No futebol, criou-se uma convenção de que os campeonatos são disputados por pontos corridos e as copas, em mata-matas. Um é o modelo justo do ponto de vista esportivo, ainda que tenha ganhado adeptos no esporte por manter times menores em evidência por mais tempo – ou seja, por motivos comerciais. O outro, é claramente mais voltado ao espetáculo e, quando temos um modelo “híbrido”, como o campeonato paulista, isso transparece: em um jogo, o time de melhor campanha pode cair diante do oitavo. E fim de papo.
Em maior ou menor escala, toda modalidade vive essa dicotomia entre ser esportivamente justa e economicamente viável. Afinal, para gerar dinheiro, esse negócio de fazer esporte precisa de público. Na Fórmula 1, essa é uma questão recorrente: é mais interessante ver os melhores conjuntos sendo absolutos ou é possível jogar uma pimenta sem comprometer o resultado final? Há quem torça o nariz para a obsessão atual da F-1 com o show. Eis os motivos:
Queixa 1: Há mais ultrapassagens, mas menos batalhas
Os números de ultrapassagens quadruplicaram em relação a 2009, mas até os pilotos reconhecem que elas, muitas vezes, são fáceis demais. Isso ocorre pelo combo pneus de alta degradação + asa traseira móvel, mas não quer dizer que nenhuma manobra tenha seu valor. Na última prova, por exemplo, Sebastian Vettel não precisou de nada disso para superar Fernando Alonso e Nico Rosberg em uma curva que não é ponto de ultrapassagem costumeiro. E o próprio Alonso pulou de 18º na volta 9 para 8º no final sem DRS.
Basicamente, se todas as ultrapassagens forem lutadas, elas serão raras. Além disso, a baixa durabilidade dos pneus não tem apenas a função de causar mais duelos, mas também de abrir possibilidades estratégicas. Outro fator é que a atual conjuntura permite que equipes médias afetem a corrida. Se não amplia duelos, amplia possibilidades.
Queixa 2: DRS é muito artificial
Concordo que a DRS pode ser artificial em alguns momentos, mas é uma questão de adequar o tamanho das zonas de ativação para que os pilotos dividam a freada. De forma geral, na maioria dos casos em que as ultrapassagens são fáceis demais é porque há a combinação da DRS + pneus desgastados.
E se tivermos só uma das variáveis? Seria interessante testar tirar o DRS e deixar os pneus. Mas há um porém: pneus com alta degradação existem para compensar a importância que a aerodinâmica ganhou, assim como a DRS. Porém, seguir outro carro provoca tanta degradação que também dificulta a ultrapassagem. Por isso, o DRS seria um complemento.
Queixa 3: A classificação não serve para mais nada
Confesso que também acreditava que a classificação não tinha mais tanto valor. Afinal, vimos um Alonso ano passado disputando o título até o final com o sexto lugar como média de posição de largada. E Kimi Raikkonen ficou em terceiro sem saber como era largar da primeira fila.
Por isso, surpreende que a conversão pole/vitória tenha permanecido quase inalterada nos últimos sete anos. Parece que as qualidades necessárias para vencer só sofreram algumas substituições: antes era preciso equilibrar velocidade e uma boa estratégia de combustível, agora o desafio é na gestão da velocidade/durabilidade dos pneus para ter caminho livre.
Isso porque o cenário atual cria um baita desafio técnico, que tem a ver com os pneus em si, como também com o fim do reabastecimento e a impossibilidade de mudar o carro da classificação para a corrida: vou desenvolver meu carro para colocar pouca energia no pneu e, com isso, não classificar tão bem e crescer na corrida ou o inverso? O quão perto posso chegar do equilíbrio?
Queixa 4: Essas corridas evidenciam os pilotos que mais economizam, não os mais rápidos
Dei minha opinião sobre o assunto já no post passado: acredito que o argumento cai por terra quando vemos os mesmos Raikkonen, Alonso e Hamilton que conquistaram títulos em regulamentos completamente diferentes ganhando destaque também hoje em dia. E Vettel só não está na lista pela idade.
Na verdade, o que observamos é uma queda forte no número de dobradinhas. Não seria um sinal de que o piloto ganhou importância?
Além disso, a gestão de performance é algo que permeia a maior parte da história da F-1. Pilotar em um delta para economizar combustível e detonar os adversários nos finais de prova era a especialidade de Alain Prost, por exemplo.
Do que mais vocês gostam ou não gostam nas corridas de hoje? E quais os acertos que poderiam ser feitos nas regras?
14 Comments
Eu penso que não é errado o pneu ser menos durável. Não sei como o DRS poderia ser aplicado de maneira mais justa, mas o Alonso provou a meu ver que ele é muito dispensável. Mas essa discussão ficou no post passado, o primeiro dessa série… =D
Eu realmente acredito que hoje se valoriza mais o piloto, não o oposto. É só olhar Kimi X Massa… O Kimi saiu da F1 e voltou, com um carro pior, pilotando muito mais que o Massa. O Massa ficou o tempo todo (tirando o afastamento pelo acidente), mas está num nível muito abaixo de Kimi. Nem Webber, com aquela máquina nas mãos acompanha o rapaz. E o Kimi não é só economia. Na época de Mclaren ele lutava a prova inteira com o Schumi, até o seu famoso azar da época chegar e o carro abrir o bico. Então ele sabe pisar… Sabe dosar… Como ele mesmo diz, sabe o que está fazendo.
Eu, na minha humilde visão, penso que as asas traseiras deveria ser menores, não em largura, em espessura. O ar passaria mais livre para o carro de trás, logo seria mais fácil de o carro de trás manter mais pressão aerodinâmica. Mas não sei se realmente afetaria, só um bom engenheiro para dizer. De qualquer forma, a solução é a FIA contratar o Adrian Newey. Ele vai saber fazer um projeto pra aumentar a chance de ultrapassagem, hehehehe.
A F1 mudou. De jogos decentes, jogos online multiplayer, promoções em vários países realizadas por equipes (“talvez” ainda falte a transmissão on line, mas nem tudo são flores na vida de Bernie)… Acho que tudo se encaminha não as mil maravilhas, mas melhor do que era no início dos anos 2000. Por isso minha ânsia em ver o que será de 2014… hehehehehehe
A diferença é que Prost fez a escolha por esse estilo e o desenvolveu magistralmente, mas havia espaço para outros pilotos guiarem de acordo com seus estilos. Prost venceu 39 corridas nos anos 80, Mansell, longe de ser refinado e calculista, venceu 15 provas. Senna, que ora era calculista, ora rápido, venceu 20 GPs. Havia espaço para estilos diferentes.
Hoje não há alternativa. Preservar pneus e respeitar o delta, determinado pelos engenheiros e computadores, é a regra do jogo. Não há como alguém optar por qualquer outra abordagem.
Continuo achando a F-Pirelli um retrocesso.
Brilhante análise Julianne.
Aliás, mais um dos seus artigos que botam nossas cabeças para pensar.
Gostaria de uma opinião sua. Na verdade, um exercício de imaginação: como você acha que seria o Alain Prost (no auge de carreira) correndo em uma equipe de ponta no atual contexto?
Abraços!
Obrigado pelo blog
Ótima análise, Jú.
Um dos melhores compêndios sobre F1 que eu já li (e olha que eu leio tudo o que me aparece pela frente).
O piloto faz a diferença, o regulamento privilegiou a competição e aquele que corre com a cabeça. Quem não vê isso é cego.
O que as equipes precisam fazer é contratar companheiros melhores para os seus principais pilotos.
Massa, Weber, Rosberg e principalmente Grojean merecem a aposentadoria.
Ju,
Acho que o regulamento está bem melhor hoje. Só tiraria o DRS – tornou-se uma ajuda desnecessária.
Abs
a única coisa que eu não gosto dessa nova F1 é a sujeira que os pneus fazem, Marbles…
do resto gosto bastante de como está
Eu acho a receita boa, falta acertar a dose. Um pouco menos de área de DRS e pneus só um pouquinho mais resistentes e estaríamos no ponto. Vamos ver se os motores turbo colocarão mais pimenta na receita.
Não sei, mas acredito que se fosse proibido o carro “tubarão” e a volta dos pneus traseiros um pouco mais largos não haveria a necessidade do DRS.
Não vejo problema nenhum no DNS. Na verdade ele normalizou o problema da turbulência aerodinâmica. Na década de 90 o piloto colava no carro da frente e o vácuo cuidava do resto. Já vi análises físicas do efeito do dns e não é muito diferente do efeito que o vácuo tinha antes. O fundamental para as ultrapassagens hoje é o pneu, mais especificamente o tipo e a posição do pneu. Exemplo um desgate alto no pneu dianteiro direito leva a necessidade do piloto ajustar a tangência da curva de maneira que acaba por facilitar a ultrapassagem do piloto adversário.
Mesmo assim é necessário diminuir as áreas de DNS em alguns circuitos, como foi o caso da China. Mas mesmo se tomarmos o gp da China como exemplo, o grau de facilidade de ultrapassagem não é tão diferente do antigo circuito do México que tinha a maior reta da F1.
Por fim parabéns Julianne tá cada vez melhor. Já posso coloca-la junto ao Ico e o Felippe Motta que são na minha opinião os melhores jornalistas que cobrem F1 no Brasil.
Eu também não vejo problemas no DNS (Sistema de Nomes de Domínios), que inclusive me ajuda muito aqui com o tanto de computadores conectados em inúmeros bancos de dados, hehehehe
Brincadeirinha que só os fortes entenderão (e ainda assim acharão sem graça) só pra dizer que é DRS.
Oi Julianne,
Primeiro, parabéns pelas suas análises. Gosto destas análises que você faz, da maneira como interpleta seus pontos de vista, e da maneira como coloca para o leitor a interrogação.
Eu gosto do atual regulamento da F-1, embora num primeiro momento eu também tenha achado a coisa meio artificial, e eu não sou muito fã de nada artificial.
Mas alguma coisa era preciso ser feito para melhorar o espetáculo na F-1, e tanto os pneus, como o fim dos reabastecimentos – que de certa forma também mascarava a disputa já que ninguém arriscava uma briga direta na pista para esperar ganhar a posição nos boxes – e a introdução do DRS ajudou muito a prender o telespectador – principalmente o menos adepto – diante da TV.
O que eu não gosto nesse atual formato é o piloto ser obrigado a largar com o mesmo pneu que classificou. Eu acredito que se deixassem livre para piloto/equipe escolher com que pneu largar, traria mais importância nos treinos e faria com que cada equipe tivesse na hora da largada um curinga a mais na manga.
Poderiam determinar que após o carro deixar os boxes para o alinhamento do grid, ninguém poderia mais trocar de pneus. Assim, a escolha de cada equipe poderia ser um trunfo estratégico. Como está, após os treinos todo mundo – até a gente do lado de cá – sabe que o pneu X vai durar apenas Y de voltas e todo mundo vai parar naquela janela. Isso mata a estratégia que poderia pegar os adversários de surpresa.
De resto, eu não mudaria nada.
Um abraço, Julianne.
“Mas há um porém: pneus com alta degradação existem para compensar a importância que a aerodinâmica ganhou, assim como a DRS.” Sucinta e certeira! Tanto é verdadeira sua afirmação, que tinhámos com os famosos e duráveis Bridgestone, filas de carros com elevado down force, onde quase não havia ultrapassagens, ou seja, com tanto refinamento aerodinâmico, os pneus eternos não ajudavam…Exemplos em 2010, sem DRS e com os Bridgestone tivemos com os duelos entre Vettel x Alonso em Cingapura, onde o alemão com muito mais carro, ficou toda corrida atrás da Ferrari sempre na casa de um segundo. Entre Alonso e Petrov em Abhu Dabi, tivemos a Ferrari batendo no limitador de giros antes do fim da reta, mas como os pneus não acabavam e eram extremamente aderentes, não criavam desníveis por pilotagem, dificultando ultrapassagens, embora no misto a Ferrari fosse mais rápida que a Renault, que possuia menos asa, voando nas retas (hehe, pois comparar Alonso com Petrov é sacanagem…). Fazendo adivogado do diabo, em 2009, Koba muito arrojado por sinal, não tinha nada a perder, mas a mostrar,além de estar brigando com um Button já campeão…O mesmo inglês que em 2012 tomou um passão por fora na última volta de Vettel (Abhu Dabi) por não gostar muito de dividir freadas, portanto, a ultrapassagem valendo um título tem muito mais peso…Não podemos nos esquecer que os Bridgestone/no DRS em 2010 que dificultaram as coisas para Alonso em Abhu Dabi, em 2012, com DRS/ Farrelli, facilitaram, e muito a recuperação de Vettel…PS: Gostaria que os compostos de pneus fossem liberados, assim como as modificações nos acertos de sábado para domingo.
Não seria mais fácil coibir o refinamento aerodinâmico do que inventar DRS e pneus que gastam demais?
Foi justamente o que tentaram – e não funcionou – em 2009. O problema de sempre restringir pelo regulamento técnico é o gasto que isso envolve.