F1 We don’t race as one - Julianne Cerasoli Skip to content

We don’t race as one

Quem vai abrir a temporada 2020/2021 do Blog Takeover é o Fábio Andrade, que está no Twitter como @fabyoloso. O Fábio abre essa série de textos produzidos por leitores por diversos motivos. O tema que ele discute muito bem aqui foi central em muitos dos artigos que vocês enviaram, mostrando que a F1 terá de acompanhar o ritmo de mudanças de seu novo público. E também porque o tema é diversidade e representatividade e o Fábio levanta uma bandeira importante: ser gay e curtir F1.

No início da temporada, na primeira vez que vimos as referências e as ações da campanha We Race As One, foi difícil encontrar quem não ficou arrepiado. A Fórmula 1, um esporte historicamente pautado no fetiche do dinheiro e que, por tantas vezes, não ligou de correr em meio à ditadura no Brasil e na Argentina – tampouco se furtou de disputar provas no apartheid sul-africano – modernizava seu discurso, enfim.

“Corremos como um só”, dizíamos, animados com atos de repúdio ao racismo em todas as corridas, lindos arco-íris e easter eggs da campanha nos carros, embalo na popularidade e no engajamento de uma estrela do quilate de Lewis Hamilton.

A expectativa era de que a Fórmula 1 estivesse marcando um golaço. A categoria nunca tinha feito muito esforço para pensar e agir de forma menos elitista. Pilotar carrões superpotentes era uma das principais expressões do “ser homem” no século XX e não foi por acaso que a maior categoria do automobilismo mundial sempre foi um território do homem branco, com dinheiro para financiar suas aventuras, corajoso ou insano o suficiente para fazer isso por esporte, mas sempre percebido pela opinião pública como destemido, viril, forte e, por isso, admirável.

Era a Fórmula 1 com as neuroses próprias do seu tempo e à imagem e semelhança do homem de baixa estatura que a tornou grande: Bernie Ecclestone.

Mas o mundo mudou. Gerações passaram e vimos um piloto negro chegar ao esporte há pouco mais de uma década. Era um Lewis Hamilton tímido, inseguro de si, entrando pela porta da frente na Fórmula 1 apoiado desde a infância pelo campeoníssimo time da McLaren.

Que referências esse Hamilton tinha de seus iguais em posição semelhante a sua no passado? Em quem com uma história parecida poderia buscar referências? Quais companheiros, entre pilotos, engenheiros e mecânicos brancos poderiam comungar com ele dos códigos do subúrbio metropolitano de Londres, onde nasceu e cresceu?

Em qualquer dimensão da vida, ter referências, ouvir histórias contadas pelos seus, sentir que o seu local e a sua gente fazem parte do contexto pretendido, todos esses são fatores decisivos para novas gerações almejarem atingir um objetivo.

Para entender, basta fazer um exercício simples: teria sido factível para Piquets, Sennas, Barrichellos, Massas, Morenos e afins se imaginarem como pilotos de Fórmula 1 – esse esporte busca dinheiro em toda parte do mundo, mas que tem orgulho de ser um negócio dos europeus –  sem que antes um Landi chegasse e um Fittipaldi ganhasse, mostrando que era possível?

Enquanto você reflete, o mundo segue mudando. Ele mudou desde que Hamilton estreou. Se não tinha referências para si mesmo, o britânico tratou de as criar por conta própria. Seu vestuário fala por si e é um choque se comparado aos looks cleans de quando começou na McLaren. Se nos primeiros anos de F1 a aparência de Hamilton parecia quase um pedido de desculpas por ser negro e estar naquele lugar, à medida que foi ganhando corridas, títulos e confiança, o britânico pareceu fazer cada vez mais questão de deixar claro quem ele era.

Seu modo de abordar a Fórmula 1 também é inédito: é piloto profissional, enquanto cuida de sua marca de roupas e se reúne com seus amigos da música com inúmeras escalas nos Estados Unidos sem deixar de entregar resultados excelentes (e que também falam por si) na pista.

E, à medida faz tudo isso, ganha notoriedade, que somada a seu carisma, dá a Hamilton o status de estrela, uma estrela que sabe bem o peso que seus atos e falas têm dentro e fora da Fórmula 1. Ciente de tudo o que criou, este homem se torna um piloto-celebridade, conseguindo se equilibrar perfeitamente entre os dois universos.

Mas, ainda assim, Hamilton simplesmente “não está certo”. Tem quem encontre espaço para contestar o maior piloto da história em números, o único que venceu corridas em todas as temporadas que disputou e que é dotado de uma regularidade e constância invejáveis.

Suas roupas e seu cabelo não condizem com o de um campeão, dizem muitos, como Bernie Ecclestone, essa figura que não é um anjo. “Ele não parece um piloto de corrida”, “ele não é como Piquet ou Schumacher”, prossegue o ex-comandante da Fórmula 1, com sua habitual metralhadora semi automática de palavras.

Mas o mundo seguiu mudando e o século XXI felizmente chegou. Bernie não comanda mais a Fórmula 1. No entanto, Lando Norris ainda é criticado publicamente por fãs por não reproduzir o comportamento do machão de gangue exibido por pilotos até outro dia, tendo até sua sexualidade questionada por isso. Hamilton é tolhido pela FIA ao manifestar sua indignação pelo assassinato de Breonna Taylor, enquanto nada acontece com o assediador de mulheres Nikita Mazepin, que vai estrear na Haas sem qualquer espécie de reprimenda formal após o vídeo que registra seu abuso contra uma mulher dentro de um carro se tornar público.

E, então, precisamos voltar a Bernie. Em seu pensamento equivocado, o britânico não deixa de expor um fato incômodo: we don’t race as one coisíssima nenhuma.

Bernie nunca foi muito afeito a campanhas de marketing. O velho britânico é um dinossauro ainda vivo no campo das ideias, mas em uma coisa não errou: não há marketing que sustente um blefe. Apesar do grande empurrão que Hamilton começou a dar na modernização da imagem do esporte, não se livra em poucos anos a Fórmula 1 do rótulo – que dura décadas – de um dos esportes mais elitistas e excludentes do planeta com uma campanha de marketing bonitinha.

Entre o que a Liberty deseja que a Fórmula 1 seja e o que ela ainda é, há um abismo que a nova dona da categoria não parece saber como solucionar. E que não vai se resolver tão cedo, porque não há como correr como um só enquanto o modelo comercial da categoria continuar fazendo equipes pequenas serem totalmente dependentes de qualquer dinheiro que surja, mesmo que de origem duvidosa.

Mesmo que de um flagrante abusador de mulheres.

Falar que corremos como um só é bonito, agrada aos acionistas e patrocinadores de Chase Carey. Mas, para a frase deixar de ser só um jogo bonito de palavras, precisamos tirar Bernie do comando da Fórmula 1. Sim, ele já saiu na prática, mas o comando da categoria no plano simbólico pouco mudou. O “modus operandi” da Fórmula 1, na prática, ainda é o mesmo de Bernie, com uma carpintaria mais refinada aqui e acolá.

Mulheres, negros, pessoas LGBT+, com deficiência e todos os demais grupos minorizados são raras no ambiente da Fórmula 1. Em que momentos da transmissão a gente vê representantes desses grupos nos boxes? E nas arquibancadas?

Para que esses grupos possam, de fato, dar alguma credibilidade e levar a sério o discurso que a Fórmula 1 tenta encenar, é preciso que eles se vejam lá. Como Hamilton precisava no início de sua carreira. Nenhuma pauta identitária se faz só com frases bonitas e atos isolados como a campanha We Race As One quer nos fazer acreditar ser possível.

Enquanto a Fórmula 1 não compreender isso, nós não correremos como um só. E Bernie continuará no comando da categoria.

7 Comments

  1. Querida Julianne , eu acredito que isso eh um tema geracional enquanto a F1 e muitos lugares tem seus comandantes ainda nacidos de uma generacao mais preconceituosa como eu , a coisa vai ir mudando com a chegar de novos líderes esse fenómeno ocorre en todos lados e ha muita gente que eh ” políticamente ” correcto da boca para fora e por ser o inclusivo. A nova geracao do mimi mi do bulling tem que tambem encontrar un meio termo , hoje tudo eh ofensivo…enfim sao temas delicado e a F1 nao correra as One por alguna anos ainda infelizmente. #saynotomazepin. Feliz 2021.

  2. Uma temporada de Kart para crianças de 10 anos, incluindo treinos e todas etapas custa 100.000 reais, a categoria acima, ainda no Kart para pré-adolescentes, o valor dobra 200.000 reais por ano. Conclusão dos 10 aos 15 o pai do garoto vai gastar algo em torno de 800.000 reais, na categoria basica, antes de qualquer outra..
    É quase impossível conseguir empresas para patrocinar, até porque a visibilidade é quase zero. .
    Até chegar na F1 o custo estimado beira os 50 milhões.
    Como este esporte pode ser inclusivo?.

  3. Excelente texto!
    Gostaria de fazer uma pequena pontuação sobre o Race as One: o GP da Arábia Saudita.
    Inacreditável que a F1 tenha concordado em realizar um GP neste país.
    Claro que mesmo hoje tenha GPs em países não muito “livres”, ex: Azerbaijão, Abu Dhabi, Bahrein.

  4. Já escrevi à uns tempos atrás que a F1 deveria de ter mais cuidado e um critério mais apertado na escolha de alguns países para realizar corridas.
    Cada vez mais vivemos num meio global e onde os direitos humanos são fundamentais. Nos dias de hoje, não se admite que alguns países continuem a praticar politicas duvidosas sem ser chamados à responsabilidade.
    A F1, como um desporto de nível mundial, tem obrigação e deveria de ser um exemplo, porque há ideais que o dinheiro não compra.

    cumprimentos

    visitem: https://estrelasf1.blogspot.com/

  5. A lacração chegou com força na F1. Saudades do Bernie, que cagava pra isso que está acontecendo hoje. A F1 faz coisas hoje que dá vergonha e tudo pra agradar uma minoria que está se lascando pra corridas de carros. Hamilton vestiu muito bem a carapuça da hipocrisia e pensar que não há muito tempo ele disse para o seu sobrinho que saia não era coisa pra meninos. Mas por dinheiro ele mudou rápido seu “pensamento” e deve vender até mãe se for preciso pra agradar os mimi oprimidos. Torci muito por ele, mas hoje, quero que ele suma da F1. Virou um chatão que ultrapassou até Grosjean nesse quesito.

    • É sério que você acha que protesto anti-racista é mimi?

  6. Sinceramente, que texto fantástico! Parabéns, Fábio, por trazer este tema tão importante no mundo e na sociedade em que vivemos hoje. E obrigada, Julianne, por abrir espaço para mais pessoas, mais visões da F1, aparecerem por aqui!

    Seguimos na torcida para que a F1 se torne mais inclusiva (para as mulheres, para negros, para deficientes, para a comunidade LGBT+, etc), que seja um esporte para TODOS! E é justamente assim, com textos como este e com atitudes nessa linha, que poderemos tornar isso possível!


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