Continuando a viagem no tempo pelos 10 anos do blog enquanto a temporada não começa, um texto de 2017 com algumas boas conversas que tive sobre um dos povos mais gente boa representados no paddock.
Vou trazer nesta coluna ao longo do ano papos que tive no paddock explorando a visão de profissionais de outros países sobre diferentes aspectos da F-1. Espero que vocês curtam!
Quatro títulos mundiais, quatro vencedores de GPs e agora cinco donos de poles positions. Entre eles, 46 vitórias, 49 poles, 75 voltas mais rápidas e 170 pódios. A média é alta para um país que, desde sua primeira participação em 1974, teve apenas nove pilotos no total, vindos de uma população de 5,5 milhões de pessoas. Mas, afinal, por que os finlandeses são tão rápidos?
Há várias teorias. Heikki Kovalainen certa vez aludiu a uma espécie de tradição de guiar carros o mais rápido possível como regra geral – e começar cedo, nas estradas quase sempre desertas ou por caminhos na zona rural. E há quem diga que é tudo porque tais estradas estão quase sempre escorregadias por conta da neve e da chuva.
Mas também é verdade que o kart é bem mais popular na Finlândia do que em outros países. E não o kart de competição, mas uma brincadeira para as crianças. Para quem quiser levar a prática adiante, existe uma estrutura não muito cara para a realidade local, permitindo que famílias entusiastas das corridas, como era a família Raikkonen, com o pai e dois filhos correndo com os próprios recursos, consigam se manter competindo.
De quantidade se tira qualidade e o fato do kartismo estar tão presente já seria um motivo forte para responder à questão. Ainda mais se tratando de um país que está na Europa – o que diminui os custos de uma carreira nos carros de fórmula em comparação com o Brasil, por exemplo – e da realidade econômica favorável, com um PIB per capita de 50.000/ano. Além disso, trata-se de uma economia bem distribuída, em que a diferença entre os mais ricos e mais pobres é menor do que em outros lugares.
Porém, há quem refute tudo isso: das ruas escorregadias à situação cultural e econômica favorável. Conversei longamente com Heikki Kulta, principal referência do jornalismo finlandês de Fórmula 1 e que está na categoria desde o início dos anos 1990, tendo feito seu nome por ser ao grande especialista do país na época de Mika Hakkinen. O simpático Heikki tinha outra explicação para o sucesso dos pilotos de seu país: a resignação.
O jornalista contou que J.J. Lehto certa vez ridicularizou a teoria de que as estradas escorregadias geravam grandes pilotos. “Se fosse assim, minha vó seria a melhor piloto do mundo!”. Andar de carro comum no gelo, de fato, não faz você ser melhor em um fórmula em condições normais. Mas, sim, faz você ser melhor conduzindo um carro no gelo!
Seria o jeito de pensar finlandês que os tornaria tão bons no automobilismo. Nas várias vezes em que abordou o assunto com gente do meio, Heikki conta que teve respostas similares. “Desde as categorias de base, os engenheiros falam que, quando algo de errado acontece com pilotos de outros países, eles geralmente culpam o carro, arrumam desculpas. Os finlandeses apenas ouvem o retorno da equipe e tentam melhorar.”
Eles mesmos se consideram perseverantes, perfeccionistas e egoístas, trio de características que explica a frieza que passam de fora, mas que acaba sendo importantíssimo no esporte de alto rendimento (faço um parênteses aqui para relembrar um momento memorável da coletiva do sábado no Bahrein, quando Vettel pergunta a Bottas se há tradução para “exciting” no finlandês e a resposta é “não exatamente”). Junte-se a isso a fome de aprendizado e a atenção aos detalhes e dá para entender melhor porque um país cuja população é mais de 36 vezes menor do que a do Brasil é o único que tem dois pilotos entre as melhores equipes do grid.
3 Comments
Eu não acho que o Valtteri Bottas seja tão rápido assim. Pra mim ele só é mais rápido que o Kovaleinen, dentre os finlandeses. Eu acho que ele é tipo um Rubinho mais bravo, aceita a posição de segundo piloto sem cara de choro.
Na 2ª temporada de Drive to Survive, Toto Wolff disse que a Mercedes tem a filosofia de “não colocar a culpa em pessoas, mas sim no problema”. Parece-me que o mesmo tipo de comportamento se aplica aos finlandeses, além da mentalidade “sisu” tão típica deste povo.
Há um episódio do Top Gear no qual o Mika Hakkinen participa, ensinando o Captain Slow a como ser rápido em corridas de rally.
No meio, James May pergunta ao Mika o que é “sisu”, um termo finlandês. Em resposta, ele fala que em inglês equivaleria ao termo coragem e explica que, em competições automobilísticas, é a coragem para frear tarde, acelerar cedo e se manter perto do ápice da curva.
Talvez o diferencial dos finlandeses seja o “sisu”.