O domínio não apenas de um carro, mas de um piloto no final da temporada 2013 foi uma das histórias mais impressionantes que a Fórmula 1 viveu. Impressionantemente chato para muitos, é verdade, mas mesmo quem torceu ansiosamente para o campeonato acabar tem de reconhecer o valor do que a Red Bull conseguiu, chegando a colocar mais de 30s de diferença em relação ao segundo colocado.
Era algo que não acontecia desde 2005 e ocorreu nas últimas provas de um ciclo de regras, ou seja, quando em teoria a margem de manobra para novidades era menor. Portanto, seja lá o que a Red Bull tenha encontrado, não é algo fácil de identificar.
Além dos pneus mais estáveis, o time adotou um complexo sistema de amortecimento, que ainda não foi totalmente desvendado, mas seria algo entre o amortecedor de massa da Renault de 2006 e a suspensão ativa da Williams de 1992 (porém, mecânico) e serve para minimizar as instabilidades no contorno de curvas.
O sistema visa ao mesmo tempo manter o carro equilibrado nas entradas de curva, permitindo ganho de tempo em seu contorno – algo que casa muito bem com o estilo agressivo de entrada de curva de Vettel – e permite que ele sempre esteja com a dianteira próxima do chão, o que ajuda na aerodinâmica nas retas.
Um dos conceitos básicos da família vencedora que começou com o RB5 de 2009 é o grande rake (diferença de altura entre a dianteira, mais baixa, e a traseira). Como o projeto consegue “selar” aerodinamicamente o difusor “levantado” com um uso inteligente do escapamento, o foco passou a ser aproximar a frente o máximo possível do solo. Mas um desafio para conseguir isso é que, se o carro estiver muito baixo visando as retas, ele muito provavelmente tocará o asfalto nas curvas de baixa. E os carros têm uma prancha de madeira para limitar a altura (se ela estiver desgastada acima do limite após a corrida, o carro está fora de regulamento).
Então qual a solução? Há algumas teorias por aí, relacionadas a uma peça que atuaria de forma inteligente para corrigir a altura do carro e trabalhar em sinergia com a frequência da movimentação lateral dos pneus. Gary Anderson, ex-projetista, chegou a falar em materiais que cediam quando expostos ao calor, mas a FIA aqueceu a 300ºC a peça que seria chave para este mecanismo e nada aconteceu.
A tal peça é denominada Stay e liga o início do assoalho ao bico e sequer está presente em todos os carros do grid. Mas o que certamente não acontece em nenhum outro modelo é a flexibilidade vista nos Red Bull. Curiosamente, na última prova que Vettel não venceu, o tal Stay estava quebrado, como vemos na imagem ao lado. Essa flexibilidade parece atuar de maneira contrária à frequência do movimento natural do pneu quando ele sobe em zebras, diminuindo o desgaste e tornando a aerodinâmica da parte dianteira do carro mais consistente. Exatamente como o amortecedor de massa, mas feito de outra maneira – aliás, como o blog SomersF1 chamou a atenção, o mesmo engenheiro que seria o “pai” da solução encontrada pela Renault em 2005/2006, Rob Marshall, é hoje desenhista chefe da Red Bull.
As regras dizem que o stay só precisa passar pelo teste de carga de 200kg, então o sistema é legal e pode continuar sendo usado, pelo menos conceitualmente, ano que vem. Talvez esteja aí a preocupação que Ross Brawn demonstrou recentemente. “Parte do desempenho que observei que eles ganharam na segunda metade do ano parece que será transferida para o próximo ano. Você não desaprende coisas.”
17 Comments
Ótima análise técnica! Parabéns!
Vou arquivar esse post para quando precisar argumentar. Muito didático e esclarecedor. Então Rob Marshall é o “pai” dos amortecedores de massa da Renault de Alonso? Desconhecia esse aspecto. Alonso deve estar se revirando dentro da Ferrari, hahahaha!!! Não entendo como ele – conhecendo as coisas de perto – foi tão obtuso ao recusar a oferta da Red Bull (quer dizer, não sei se Marshall já estava lá na ocasião, mas esse é um time de cobras!). Li (já não recordo se foi matéria sua, Julianne) que, no meio do ano, QUANDO HOUVE AS MODIFICAÇÕES nos farellis, ao contrário de todas as outras equipes – que preferiram fazer apenas maquiagens em seus carros – Newey percebeu que por causa disso precisava voltar seriamente às pranchetas, e o fez praticamente criando um NOVO carro.
Marshall chegou em 2007. Sobre o Alonso tenho minhas dúvidas se, em 2008, havia tantas garantias do comprometimento da Red Bull. Considero a que Ferrari era uma escolha mais segura naquele momento.
“Momento espionagem” no GP do Brasil. Foto sua, estou imaginando!!! rsrs. . . Já estamos lucrando!
Na verdade, até hoje a Ferrari é uma escolha mais segura. Tem muito mais tempo de casa, mais influência política, nunca largaria a F1 e está há decadas no topo do automobilismo.
Sim, assim como em 1990 Ferrari também era uma escolha mais segura que Willians. Mas nem por isso ninguém relativiza ou alivia o pouco sucesso que Jean Alesi teve na F-1 em função de sua escolha.
Muitas vezes o segredo do sucesso passa pela audácia. Schumacher ao sair da vitoriosa Benneton pra ir pra decadente Ferrari foi audacioso e fez história.
Eu não diria exatamente assim – que a Ferrari está há décadas no topo – lembrem-se que a equipe passou por uma terrível seca que durou 20 anos! E se encontra em outra há já 6 anos, que só Deus sabe quando vai acabar. Entre Surtees e Lauda se passaram onze anos sem ter um carro dominante que pudesse produzir um ou mais campeões mundiais, e nesse ínterim teve um piloto muito qualificado para ganhar o título, que foi Jacky Ickx. Mas é verdade, a Rossa sempre foi uma equipe grande e poderosa; nunca desceu a regiões abissais como a Williams. Alonso preferiu uma zona de conforto certamente confiando na tradição de a Ferrari ser a única equipe que disputa ininterruptamente o campeonato de F 1 desde a sua criação em 1950, fabricando o carro inteiro, quero dizer, motores e chassi (ou monocoque). O poder de reação ou recuperação de uma equipe grande e tradicional não pode ser subestimado, mas a Ferrari, na verdade, facilmente entra em crise com qualquer dificuldade inesperada.
Vejam bem, o talento de Alonso é inquestionável, mas o mesmo não se pode dizer das escolhas que faz para sua própria carreira. Falar de fora é fácil, reconheço, mas imagino que quando esses expoentes são procurados pelas equipes, pelo menos as linhas gerais do que elas pretendem e o que elas já têm (até certo ponto, claro) são expostos a eles. Se não me engano, um tradicionalmente vitorioso Newey já estava na Red Bull quando Alonso recebeu a proposta. Sabendo que Marshall já estava lá também, e conhecendo-o bem por ter trabalhado com ele na Renault, como disse a Julianne, Alonso poderia ter sido mais audaz. No entanto, como diz o velhíssimo ditado, “agora Inês é morta”. Fica claro, com a contratação de Raikkonen, que o asturiano terá de ser mais hábil no relacionamento com a Ferrari, para a sua carreira lá não subir no telhado.
Sobre a discussão do Credencial, Alonso realmente quer repetir o mesmo que Schumacher fez pela Ferrari, mas o alemão sabia que precisava muito mais do que apenas seu talento para isso. Levou junto Rory Byrne e Ross Brawn. Acho que Alonso não teve essa visão (ou não quis ter). Rob Marshall trabalhou com ele, e hoje está na rival Red Bull.
Red Bull é muito mais do que apenas Newey, como sugerem alguns.
Certo Billy, sobretudo um tal de Vettel, que muitos ainda desconhecem e preferem torcer o olho.
So não se esqueçam da peça principal aquela que fica entre o valante e o assento, um carro magnífico e um piloto fora se série, torço para 2014 a redbul acertar junto com a renault e vettel tenha um carro a sua altura, apesar de torcer pelo hamiltom admiro muito o vettel.
Oi Julianne,
Mais um daqueles post que vou imprimir e guardar.
Importante análise técnica.
Parabéns
Ótimo post Julianne, vc sem dúvida alguma é a mais lúcida comentarista brasileira da F1 que não se contenta com a simples explicacação do piloto fora-de-série responsável pelo dominio avassalador. Disse e repito, este carro da Red Bull comparado com os seus pares é o que foram um dia o MP4/4, o FW14B ou o F2004, sem concorrentes. A conclusão é que este título até tira um pouco do brilho do Vettel tal o domínio que só um carro pode impor, não um piloto, por melhor que seja.
Olá, gostaria de parabenizar a autora do post pelo brilhantismo da análise. Acompanho a formula 1 desde 1980, quando ainda ouvia as transmissões pelo rádio, já acompanhei e acompanho blogs de vários outros jornalistas, além de ter ido a algumas corridas no autódromo, e confesso que estou surpreso pelo conhecimento técnico demonstrado aqui. Fica os meus parabéns mais uma vez pelo excelente trabalho.
Oi Ju, o que eles podem estar usando é o princípio de funcionamento deste dispositivo criado em 2011
http://designerbira.blogspot.com.br/2011_05_15_archive.html
E um dos vestígios do uso deste princípio de dispositivo em 2013 pode ser visto aqui
http://designerbira.blogspot.com.br/2013/10/bandeja-t-rbr.html
Oi Juliana! Acho que no 6º parágrafo, quando o Gary Anderson diz, seria ”cediam” e não ”sediam”. Um abraço e ótima análise.
E parece que está surgindo outro rumor nos bastidores da F1. De que possa existir também outro dispositivo no assoalho da RBR, agora um pouco mais próximo do difusor.
http://designerbira.blogspot.com.br/2013/12/assoalho-termo-expansivel-no-rb9.html