F1 Estratégia do GP do Azerbaijão e a sinuca de bico da Ferrari - Julianne Cerasoli Skip to content

Estratégia do GP do Azerbaijão e a sinuca de bico da Ferrari

É normal que muitos torcedores estejam com os dois pés atrás em relação às estratégias da Ferrari principalmente após a (in)decisão de Xangai – lida por muitos como uma prova de que o time simplesmente não quer ver Charles Leclerc na frente de Sebastian Vettel. É por isso que começo explicando a sinuca de bico em que o time se viu no domingo em Baku.

Mattia Binotto disse no sábado que o plano era largar com o pneu médio com os dois pilotos, pois isso era melhor para a situação da Ferrari, que queria minimizar ao máximo o tempo com os pneus macios, os quais não conseguia manter na janela de temperatura, gerando graining. Essa leitura tinha a ver com a expectativa que havia antes da largada em Baku, de que seria possível levar os macios até perto da volta 20, e depois fazer o restante com o médio. Para a Ferrari, o melhor seria ficar o máximo possível com o médio e só colocar o macio na parte final, com o carro mais leve e rápido.

Mas o que se viu no domingo foi muito mais graining que o esperado no pneu macio, o que minimizou a teórica vantagem que a Ferrari esperava ter largando com os médios.

Vettel, contudo, largaria com os macios, pois fora lento em sua volta com os médios no Q2 e teve que voltar para a pista com os macios, caso contrário ficaria pelo caminho. Soltar os pilotos com os médios, que eram 1s5 mais lentos que os macios e muito mais difíceis de lidar para uma volta lançada por conta do aquecimento, no Q2 tendo liderado todos os treinos foi o erro estratégico da Ferrari neste fim de semana – além, é claro, do erro de Leclerc na classificação, que por pouco não foi repetido por Vettel, o que só ilustra a situação em que os pilotos se colocaram. Depois, a Ferrari se viu em uma sinuca de bico.

Porque Leclerc acabou passando para o Q3 com o tempo que fez no Q2, então teria que largar com o pneu médio. E Vettel, obviamente, teria que largar com o macio. Logo nas primeiras voltas, a Scuderia sabia que teria uma tarde muito complicada pela frente. “O comportamento do carro era horrível com os pneus macios. Era inconsistente, e eu estava cometendo erros”, disse Vettel depois da bandeirada. Durante a corrida, ele foi mais direto com a equipe. “Estou me cagando aqui com esses pneus!”

Com esse feedback nada positivo em mãos, a Ferrari tinha que decidir até quando estender o stint de Leclerc com os médios para minimizar seu tempo com os macios. Poderia colocar os duros e ir até o final? Os duros eram lentos demais para Baku, e ainda mais para o carro da Ferrari. Tanto, que eles não os usaram em nenhum momento no fim de semana. Reverter para duas paradas com dois stints nos médios? Não havia mais nenhum jogo de médios disponível. Reverter para duas paradas com dois stints de macios? Com o rendimento tão ruim deste composto na corrida (em geral e especialmente na Ferrari), como isso traria de volta os 22s perdidos na parada a mais?

Mas o mais interessante a respeito do GP do Azerbaijão é analisar como todo esse cenário poderia ter sido diferente, em uma corrida na qual a questão de manutenção de temperaturas no pneu é sempre um drama pela superfície lisa, falta de curvas que coloquem muita energia nos pneus, a longa reta e até a sombra dos prédios.

Durante os treinos livres, dominados pela Ferrari, as simulações de classificação sempre foram feitas com as temperaturas bem mais altas do que naquele final atrasado da classificação após as longas bandeiras vermelhas – lembrando que os horários em Baku são diferentes, com tudo começando duas horas mais tarde que o normal, então o fim da classificação foi quando estávamos perto de ficar sem luz natural. E, na primavera azeri, o clima é mais gelado, e é o sol que dá uma esquentada, então a diferença é grande.

Ou seja, era para a Ferrari ter a pole com Charles Leclerc, bem mais rápido e confortável com o carro que Vettel em Baku. Mas ele ficou pelo caminho. Depois, até por causa do acidente dele, estava frio demais para a Ferrari render o seu melhor, e Vettel ficou ainda sem parceiro para tentar pegar o vácuo. Detalhes que abriram o caminho para a Mercedes, que tem um carro mais flexível que os rivais em relação aos pneus, acertou ao deixar seus pilotos no “fim da fila” no Q3 e fechou a dobradinha com todos os méritos.

Na corrida, as dificuldades de aquecimento da Ferrari continuaram, com Vettel perdendo muito tempo para as Mercedes nas primeiras voltas e Leclerc perdendo duas posições na largada por estar com os médios. Mas, após a dificuldade inicial, Charles e Pierre Gasly mostraram que o médio sreia o melhor composto do domingo – o monegasco foi décimo para quinto e o francês, do pitlane para sexto em apenas 11 voltas!

Foi quando a Ferrari chamou Vettel e abriu a rodada de pit stops na frente, obrigando a Mercedes a reagir. Mesmo neste momento, a dobradinha não estava garantida porque Bottas e Hamilton tinham que evitar que Leclerc estivesse na janela de SC – ou seja, diminuir a diferença para o monegasco, que teria que ficar mais tempo na pista do que o planejado devido ao péssimo rendimento dos macios, a fim de evitar que, no caso de um SC, ele conseguisse parar e manter a ponta.

Os pneus de Leclerc começaram a mostrar sinais de que estavam acabando perto da volta 30, com mais de 20 para o fim. E a Ferrari julgava, com base no primeiro stint muito ruim de Vettel, que seriam voltas demais. Eles acabaram esticando o stint um pouco demais, contudo, pois certamente o plano não era voltar atrás de Gasly, como aconteceu. Curiosamente, o ritmo do francês com médios naquele momento era muito melhor que o de Leclerc. Mas, na sinuca de bico em que se meteram, o erro foi de uma ou duas voltas no máximo. Simplesmente, não havia muito o que inventar.

Tendo sido instruídos a segurar o ritmo no meio do stint com os médios, pois não se sabia se eles chegariam bem ao final devido à antecipação dos pit stops, os pilotos da Mercedes foram novamente liberados nas voltas finais. Perguntei a Lewis Hamilton se a equipe intercedeu de alguma maneira na batalha e ele garantiu que não. Mas que Toto Wolff ficou aliviado quando o inglês pisou na sujeira na saída da curva 16 e deu uma escapada, no mesmo momento em que Bottas conseguia abrir o DRS ao dar uma volta em Russell, com certeza ficou.

2 Comments

  1. Juliane
    Excelente e esclarecedor comentário.
    O técnico de futebol Oto Glória, dizia que dependendo do resultado, você pode passar de bestial para besta.
    Se a Ferrari colocasse pneus duros para o Leclerc e ele tivesse um resultado bem melhor que o que teve, a tática seria bestial. Se fosse pior seria besta, como alguns estão dizendo.

    • Muito boa a análise! Estava conversando com um amigo justamente sobre isso (ele estava alegando que a Ferrari errou porque não quer ver Leclerc na frente de Vettel). Mas, parando pra analisar racionalmente “o que a Ferrari poderia fazer de diferente?”

      Vou recomendar sua análise pra ele assim que acabar de escrever esse comentário haha, certamente ele precisa ler isso, pois não consegui argumentar de forma tão clara.

      Sobre Toto Wolf, acho que ele realmente ficaria aliviado se Bottas cometesse um pequeno erro e a dobradinha acontecesse com Hamilton à frente… o sorriso amarelo dele no final da corrida (na hora que a câmera pega o rosto dele após a bandeirada) é nítido.

      Um abraço, Julianne, obrigado pelo texto!


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