre nervosa da Red Bull para fazer um tempo com que Hamilton nem poderia sonhar. Como por tantas vezes em 2021, as filosofias diferentes de Red Bull e Mercedes surtiram efeito em uma pista na qual, ou você começa a volta com a temperatura abaixo do ideal, ou termina cozinhando os pneus. Como essa era a grande preocupação do time alemão para a corrida, a opção foi por tirar um pouco da carga nos pneus, o que dificultou a vida dos pilotos no sábado.

Mas o que aconteceria, então, com o equilíbrio da Red Bull na corrida, especialmente porque Verstappen largaria com os macios, menos proibitivos que em anos anteriores em Abu Dhabi devido às mudanças feitas no circuito, mas ainda assim menos duráveis que os médios de Hamilton?

A situação começou a se complicar quando a vantagem mais óbvia dos macios na largada se evaporou em menos de 200m, quando Hamilton tracionou melhor e tomou a ponta. Verstappen logo atacou, mergulhando mesmo estando bem longe para tentar a ultrapassagem, o inglês aproveitou que o espaço de um carro que deveria estar ali de acordo com as regras desapareceu para tomar uma linha bastante vantajosa e permaneceu na frente. No que seria somente a primeira decisão questionável do dia, o diretor de prova Michael Masi ficou satisfeito com a levantada de pé que o inglês deu na reta seguinte, embora Max tenha fechado a primeira volta já mais de 1s atrás.

Tendo que seguir o rival com pneus mais macios e uma asa menor (o que faz o carro escorregar mais), não demorou para Verstappen acabar com os pneus traseiros e ir perdendo contato. A Red Bull, então, começou a olhar para trás, encontrando um espaço para chamar o holandês para os boxes sem deixá-lo no trânsito de outros pilotos (Tsunoda e Bottas) que também tinham largado com os médios.

Ele é o primeiro dos ponteiros a parar, na volta 13, quando já está a mais de 5s do líder, então um undercut está fora de questão. Cabe à Mercedes apenas copiar o que Verstappen faz, e eles param Hamilton na volta seguinte. Ambos colocam os duros, que podem ir até o final.

Verstappen volta à pista tendo de ultrapassar Sainz, que vende caro a posição, então o aquecimento de seu composto duro não é o ideal (para o pneu durar, o melhor é ir forçando-o aos poucos, e ele não teve essa chance). O prejuízo para Hamilton chega a 9s.

O papel fundamental de Perez

Mas a Red Bull tinha um plano B: deixar Sergio Perez na pista para que ele atrapalhasse Hamilton. E o mexicano o faz, no limite do que é aceitável para defender sua posição. E Max chega a ficar a menos de 2s do rival até que Hamilton passa Perez, e novamente vai aumentando sua vantagem na ponta.

Estes 7s perdidos atrás de Perez, contudo, acabam sendo cruciais ao longo da corrida, pois vão ajudar Verstappen a estar dentro da janela de Safety Car de Hamilton por duas vezes. Ou seja, nas duas oportunidades em que um SC ou VSC apareceram, Lewis não tinha vantagem suficiente para parar e voltar na frente.

Do lado da Red Bull, perdendo em termos de ritmo, ter pneus mais novos era a única cartada possível. Como ele não tem mais jogos de médios zerados, a opção é pelos duros, na volta 36, aproveitando um Safety Car Virtual causado pelo abandono de Antonio Giovinazzi. Naquele momento, Hamilton tinha menos de 6s de vantagem, por isso não respondeu.

Com pneus novos, o holandês até vai tirando a desvantagem mas, com sete voltas para o final, ele ainda está 11s atrás, ou seja, depende ou que os pneus de Hamilton acabem de uma hora para a outra (algo improvável a este ponto) ou de um Safety Car. Isso porque a perda de um pit stop com a corrida neutralizada era de 15s, o que significava que ele novamente estava dentro da janela de SC do líder da prova. 

A decisão de Masi

Eis que Nicholas Latifi bate em um trecho em que os muros estão próximos, e o tal SC aparece. Novamente, a Red Bull para Verstappen, agora para colocar pneus macios e deixá-lo na melhor condição possível para o ataque no caso de uma relargada. Eles não têm nada a perder porque ele voltaria em segundo de qualquer maneira, então em qualquer cenário possível (relargada com bandeira vermelha, SC com ou sem retardatários à frente, dependendo do tempo que haveria para o diretor de prova dar a bandeira verde), essa seria a única chance deles vencerem a corrida e o campeonato.

Na Mercedes, a decisão era mais difícil. Parar poderia significar jogar a liderança (e o mundial) fora caso a corrida não fosse reiniciada, caso houvesse uma bandeira vermelha (já que Verstappen ganharia uma parada grátis, efetivamente), e muito provavelmente caso não houvesse tempo de tirar os retardatários do caminho. O único cenário em que a tática poderia funcionar era ou se Hamilton parasse e Verstappen o seguisse, ou se os retardatários fossem tirados da equação e Hamilton conseguisse passar de volta na pista.

O que se segue é o pior cenário para a Mercedes e o melhor para a Red Bull: Michael Masi primeiro acredita que vai demorar para o carro de Latifi ser retirado, e decide que os cinco retardatários que estão entre Hamilton e Verstappen vão ter que ficar ali mesmo. A prioridade dele no momento é impedir que a corrida (e o campeonato) acabem sob regime de Safety Car.

Minutos depois, ele é informado que os fiscais estão limpando rapidamente a área do acidente, e toma uma decisão inusitada: só os carros que estão entre os rivais pelo campeonato vão descontar uma volta. Tecnicamente, a decisão é dele, embora isso desconsidere parte da regra, de que a relargada só pode ser dada na volta seguinte àquela em que os retardatários descontam sua volta. Não há tempo para isso.

A AlphaTauri foi outra equipe que lucrou com a relargada, já que seu dois pilotos colocaram os macios no final e passaram Valtteri Bottas, que também ficou com os duros velhos, na última volta. Tsunoda foi quarto e Gasly, quinto

A temporada 2021, então, como não poderia deixar de ser, ganha um final apoteótico e inesperado: Verstappen teve o carro mais lento por todo o domingo, mas a diferença entre o pneu duro de 40 voltas de Hamilton e seu macio novo é grande, assim como sua vontade de chegar a um título que foi tão seu por tantas vezes, mas que vinha escapando de seus dedos desde a troca do motor de Lewis no Brasil.

É a última volta e ainda há tempo de uma vista grossa do diretor de prova, quando Verstappen muda de direção mais de duas vezes na reta para se defender. 

Por um lado, a temporada não poderia ter tido um desfecho mais espetacular, com uma briga direta pela vitória e pelo título na última volta da última corrida. Por outro, as circunstâncias em que isso aconteceu bem que poderiam ser outras. Mas, no final das contas, 2021 foi tudo isso ao mesmo tempo, e a grande final não poderia ser diferente.

4 Comments

  1. Ju, adoraria saber sua opinião sobre a ultrapassagem do Verstappen na curva 5… me parece que o Hamilton não estava esperando… foi isso mesmo? Ou ele “deixou” o Max passar pensando que ia pegar ele na próxima reta?

  2. Michael Masi tem que ser demitido imediatamente: ele interferiu diretamente no andamento da temporada. E mais: as regras precisam ser revistas.

  3. Espero que essa bagunça toda sirva para que implementem uma regra simples: acidente no final da corrida (a x voltas do fim), declara-se bandeira vermelha. Se não me engano, isso foi feito em Baku e garantiu a emoção.

    Ju, parabéns pela ótima cobertura da temporada!

  4. Agora que passou uma semana e o título está entregue, e bem entregue porque o holandês mereceu. Afinal tirando as três corridas em que desistiu (Baku, Silverstone e Monza), ele ficou sempre em 1º ou 2º.
    Que esta confusão e todos os erros que a direção de corrida cometeu, com o Safety Car em Abu Dhabi e não só, sirva para clarificar as regras e que no futuro não aconteçam mais situações deste tipo.
    Este ano tivemos um campeonato espetacular e foi um gosto enorme seguir aqui todos os artigos escritos pela Julianne. Parabéns pelo excelente trabalho.

    cumprimentos

    visitem: https://estrelasf1.blogspot.com/


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