F1 Memórias de 10 anos de F1: e os mil e um causos em Baku - Julianne Cerasoli Skip to content

Memórias de 10 anos de F1: e os mil e um causos em Baku

Passei uns apertos em Baku. No primeiro ano, o recepcionista insistia em ligar à noite para o meu quarto, ainda que eu não respondesse e sem nenhum motivo, o que não é das melhores sensações porque ele tem como ter a certeza de que você está sozinha e tem a chave. Mas o cansaço dos dias longos de trabalho me vencia e eu acabava adormecendo, sem tem que tomar medidas mais drásticas como duas colegas que sentiram a necessidade de arrastar móveis na porta do quarto na Índia em uma das vezes em que a F1 foi para lá pelo mesmo motivo. 

Neste mesmo ano, aproveitei a segunda-feira para conhecer um pouco mais do centro velho e, do nada, um homem começou a me seguir falando alguma língua que, na época, identifiquei como russo, mas não sei ao certo o que era. Tentei fazer um caminho meio maluco para me certificar de que era isso mesmo que estava acontecendo (pela segunda vez comigo, pois passei o mesmo com dois adolescentes em Frankfurt, dos quais me livrei quando eles perceberam que eu estava andando em direção à polícia). Desta vez, com “alguns” quilômetros a mais de andanças sozinha ao redor do mundo, parei e perguntei, em português mesmo. “Perdeu alguma coisa, amigão?” (sei lá se foi isso mesmo, mas o tom foi meio firme, meio deboche). Ele foi embora e eu não entendi nada.

A vista da minha última hospedagem “5 estrelas” em Baku

Meus colegas me culparam, claro. “Não dá para querer economizar em hotel em lugar desse, você se coloca em risco” ou “só você mesmo para andar sozinha aqui”. Eu achei que tinha tido azar. Se foi isso, tive em dois anos seguidos porque, em 2017, fiquei em um hotel quase dentro da pista, mais caro, e o dono não parava de me mandar mensagens, inclusive me chamando para jantar (!). 

Tenho que dizer que pelo menos uma das mensagens foi justificada, depois que quem quer que tenha limpado meu quarto em um dos dias encontrou um rastro de sangue. As mensagens quase foram de um “eu poderia te levar em um restaurante super exclusivo e mostrar a cidade de um ângulo diferente” para “você matou alguém ontem à noite?”

Ok, nem havia tanto sangue assim. Mas posso explicar. Como Baku é Baku e nada faz muito sentido, havia três degraus entre o quarto e o banheiro, e eu esqueci completamente disso durante a noite. Em câmera lenta e ainda meio que dormindo, caí de queixo no degrau. Acho que eu cheguei a entrevistar o Felipe Massa com um belo esparadrapo no queixo, que depois de umas duas horas desisti de usar. Na volta para casa, na Inglaterra, levei uma bela bronca do farmacêutico.

Mas você procurou atendimento?

Sim, uma enfermeira viu o corte.

E deixou você ir embora sem levar ponto? Precisava de uns dois aí.

Eu estava em Baku.

Ah, ok.

Foi meio dramático, o farmacêutico inglês. Nem marca ficou. 

Acertaram meu nome bonitinho!

Pula para 2018, e por um momento – ou uns belos 40 minutos – eu achei que não chegaria no Azerbaijão. Em uma das minhas andanças, estava em Israel pegando um voo direto Tel Aviv-Baku com passaporte brasileiro e sem visto, já que o Azerbaijão permite que profissionais da F1 façam o visto na chegada. O que poderia dar errado, não é verdade?

Como entrar em Israel literalmente andando pela fronteira da Jordânia foi muito fácil (ainda que o mesmo não possa ser dito sobre uma menina que eu conhecera no dia anterior e que estava fazendo o mesmo percurso que eu, mas que citou na fronteira que queria fazer trabalho humanitário na Palestina e ficou algumas horas de molho por lá por conta disso), não imaginei que o problema seria sair. Em todos os checkpoints eram mil perguntas, do tipo “me dê nomes das pessoas que trabalham com você”, e o gerente russo na Azerbaijan Airlines realmente não estava acreditando na minha versão sobre o visto.

Ele deixou tão claro que eu não ia embarcar que comecei a pesquisar ali mesmo um jeito de voltar para o Brasil, mas percebi que a funcionária que me atendeu no check-in estava do meu lado, e ele acabou me liberando bem em cima. Claro que havia mais checkpoints e me barraram em todos, tudo o que eu estava carregando foi checado mil vezes, mas consegui pegar o Tel Aviv-Baku. Sem visto.

Vocês podem estar pensando que eu odeio Baku, mas não. Pelo menos lá eu vivo a expectativa de que sempre vai acontecer alguma coisa da qual eu vou rir depois. Até porque, é claro, eu guardei a melhor para o final: eu tenho pés finos e tamanho 34, e como sapatos rosa de borracha da sessão infantil cabem no meu pé mas não fazem meu estilo, quando eu encontro um sapato de que gosto, vou até o fim.

Em Baku, o fim de uma sandália adorada estava bem próximo. O solado estava descolando do salto, o que eu tentei resolver primeiro com uma fita aderente que me emprestaram no escritório dos organizadores, mas que não adiantou muito.

Numa situação dessas você faz questão de mostrar para todo mundo o que está acontecendo e faz uma piada, não é verdade? E fui comentando sobre a minha situação dramática até que o produtor da F1 sugeriu que eu pedisse para alguém das equipes colar meu sapato.

– Vou falar com um amigo meu da Renault. Amanhã cedinho você procura ele.

Lá fui eu à caça de um Geoff, que não sabia quem era.

– Ah, você que é a moça do sapato?

Pois é.

Eu não poderia imaginar que três ou quatro profissionais da Renault se reuniriam na parte de trás da garagem da equipe para estudar qual a melhor forma de limpar e colar o sapato. 

– Não repara a bagunça! Não pisa no chão, vamos buscar um plástico.

Lá estava eu, entre um motor e um assoalho, com o pé descalço em cima do plástico, enquanto eles aplicavam sabe-se lá o que para limpar o sapato e depois colavam com a mesma cola que usam em fibra de carbono. Missão dada, missão cumprida.

Não seria o único problema com sapatos e Baku, já que deixei um por lá em outra oportunidade. Esse, não tinha cola mágica que resolvesse.

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