F1 Como não escrever uma regra - Julianne Cerasoli Skip to content

Como não escrever uma regra

Muito se falou em pizza desde a absolvição da Ferrari pela troca de posições no GP da Alemanha. Contudo, o julgamento que fazemos diante do sofá leva em consideração fatores diferentes daqueles do júri. Como o veredicto em mãos, fica mais fácil entender a decisão do Conselho Mundial.

Os comissários e os deputados que julgaram o caso não são burros. Todos sabem que houve jogo de equipe da Alemanha. O veredicto, inclusive, deixa claro que houve “interferência no resultado da corrida”. Mas, para condenar os italianos, precisavam de provas que comprovassem que a Ferrari passou por cima de algo que estava literalmente escrito no regulamento. Caso contrário, se agissem pelo que acreditavam ser o certo, ignorando as vias jurídicas, qualquer corte revogaria sua sentença, como aconteceu no caso Cingapura.

A regra é clara: ordens de equipe que interfiram no resultado da corrida são proibidas. A defesa se baseou no fato de que informar que o companheiro é mais rápido – segundo o documento da FIA, por 5 vezes – não é uma ordem. “Na visão da Ferrari, há uma clara distinção entre ‘ordens de equipe’ e ‘tática e estratégia de equipe’. E a conversação de rádio deveria ser considerada como tática”, diz o veredicto, que ainda legitima o direito da equipe se preservar de um possível acidente entre seus carros. Williams – aquela tão famosa por ‘deixar os pilotos lutarem livremente’ – e Sauber, inclusive, enviaram cartas ao Conselho salientando esse fato e dando apoio à Scuderia.

Devido às aplicações anteriores da regra (ou à falta de aplicação), a Ferrari entendeu que agir dessa maneira, informando o piloto da situação, estava dentro do regulamento. O Conselho reconheceu que houve o que chamou de ordens indiretas do mesmo tipo depois de 2002 e que seria inconsistente punir somente os italianos. “Entendemos que a aplicação de ordens indiretas por meio de mensagens contra as quais o piloto não se queixa é duvidosa e difícil de detectar e punir”, diz o documento.

Daí a proposta de rever a regra que, de tão mal redigida, foi facilmente burlada por 8 anos. Na verdade, foi o fato de nunca ter sido aplicada que salvou a Ferrari.

Em relação à multa, o veredicto diz que manteve os US$ 100.000 porque quis apoiar a decisão dos comissários no dia da prova e porque a Ferrari não apelou dessa decisão. Como decidiram não penalizar mais a equipe devido à “complexidade” da regra, a Scuderia não foi considerada culpada de transgredir o artigo 151c, de agir contra os interesses do esporte, o mesmo que levou a McLaren a pagar uma multa bem mais salgada em 2007. No final das contas, foi a FIA que assumiu a culpa por escrever mal o regulamento.

Como não fazer

Caso o resultado do julgamento tivesse sido outro, muito provalvemente retornaríamos à situação de Cingapura. Na justiça comum, a Ferrari conseguiria reverter a pena justamente pela incosistência na jurisprudência do artigo. Aí, sim, o julgamento seria uma pizzada.

O julgamento de Cingapura foi um completo absurdo jurídico. Primeiro, e mais importante, a FIA só pode julgar seus licenciados, ou seja, pilotos e equipes. Mosley fez acordos de anistia com Nelsinho Piquet – por revelar a tramoia – e com a Renault – que ameaçou deixar a categoria. Não restava ninguém para ser responsabilizado, já que eles não têm poder para punir membros das equipes. Segundo, não havia provas contundentes, nenhuma conversa de rádio, nada além dos testemunhos de Nelsinho, Symonds (que preferiu o silêncio, quase não respondeu às perguntas) e Briatore (que negava conhecimento).

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Mosley é advogado, e dos bons. Sabia que não daria em nada. Mas escolheu ludibriar os fãs e fingiu uma punição dura. Por essas e outras, até hoje duvido da existência da tal testemunha X.

Não é de se estranhar que meses depois a justiça comum revogou a sentença e a FIA nem recorreu. Perderia até a última instância.

Um caso semelhante

O veredicto da Ferrari é parecido com o dos difusores duplos ano passado. Olhando pelo viés do espírito do regulamento, o campeonato de Button foi uma farsa. A Brawn, assim como os italianos, encontrou uma brecha no texto das regras e criou uma peça que ia na contramão da razão de todas as mudanças técnicas do final de 2008.

O julgamento, no entanto, se ateve ao texto em si e legalizou os difusores, mesmo que eles tenham representado um caminhão de dinheiro jogado no lixo, tendo em vista que devolveram grande parte do downforce tirado pelo novo regulamento.

Injusto com quem foi fiel às motivações das regras? Antidesportivo, já que uma troca de posições foi feita no meio do campeonato e de uma forma mais óbvia que o normal? Claramente, há erros na redação de algumas regras e as equipes fazem de tudo para encontrá-los e burlá-los (o que dizer das asas flexíveis? Vão cancelar o campeonato até descobrir o truque?). O que a FIA deve fazer é encontrar essas imperfeições e corrigir a ambiguidades. E que da próxima vez o faça com menos estardalhaço.

3 Comments

  1. Análise interessantíssima desta jornalista/advogada!

  2. resta saber até que ponto as falhas não são premeditadas. não parece uma questão de falta de conhecimento. é difícil imaginar também, até que ponto, um regulamento muito coeso, poderá influenciar a disputa, onde qualquer movimento, se torne passível de punição.

    • Também acho que não se escreve uma regra vaga por acaso.


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