A temporada de 2010 foi tão fascinante dentro das pistas quanto fora delas. E não me refiro a nenhuma polêmica, mas, sim, à corrida pelo desenvolvimento dos carros. E os testes limitadíssimos a alguns ensaios aerodinâmicos em reta e gravações de peças publicitárias durante o ano adicionou um fator de risco que foi manejado melhor por uns que por outros.
Curiosamente, a temporada terminou com um cenário semelhante ao que começou: com Red Bull na frente, a Ferrari seguindo, pelo menos no ritmo de corrida, e a McLaren um pouco mais atrás – excetuando-se Abu Dhabi, um caso a parte para os prateados devido ao asfalto liso –, com Mercedes e Renault como 4ª força. Mas muito aconteceu do Bahrein a Interlagos.
A vantagem de largar na frente
Quem conseguiu manter o domínio, sem grandes sobressaltos, foi a Red Bull. Só não largou com 3 vitórias seguidas pelas quebras de Vettel e a inconstância de Webber. A performance apenas lhe escapou nos circuitos de menor carga aerodinâmica – Montreal e Monza – mas a aparente incompatibilidade do RB6 com as retas diminuiu muito com o avanço do duto aerodinâmico.
O duto, aliás, foi a invenção mais óbvia a ser copiada na 1ª parte do campeonato. Todas as equipes estabelecidas, menos a Toro Rosso, desenvolveram seus modelos, alguns acionados por um buraco tapado com a mão esquerda (maioria), joelho (McLaren) e pé (Ferrari). Até Silverstone, o ar era direcionado ao flap inferior da asa traseira, mas quando a Force India teve ótimos resultados direcionando a saída para o flap principal, até mesmo a McLaren, criadora do duto, copiou.
A Red Bull foi uma das equipes que mais demorou para introduzir seu duto de ar. Tinha cartas melhores na manga: seu escapamento, posicionado de forma a alimentar o difusor duplo. E isso era bem mais complicado de se copiar.
Assim, o time austríaco teve o handicap para sempre estar à frente nas inovações. Enquanto todos mudavam o escapamento de lugar, eles flexionaram a asa. Quando todos procuravam onde estava a flexão, mudaram o assoalho. Assim, nunca foram ameaçados.
A Ferrari, por outro lado, teve duas grandes invenções para copiar, e, focando todas as forças num duto que não se mostrou não eficiente, se perdeu no desenvolvimento no início da temporada européia. Apenas quando instalou o difusor escapamento, obtendo sucesso logo de primeira, em Valência, voltou a se aproximar dos líderes.
Onde foi que eu errei?
Mas a grande decepção do ano foi a McLaren. Conhecida pela primazia de seu corpo técnico, a equipe de Woking tinha algo a provar depois do escândalo da espionagem, afinal, os carros de 2007 e 2008, praticamente um prolongamento um do outro, tinham propriedade intelectual da Ferrari. Além desses dois anos, o time havia errado no projeto dos outros 2 carros feitos após a saída de Adrian Newey: 2006 e 2009 foram temporadas para esquecer.
Alguns podem lembrar: mas eles evoluíram muito ano passado, com um carro que começou tomando 1s5 na Austrália e terminou o ano ganhando corridas. É verdade. Mas o diretor Jonathan Neale é o primeiro a reconhecer que isso se deu ao tamanho do erro no projeto inicial.
E, mesmo tendo a inovação mais falada do início da temporada, a McLaren começou o ano tomando mais de 20s das Ferrari ao fim da prova do Bahrein. Os acertos estratégicos e as pistas de alta inverteram essa diferença e os ingleses chegaram a liderar ambos os campeonatos.
Mas a dificuldade na introdução do difusor escapamento, saga que começou em Silverstone e durou praticamente até o final do campeonato, jogou todo o bom trabalho no lixo. Questionado sobre qual foi a falha, Neale apontou uma série de fatores, mas destacou um ponto interessante. “Sabemos que há muita performance a ser obtida do acerto mas, para fazê-lo, precisamos ter uma configuração estável. Acredito que o desafio para todos nós tem sido como continuar desenvolvendo o set-up (e trazer modificações para o carro). Equipes que pararam de desenvolver o carro ficaram muito mais rápidas no final da temporada porque os engenheiros de pista e os pilotos puderam aprender melhor a tirar tudo do que têm à disposição.”
Aí entra uma questão crucial, relacionada à restrição nos testes. Talvez o erro da McLaren tenha sido tentar “reinventar a roda” a cada GP, trabalhando sempre com pacotes extensos de modificações, o que dificultada o entendimento do acerto do carro.
O segredo dessa nova época da “corrida dos engenheiros” parece ser adotar a estratégia do “menos é mais”. Foi o que Red Bull e Ferrari – a partir de Valência – fizeram: menos novidades e mais atualizações de peças, o que facilita a avaliação rápida já no 1º treino de sexta-feira e permite que o foco vá logo ao acerto do carro para o restante do final de semana.
11 Comments
bem Ju, como sempre é chover no molhado apreciar suas matérias! como bom mineiro que sou, vou elogiar: – bom dimais da conta! em vista do seu texto, consegui extrair duas conclusões preciosas, ou melhor, três! 1º acho louvável o desejo da FIA em cortar gastos, ok! mas a falta de testes, no meu ponto de vista, ajuda à quem pode mais pois, se um carro nasce com defeitos, fica difícil correr atrás, e diga-se de passagem, quem tem um MELHOR corpo técnico, mais preparado, leva vantagem pois, a tendência, será o carro receber poucas adaptações!;2º voltando ao post anterior, sobre a política da mclaren, imagino eu, que a equipe deixa o piloto muito dependente, com o feeling adormecido, devido a equipe não dar chance de escolha, praticando a ditadura do time, não sair da linha dos técnicos!; 3º quando é falado sobre a turbulência, será que esse excesso de dependência aerodinâmica, não joga contra o espetáculo, apartir do momento que tornem os carros tão rápidos e nervosos, a ponto de tornar ultrapassagens tão difíceis? não seria melhor procurar soluções mais mecânicas (regulamento/FIA), mesmo que se perdesse em velocidade mas, privilegiando a ultrapassagem? para terminar, podemos ver o salto de qualidade que um piloto técnico e acertador, como alonso, imprimiu na ferrari!
bom, wagner, também não sou muito fã dessa falta de testes, mas mais pelos pilotos jovens, que acabam sendo queimados antes de conseguirem mostrar serviço. Porém, em relação ao que vc citou, quem tem corpo técnico melhor e mais dinheiro sempre vai levar vantagem, com testes ou não. Acho que é mais uma questão de se adaptar a essa nova realidade, como a McLaren descobriu a duras penas.
2º: por um lado, sim. Por outro, isso faz com que eles não dependam de encontrar o tal líder. Vide a Ferrari: teve Lauda soberano e, 20 anos depois, Schumacher. Nesse meio tempo, só ganhou 1 título. A tática só funciona se tiver o cara certo.
3º Tentaram tirar carga aerodinâmica de 2008 pra 2009 mas, ao liberar o difusor duplo, jogaram o trabalho fora. Acho que a solução para ultrapassagem está mais no pneu e nas pistas. Os engenheiros sempre vão dar um jeito de fazer o carro ir mais rápido e um carro rápido é o que tem mais downforce.
O Adrian Newey sempre demora um pouco a copiar novidades dos outros, foi assim no ano passado. É que ele faz carros tão bons que não gosta de mexer de qualquer jeito, faz um pacote completo. Em 2009, junto do difusor, ele colocou aquele bico alto e “gordo”, para aumentar o fluxo de ar que passava por baixo do carro.
E quando ele inova, quando foi nesse ano, até alguém copiar, ele já tem coisa nova. É um gênio.
Ótimo texto, Julliane.
É verdade. E os carros dele são tão complexos que fica difícil só dar Ctrl+C, tem que estudar uma maneira da novidade interagir com o projeto.
cheguei até aqui através do blog do ico, parabéns pelo blog, tu és uma das poucas pessoas que escreveu sobre o episódio da alemanha 2010 com imparcialidade e de forma racional e sem hipocrisia. Já estás nos favoritos!
Obrigada, Samuel. Volte sempre!
Depois de ter visto o salto de qualidade do 24, a McLaren foi de fato a grande decepção da temporada. Se tivessem mantido o foco nos seus pontos fortes (ritmo de corrida e velocidade final de reta) e não tivessem tanta pressa em lançar atualizações (muito pra não perder moralmente pra Ferrari, na minha opinião), o resultado dessa temporada poderia ter sido diferente, ao menos no WCC.
Mas ainda assim ter ficado em segundo no WCC com o terceiro carro do final do ano foi algo memorável.
Muito bom, Julianne! Ótimo texto, parabéns.
Já estou assíduo aqui…
abs
Acho que é natural alguma equipe inovar e outra copiar e agora sem testes tem que adptar de uma corrida para outra até porque o chassis não pode ser mudado. Em 2009 foi o que o Newey fez depois da liberação do duplo difusor mas para realmente funcionar demora um pouco vide McLaren com o “escape turbina” em 2010.
sou contra a falta de testes, deveria ter pelo menos uns 10 dias de testes durante a temporada até para ajudar os pilotos jovens
Hamilton tomou 20 segundos da Ferrari no Bahrein porque ficou preso atrás do Rosberg até os pit stops. Isso nada tem a ver com o nascimento de seu carro. Webber também ficou outra ‘eternidade’ atrás das Ferraris e isso nada tem a ver com a performance do RB6 ao início da temporada. E quanto à propriedade intelectual e o caso da espionagem, a cruzada anti-McLaren de Max Mosely deu todo o tom ao escándalo, mas o que nos garante que a Ferrari também não se valeu de propriedade intelectual vinda de Woking?
Se for para sermos justos, a Ferrari foi decepção bem maior. Enquanto McLaren e Red Bull desenvolveram seus carros de 2009 até o final, ela abandonou o barco cedo e colocou todos seus esforços atrás do F10. O resultado não foi um carro ruim, foram os erros do espanhol e a péssima e abatida temporada de Massa que mascararam todo o potencial do F10. Mas fica a pergunta: onde foram parar os meses a mais de desenvolvimento que o F10 teve em relação ao RB6 e MP4-25? O terceiro lugar no campeonato de construtores e o vice no de pilotos mostra uma tremenda oportunidade perdida por toda a equipe, da fábrica aos pilotos, que não poupou esforços para ver Alonso campeão. A derrota quase humilhante no último GP do ano é uma síntese de 2010 para eles, oportunidades perdidas e potencial desperdiçado.
A McLaren particularmente (a Red Bull lutava pelo campeonato) continuou desenvolvendo o carro em 2009 porque concluiu que as soluções encontradas poderiam ser usadas em 2010. Eles conseguiram unir o difusor duplo ao projeto inicial, o que não foi possível com total sucesso na Ferrari e, por isso, os italianos decidiram abandonar o desenvolvimento e começar do zero. São 2 tipos de approach que, no final, se mostraram equivalentes.
Se o classificação final do GP do Bahrein esconde a realidade, talvez o 1s que Hamilton tomou de Massa no sábado reflita melhor o que a própria equipe reconheceu após a prova.