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Esporte e política não se misturam?

Entre uma temporada e outra, gosto de abrir o espaço do blog para vocês, os fãs, publicarem seus textos. Cada um pode trazer um pouquinho do que conhece ou sente, e por isso que essa experiência tem valido muito a pena. E é o que vocês vão perceber nos 10 textos ou vídeos selecionados nesta nova temporada do Blog Takeover.

(sobre esta discussão, gostaria de fazer um adendo: ao reescrever seu regulamento, a FIA faz um aceno ao COI, que cobra esse tal “princípio de neutralidade” política, lembrando que a entidade busca emplacar alguma modalidade nas Olimpíadas há anos. De qualquer maneira, o questionamento é totalmente válido em todos os esportes)

por Alice Alves

Rosto das manifestações sociais dentro da Fórmula 1, o heptacampeão mundial Lewis Hamilton usa seu lugar de destaque no esporte como palco para se manifestar a favor de políticas ambientais e contra todo tipo de preconceito. Nos últimos anos, Hamilton dividiu os holofotes com o tetracampeão Sebastian Vettel, que por muitas corridas se ajoelhou ao seu lado em prol da conscientização. Na última temporada, porém, Vettel se despediu das pistas, e agora Lewis se vê sozinho e contra o novo regulamento da Federação Internacional de Automobilismo (FIA). 

O novo código esportivo da entidade, que passou a valer em janeiro deste ano, deixa explícito que os pilotos estarão descumprindo regras se fizerem qualquer manifestação de cunho social ou político, sem autorização prévia da entidade, uma vez que isso “fere o princípio geral de neutralidade” da FIA.

“A promoção ou exibição em geral de comentários ou posicionamentos políticos, religiosos e pessoais são notavelmente uma violação do princípio geral de neutralidade promovido pela FIA sob seus estatutos, exceto quando previamente aprovado por escrito pela FIA para competições internacionais, ou por associações esportivas nacionais relevantes para competições nacionais dentro de suas jurisdições”

recho 12.2.1. n do Código desportivo da fia

Dessa forma, qualquer manifestação política, social, religiosa ou pessoal sem a aprovação prévia da Federação passa a ser proibida segundo o Código Esportivo Internacional que rege os campeonatos. 

Novas medidas, antigos pensamentos

Medidas como esta, todavia, não são novidade na Fórmula 1. Desde 2020, com o aumento das manifestações por parte dos pilotos da categoria – com destaque para Lewis Hamilton -, a FIA vem reforçando o controle sobre os atletas, tornando cada vez mais difícil o posicionamento frente a causas importantes. 

Em 2022, o ex-piloto dos Emirados Árabes Unidos e presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA),  Mohammed ben Sulayem, criticou fortemente atletas como Lando Norris, Sebastian Vettel e o próprio Lewis Hamilton por se posicionarem criticamente acerca de temas alheios à competição. Segundo Sulayem, “os pilotos de antigamente” eram os que realmente se importavam em pilotar, enquanto os atuais esportistas possuem novas prioridades. Niki Lauda e Alain Prost só se importavam em pilotar. Agora, Vettel anda em uma bicicleta com o arco-íris, Lewis é apaixonado por direitos humanos e Norris aborda a saúde mental. Todos têm o direito de pensar. Mas, pra mim, trata-se de decidir se devemos impor sobre o esporte as nossas crenças, o tempo todo”, comentou o presidente em entrevista antes do Grande Prêmio do Azerbaijão de 2022.

Aqui os outros textos escritos por fãs no Blog Takeover

“Bicicleta com arco-íris e paixão pelos direitos humanos”

Durante anos pilotos utilizam adereços para se manifestarem. Capacetes especiais, roupas diferentes, tatuagens, entre outros, sempre fizeram parte do show fora das pistas da Fórmula 1. Recentemente, todavia, esses “acessórios” ganharam nova conotação. 

As tradicionais pinturas dos capacetes, por exemplo, assumiram tom social e político. Hamilton e Vettel, principalmente, advogaram em nome das causas ambientais, antirracistas e a favor da comunidade LGBTQIA + por meio do dispositivo de proteção da cabeça. 

No decorrer da temporada passada, Lewis vestiu camisetas que completavam um poema antirracista composto por ele em conjunto com um poeta e rapper do Reino Unido. Durante a temporada de 2020, o piloto também usou camisas temáticas e, tanto nesse ano, quanto nos seguintes, o heptacampeão correu com capacetes com a bandeira do movimento LGBTQIA+ nos GPs no Oriente Médio – alguns, em países que criminalizam o relacionamento homoafetivo, caso dos Emirados Árabes Unidos, do Catar e da Arábia Saudita. 

Em sua última temporada na Fórmula 1, Sebastian Vettel ainda protestou a favor da Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro de 2022, e exibiu apoio ao longo da temporada por meio de camisetas e acessórios. O tetracampeão também se posicionou, ao longo da temporada, em defesa do meio -ambiente. 

Seja por meio de detalhes, como a haste de um óculos, ou composições um pouco maiores, como as pinturas dos capacetes, os pilotos da Fórmula 1 passaram a mostrar apoio e jogar luz sobre assuntos importantes à sociedade. Todavia, essas manifestações de liberdade de expressão têm incomodado profundamente a federação e pessoas ligadas a ela. Com o novo regulamento, tudo está proibido até segunda ordem. 

Retaliações anteriores

Apesar de mais drástica, essa não é a primeira restrição contra manifestações de cunho social e político que a FIA impõe sobre suas categorias.

Em 2020, após Lewis Hamilton usar no pódio uma camiseta pedindo a prisão dos policiais que assassinaram Breonna Taylor durante uma busca sem mandato nos EUA, as regras da direção de prova passaram a proibir que os pilotos subissem no palanque com outras vestimentas que não os macacões oficiais, fechados. A regulamentação vale tanto para o pódio, quanto para as entrevistas após as provas. 

Outra regra foi imposta meses depois: inicialmente, durante o movimento “We Race as One” (Corremos como um, em inglês), promovido pela própria categoria, os pilotos podiam utilizar camisas com diversas mensagens diferentes, porém com o tempo, essa possibilidade foi restrita a camisetas do próprio movimento. Sebastian Vettel, inclusive, chegou a ser repreendido por ter usado uma camiseta defendendo os direitos dos LGBTQIA+ na Hungria, em 2021. No ano seguinte, o espaço destinado a “manifestações sociais” foi extinto. 

Como forma de driblar ambas as restrições, os pilotos passaram a utilizar camisas e acessórios de protestos na chegada ao paddock na quinta-feira, quando sabiam que os fotógrafos estariam prontos para recebê-los. Com o regulamento atual, porém, esse momento também se extingue. 

O futuro da categoria 

Com o anúncio da “novidade”, a federação passou a ser bombardeada de críticas. A FIA veio a público reforçar que a mudança só visava  “atualizar o alinhamento com a neutralidade política do esporte como elemento universal fundamental da ética do Movimento Olímpico, resguardado pelo Comitê Olímpico Internacional”. Ainda garantiu que segue com a missão de promover questões ligadas aos direitos humanos e contra a discriminação. Apesar do belo discurso, na prática é diferente. 

Ao defender questões ligadas aos direitos humanos, mas continuar organizando provas em países onde tais direitos são desrespeitados, a FIA reforça a já conhecida expressão “cash is king” (em português: dinheiro é rei). além de promover um fenômeno bastante conhecido no mundo atual, o sportwashing

Todas essas regras visam evitar desconfortos com os patrocinadores da categoria, visto que a Fórmula 1 vem expandindo o mercado no Oriente Médio. Todavia, com esses novos mecanismos de controle nos encaminhamos para um futuro no qual o esporte estará completamente distante da sociedade, agindo apenas como mero reflexo e perdendo suas características sociais. 

Ao reproduzir discursos sobre a “neutralidade política”, a federação ignora as raízes históricas do esporte como ferramenta de mudanças, de liberdade e de promoção da igualdade. No Brasil, por exemplo, podemos citar figuras como Sócrates e Pelé, que usaram sua posição de destaque para dar luz a causas sociais importantes, tal qual Lewis Hamilton e Sebastian Vettel. 

Ao “censurar” manifestações políticas e sociais, a FIA promove um ambiente confortável aos patrocinadores, mas reforça a ideia do esporte como um espaço inóspito às minorias que acompanham categorias do automobilismo, principalmente, a Fórmula 1.

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