O regulamento é dividido a partir de agora em três conjuntos de regras diferentes, com a adição de um documento de 53 (!) páginas que define as regras do teto de gastos da F1. As outras duas partes são o regulamento técnico e o esportivo. Esse longo documento mostra como é o controle do teto e como funciona o sistema de penas para eventuais transgressões. E muita coisa não é exatamente o que parece.
A começar pelo valor.
O teto orçamentário foi desenhado para ir caindo ano após ano. Assim, as equipes grandes teriam a chance de ir se adaptando. Mas a realidade tem sido outra por dois fatores: níveis de inflação que a Europa não via há tempos e o crescimento do próprio campeonato da Fórmula 1.
Então, o plano de começar com limite de 145 milhões de dólares, depois passar para 140 e para 135 não vai sair do papel na realidade.
Qual é o valor real do teto de gastos da F1:
- Valor base de 135 milhões (que começou a valer só a partir de 2023. Para 2021 a base era 145 e, para 2022 era 140 milhões de dólares)
- 1,8 milhão de dólares para cada corrida além de 21 etapas no ano (até 2022, era 1,2 mi)
- 300 mil dólares para cada sprint
- Acréscimo da Inflação.
Há vários casos específicos, cobertos no artigo quarto do regulamento, que se chama “ajustes”. Um dos quatro subitens vai até a letra M, para você ter uma ideia da complexidade das normas.
Em todo caso, podemos chegar a uma conta do teto comum para as equipes.
A questão da inflação foi um problema que a F1 realmente não previa. De 1991 ao final de 2022, a taxa nos países que formam hoje a zona do euro não passou de 2,5%. Até por isso, o regulamento original previa que não haveria correção se a inflação anual ficasse abaixo de 3%.
Porém, logo no começo de 2022 ficou claro que esse número seria batido facilmente, então foi acertado ainda em julho um acréscimo de 3,1% para o teto do ano passado. Isso deu um respiro de 4.6 milhões de dólares para os times.
A partir de 2023, esse reajuste é feito sempre com base nos dados publicados aqui e referentes à inflação média do G7 em 31 de março.
Ano | Fixo | GPs extras+ | Inflação | Sprints | Total |
2021 | $145m | $3,6m* | $450.000 | $149.050.000 | |
2022 | $140m | $1,2m | $4,6m | $450.000 | $146.250.000 |
2023 | $135m | $3,6m | $5,8m | $900.000 | $145.300.000 |
2024 | $135m | $3,6m | 6,34m** | $1,8m | $146.745.000 |
*Se a corrida for cancelada menos de 3 meses antes da data marcada, ela conta para o teto.
**inflação anual do G7 em 31 de março de 2023 era de 4.7%
O mais curioso é que, enquanto algumas equipes lutam para entrar dentro do teto, outras brigam por ter 145 milhões de dólares em seu orçamento de competição.
Como a Red Bull estourou o teto de gastos da F1 em 2021 e qual a punição
O caso da Red Bull é um claro exemplo de como o processo funciona. A coisa parecia se encaminhar para um acordo para uma pena mais leve quando a Mercedes e a Ferrari decidiram falar com a imprensa, na quinta-feira do GP de Singapura, em setembro de 2022. As contas das equipes, entregues em março e referentes a 2021, já tinham sido apuradas.
Os rivais não só sabiam que as contas da Red Bull não batiam, como desconfiavam que eles tinham encontrado uma forma de gastar mais. Isso porque as contas entregues por eles informaram um valor abaixo, mas não computavam tudo o que deveria estar ali.
Eles não foram os únicos a cometerem esse erro. O mesmo aconteceu com a Aston Martin, mas eles ficaram abaixo do teto de qualquer maneira. Foram multados. E a Williams também recebeu uma multa por um atraso na entrega de documentos.
A pressão funcionou, a Red Bull evitou levar a questão aos tribunais e um acordo foi feito com uma multa (de 7 milhões de dólares, que não é paga com dinheiro do teto) e diminuição na porcentagem de desenvolvimento aerodinâmico por 12 meses (10% a menos do que eles teriam).
No final das contas, a vantagem que eles tinham com a interpretação correta do regulamento era tamanha que a pena acabou não surtindo efeito. Mas também é difícil sustentar que o gasto a mais de algo em torno de 1 milhão de dólares seja a causa do domínio do time de Milton Keynes.
O que não entra na conta do teto de gastos da F1?
O mais importante para se entender sobre o teto de gastos da F1 é que ele não determina o quanto cada equipe pode gastar. A ideia é limitar o quanto se coloca no desenvolvimento do carro e na operação da equipe. Com isso, há uma tentativa de diminuir os gastos, sim, mas também que que o diferencial seja mais a capacidade dos engenheiros.
Então, é uma ferramenta para cortar gastos a princípio. Mas também serve para convergir a performance mantendo os carros diferentes.
Assim, fica mais fácil entender porque é necessário usar quase todo o alfabeto para listar o que está excluído dessa conta (os itens vão de A até Y). Além dos salários e gastos com pilotos e com os três funcionários mais caros, fazem parte das exclusões: custos com marketing, como manutenção e testes dos carros antigos, contas de previdência social dos empregados, a parte jurídica, de recursos humanos e as taxas de inscrição.
Há outras exclusões interessantes. Como tudo o que a fábrica precisar comprar para funcionar e os custos de manutenção – que não sejam para fazer as peças do carro. E os gastos para comprar unidades de potência, contando que eles fiquem limitados pelo que determina o regulamento esportivo. Os custos de fabricação e desenvolvimento de motores também não entram.
Algo que não está na lista de exclusões e que está custando caro às equipes é o cargo. Há um acordo com a DHL, mas ele não cobre todos os gastos de transporte, que aumentaram muito com a pandemia e a guerra da Ucrânia.
Como as equipes vão comprovar que estão dentro das regras?
Ao final de cada ano, cada equipe tem de apresentar seus registros financeiros para a mesma firma de auditoria independente que controla todo o regulamento. E estas contas passam pela avaliação do Painel de Teto Orçamentário.
A FIA tem feito visitas e entrevistas com funcionários para se certificar de que não há pessoas trabalhando oficialmente em outros projetos não relacionados à F1 mas que, na prática, têm envolvimento com o time. Essa é a parte que vem se provando ser a mais difícil de policiar.
E, para quem se pergunta como uma equipe que compra a caixa de câmbio, por exemplo, de uma rival demonstra suas contas. O regulamento prevê as diferentes maneiras de se calcular tudo isso para que seja justo para todos.
Como funciona a investigação e as penas?
Esse ponto não é diferente de qualquer outro tipo de suspeita: há uma auditoria nas contas. Ao mesmo tempo, um rival pode questionar os gastos do outro para fazer com que a FIA passe um pente fino. Ou seja, o sistema é semelhante ao que acontece com os carros, inclusive, com protestos.
Tais protestos precisam ter evidências, não podem ser somente ‘’olha lá a conta desse time porque aí tem coisa’’. Novamente, é igual com a parte técnica: as rivais nunca protestaram o motor da Ferrari em 2019 por exemplo, já que não se tinha certeza do que eles estavam fazendo. Ao invés disso, cercaram a FIA para que eles investigassem.
Aliás, já se vê isso desde o início da temporada: as equipes anotam tudo o que os rivais fizeram nos carros e vão fazendo uma lista. O cálculo é que um time grande gaste 10% do seu orçamento (ou seja, 14 milhões de dólares) com o desenvolvimento de novas peças. E não é difícil estimar o quanto o rival gastou.
Mas há algo diferente: o protesto pode vir de delações premiadas, garantindo imunidade a quem denunciar (e são mais de duas páginas só estabelecendo as regras disso).
Quais as punições para quem não cumprir o teto de gastos da F1?
A gama de punições é grande e algumas delas são interessantes. Há uma tolerância de 5%, dentro da qual o time sofreria ‘’penas esportivas menores ou multa’’. E as penas ficam mais pesadas se for constatado que a equipe fez algo de propósito. Por outro lado, cooperar com as investigações ou alegar que houve um erro ajuda a diminuir a pena.
A gama de punições é, no mínimo, interessante:
- dedução de pontos do campeonato de construtores e também de pilotos
- diminuição do teto no ano seguinte
- diminuição da quantidade de testes aerodinâmicos
- suspensão de provas do campeonato
- exclusão do campeonato
Ajuste no teto de gastos da F1 permite que equipes menores invistam mais
Uma alteração interessante foi feita na regra do teto orçamentário da F1 e começou a valer a partir de 2024. Há uma diferença no limite de investimento dependendo do nível de estrutura que cada um já tem na fábrica.
Quando o teto foi definido, todas as equipes podiam gastar o mesmo em infraestrutura: 45 milhões de dólares divididos em quatro anos, entre 2021 e até o final de 2024.
A partir de 2024, haverá 3 níveis de investimento (51 milhões, 58 e 65, lembrando que esse deve ser o total do investimento no período de quatro anos que iniciou no começo de 2021). E novos valores totais foram acertados para o período entre 2025 e 2028:
- Red Bull, Mercedes e Ferrari poderão gastar até 42 milhões de dólares
- McLaren, Alpine e Aston Martin poderão gastar até 49 milhões de dólares
- AlphaTauri, Sauber, Haas, Williams poderão gastar até 56 milhões de dólares
Essa alteração é curiosa porque mostra a situação atual da F1, tanto do lado da arrecadação, quanto dos efeitos do teto de gastos. Uma equipe como a Williams, por exemplo, não vinha investindo em infraestrutura porque não tinha dinheiro. O teto ajudou a controlar os gastos. A expansão do campeonato está ajudando na receita. E o teto de investimento ficou defasado.
Qual o impacto do teto de gastos da F1 para os times?
Uma das grandes brigas quando os detalhes do teto orçamentário estavam sendo debatidos era como garantir que uma mão de obra tão especializada e forte como a das equipes da F1 ficaria com toda essa situação. As leis trabalhistas italianas principalmente eram um empecilho e as próprias equipes também não vão querer se desfazer de profissionais altamente capacitados e que conhecem muitos detalhes internos. Sob o risco deles serem irem parar nos rivais.
Então, embora exista uma grande preocupação com o corte de funcionários, as equipes vão tentar de tudo para absorver quem não puder mais trabalhar no projeto de F1 em outras áreas dentro da própria empresa (inclusive criando/ampliando) a participação em outras categorias. Isso porque, embora os custos com benefícios dos empregados não entre nas contas do teto, o salário conta. Foi isso que a Ferrari fez com a Haas, por exemplo, e desenvolvendo projetos paralelos para não perder profissionais.
Teto de gastos pode trazer desdobramentos interessantes para o final do campeonato
Também espera-se que o teto traga um impacto na quantidade de peças de reposição das equipes, e também na sua vida útil. E talvez pilotos sendo mais cautelosos especialmente na parte final do campeonato, cujos treinos livres devem ser mais esvaziados. Na verdade, já vimos muitos casos em 2022 de carros com peças remendadas mesmo nas grandes.
Mas o mais interessante de tudo isso é que a própria receita para ser grande na F1 pode mudar. E dou um exemplo concreto: ouvindo as histórias do desenvolvimento do motor de 2014 da Mercedes, fica claro que todas as vezes que Brixworth apontou para Stuttgart que o orçamento estava estourando, tiveram o sinal verde para continuar e isso acabou sendo fundamental. O que a Mercedes fez, efetivamente, em 2013 foi construir um motor totalmente voltado para ser confiável e outro focado em performance, para depois chegar em um terceiro que tentava juntar o melhor de ambos.
É um tipo de abordagem que já não foi possível para o carro de 2022. Toda a questão risco/recompensa foi reavaliada, e equipes tiveram que seguir adiante com conceitos sem que eles fossem totalmente validados antes disso. De qualquer maneira, como os pilotos costumam dizer, é o mesmo para todos. E o mais eficiente, leva.
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