Como a F1 garante que carros são legais - Julianne Cerasoli Skip to content

Como a F1 garante que carros são legais

Com equipamentos e regras tão complexos, como a Federação Internacional de Automobilismo e a F1 garantem que os carros são legais? A FIA tem uma equipe dedicada a isso e que faz uma série de checagens durante os GPs. Algumas são padrão para todos os carros, e outras buscam pegar as equipes desprevenidas.

E existe ainda a possibilidade de uma equipe ‘entregar’ a outra, usado muito mais frequentemente do que podemos imaginar.

O que é vistoriado no carro de F1 em todos os GPs
O que diz o regulamento sobre a vistoria dos carros de F1
Como uma equipe de F1 ‘espiona’ a outra

O papel do delegado-técnico da FIA Jo Bauer

Ele é conhecido no paddock como cão de caça. Jo Bauer, delegado técnico da F1, costuma ser bem ativo desde os testes de pré-temporada, indo de equipe em equipe, detrás dos tapumes com os quais elas tentam esconder seus segredos umas das outras. Durante o campeonato, ele chefia a equipe responsável por assegurar que os carros estão legais. Se Jo aparece na tela, é porque tem alguma coisa suspeita acontecendo e ele foi lá checar de perto.

Bauer assumiu, em 1997, o cargo de Charlie Whiting, que se tornou diretor de provas. Ele atualmente comanda uma equipe de fiscais altamente especializados que viajam para todas as corridas. Um é focado em unidades de potência, outro em câmbio, pneus, análise de combustíveis e quatro engenheiros de software que têm acesso em tempo real aos sistemas dos carros.

Já os demais são recrutados nos próprios países, divididos em dois por equipe, com licença para atuar como fiscais. “Temos tido dificuldade em renovar esse grupo, porque os jovens não estão mais interessados em carros ou não querem perder dias de folga do trabalho para serem fiscais”, reconhece Bauer em entrevista ao blog. Não há salário para a função destes profissionais locais, apenas o pagamento das despesas.

Equipe técnica precisa de bons comissários de pista

Mas existe um buraco nesse sistema, pela maneira como funciona o sistema de punições da F1. Se há algo suspeito, isso é levantado por alguém do time de Bauer e levado aos comissários de pista. Os comissários, então, decidem se chamam a equipe a dar explicações.

Porém, esses engenheiros que estão sob o comando do delegado técnico, assim como qualquer pessoa que for “depor” na sala dos comissários, só podem responder o que foi perguntado. Se a pergunta não for a correta, é possível que a equipe escape. E os comissários na enorme maioria das vezes não têm formação técnica e não conhecem tão a fundo essa parte do regulamento, e não fazem as perguntas que deveriam.

É claro que, quando uma equipe protesta outra, o processo é mais detalhado. Mas para infrações menores que ocorrem durante os GPs, como secar o asfalto no grid fingindo que está soprando os radiadores, por exemplo, muita coisa pode passar batido por conta desse processo.

Item mais checado é o peso mínimo do F1

Os carros podem passar por vistorias aleatórias a qualquer momento. Mas há uma checagem que é feita desde os treinos livres até durante a classificação e depois da corrida. O peso mínimo.

LEIA TAMBÉM: A evolução do peso dos carros de F1

Aliás, como o peso mínimo do carro de F1 inclui o piloto com sua indumentária, os pilotos se pesam depois das sessões como parte do procedimento para estabelecer se o carro está dentro do regulamento. Também é por isso que os pilotos têm de parar na balança da FIA durante a classificação. Quando entra no pitlane, o piloto é selecionado aleatoriamente, recebe uma indicação luminosa, e tem de encostar. Isso costuma ser um drama para quem está com pouco tempo para fazer outra tentativa, principalmente quando está chovendo e o indicado é ficar o máximo de tempo na pista.

“O motivo pelo qual vistoriamos o peso tantas vezes é porque é a maneira mais fácil de ganhar performance ferindo o regulamento”

Jo Bauer, delegado técnico da F1

Bauer que aproveitou para contar ao blog uma história curiosa do GP da Alemanha, que teve uma chuva de proporções bíblicas logo depois da bandeirada. “Pela primeira vez em meus quase 400 GPs, não pesamos os carros. Não fazia sentido, eles estavam inundados!”

Eu lembro desse dia. Estava saindo da sala de imprensa para ir entrevistar os pilotos quando a chuvarada caiu. Voltei, troquei meu salto pelo tênis de corrida que tinha na mochila. Era menos pior que ele ficasse encharcado.

Combustível, pressão de pneus e unidades de potência são bastante checados

Outros parâmetros também são checados em vários momentos do final de semana. A pressão dos pneus, o fluxo, pressão e temperatura do combustível, e o limite de revoluções do motor e outros parâmetros da unidade de potência (como fluxos de energia) são exemplos constantes.

As equipes sabem que isso será sempre checado. A chance real de pegar algo que uma equipe está tentando esconder é na vistoria aleatória ao final de cada dia. A lista do que foi checado sempre é publicada e está disponível para todos no site da FIA.

“Nós decidimos antes o que queremos checar e tentamos surpreender as equipes. Depende muito do circuito: como são as zebras ou se é um circuito em que a aerodinâmica é importante. Também vemos quais as novidades que os times estão trazendo nos carros, onde é o novo ‘playground’ das equipes. Fazemos dessa maneira porque, se fôssemos checar tudo em todos os carros, demoraríamos algumas semanas. Precisamos usar o bom senso.”

Jo Bauer, delegado técnico da F1

Geralmente, três carros são sorteados ao final do dia para essa checagem mais criteriosa. A lista do que é checado varia, como explicou Bauer, mas ela tem geralmente mais de 20 itens, além do que foi vistoriado no restante dos carros. É bom salientar que essa lista era bem menor coisa de cinco anos atrás. E sempre é publicada no site da FIA na parte de documentos oficiais de cada GP. Vá em Sport-World Championships-Formula One para encontrar.

Um carro é sorteado para uma checagem completa a cada GP

Houve uma mudança importante nas vistorias da F1 a partir de abril de 2021. Logo que acaba a corrida, um carro é sorteado para uma vistoria completa. Ele é levado antes dos demais para a balança para a checagem inicial pela qual todos passam, para agilizar o processo. Depois, é levado ao seu box, onde os mecânicos começam a desmontá-lo sob os olhos da equipe da FIA.

Essa equipe já sabe, de antemão, exatamente o que será checado nesse carro. A FIA divide o carro em 20 áreas macro e checa de maneira profunda um determinado número delas. A equipe não sabe o que será checado, é aleatório.

Os carros já seriam desmontados de qualquer maneira para serem transportados, mas existe a pressão do tempo para fazer o carregamento. Mesmo assim, a FIA garante que, se algo suspeito for encontrado, a checagem só vai terminar quando os funcionários da entidade estiverem satisfeitos. E a FIA também tem a opção de levar os equipamentos consigo.

Vistorias começam antes dos carros irem à pista

São as equipes que têm de checar as dimensões de seu carro, usando templates cedidos pela FIA. “Eles não precisariam usar o nosso equipamento, mas o fazem para ter certeza de que estão extraindo o máximo possível de performance. Eles querem usar todos os milímetros possíveis e às vezes vemos times lixando aparatos aerodinâmicos por conta disso.”

Isso porque, para discutir se um carro é legal ou não, o que vale é a medida da FIA. Isso é feito na sexta-feira antes da primeira sessão de treinos livres. E as equipes têm que entregar um relatório com os dados à FIA.

Já os fiscais da federação inspecionam os dispositivos de segurança, como extintor, cinto de segurança, etc. Os aparatos usados pelos pilotos são checados (capacete, balaclava, macacões, etc.). As aberturas que existem no carro para ajudar na remoção do piloto em caso de acidente também são analisados. Antes da primeira corrida do ano, os pilotos precisam comprovar que conseguem sair do carro em 5 segundos. Eles têm três tentativas para fazer isso.

Mudanças feitas sob regime de parque fechado

Sempre ouvimos que “os carros não podem ser mexidos no regime de parque fechado”, mas não é exatamente assim. Em linhas gerais, a configuração do carro tem que ser a mesma a partir do momento em que ele sai pela primeira vez do box na classificação até a largada. Mas há uma lista de mudanças que são permitidas por regulamento sem punição.

LEIA TAMBÉM: Tudo sobre o parque fechado na F1

As mudanças efetuadas pelas equipes são vistoriadas e publicadas em um documento que se chama “peças e parâmetros alterados sob regime de parque fechado”. Esse documento sai até 2h antes da largada. É bom lembrar que qualquer peça que esteja danificada pode ser trocada sem punição, contando que a nova peça seja da mesma especificação. Isso também vale para elementos da unidade de potência e do câmbio.

O que diz o regulamento da F1 sobre as vistorias

Cada equipe é obrigada a realizar a vistoria inicial de seus carros a partir de 4h antes do início da primeira sessão de treinos livres e apresentar a declaração devidamente preenchida até 2h horas antes do início do FP1. O modelo de formulário de declaração será fornecido pela FIA. Nenhum carro pode ir à pista sem que o formulário esteja preenchido e o delegado técnico tenha aprovado o documento.

No caso de mudança de célula de sobrevivência, é preciso preencher novamente o formulário e o “novo” carro não pode ser usado até o dia seguinte.

A FIA pode vistoriar um carro a qualquer momento durante uma competição, incluindo quando o carro está em parque fechado.

A entidade pode também: exigir que um carro seja desmontado para se certificar de que ele está dentro das regras. Exigir que sejam entregues amostras ou peças quando necessário.

Os comissários são obrigados a publicar as conclusões cada vez que os carros forem verificados. Essas publicações não incluirão nenhum valor específico (ou seja, medidas ou coisas do tipo), exceto quando um carro não estiver dentro do Regulamento Técnico.

A importância da espionagem entre as equipes

Mesmo com todas as checagens, é possível que a FIA esteja procurando as coisas erradas. Então, como garantir que um carro de F1 está dentro das regras? Um último recurso, muito importante, é a possibilidade de uma equipe consultar a FIA sobre algo que acredita que um rival está fazendo.

Um bom exemplo foi o caso do motor da Ferrari de 2019. As concorrentes começaram a elaborar teorias para explicar o ganho de potência em determinados momentos. E chegaram à suspeita de que se tratava de algo relacionado ao fluxo de combustível. E começaram a questionar a FIA se era permitido fazer isso. Diante da negativa, eles então apontaram o dedo para a Ferrari, pedindo uma checagem mais rigorosa. No final, os italianos chegaram a um acordo para evitar uma punição.

Não é por acaso, portanto, que as equipes investem tanto tempo em espionar umas às outras. Uma foto de um assoalho de carro levantado por um guindaste após um acidente vale ouro, e é comum ver diretores técnicos espiando os rivais no grid. Afinal, são os pedidos de esclarecimentos vindos de desconfianças que brotam com essas observações movem as inspeções mais duras na F1.

Existem muitas checagens que acontecem ao longo da temporada por conta desse tipo de pedido, e nós nem ficamos sabendo. A flexibilidade da asa de um, a suspensão do outro. É um movimento comum para tentar garantir a lisura do campeonato.

2 Comments

  1. Ótimo artigo – nao fazia idéia da rotina e regras dos procedimentos de verificação. No ano de 1999 fotografei o evento “Masters F3” em Zandvoort e era Jo Bauer (e equipe) quem realizava as verificaçoes (um grid com mais de 30 monopostos), e o vi fazendo até mesmo de carros saloon de uma prova preliminar à F3.
    Fiquei curioso como terá sido a verificação pós-corrida do GP da Espanha vencido por Pastor Maldonado, nao lembro agora qual ano; o domínio dele foi tamanho que não pude deixar de imaginar uma manobra de bastidores de mr. E para que a Williams obtivesse pneus ‘particularmente diferenciados’ para aquele GP (na pista em que mais se testava na F1), em fim de semana que se celebravam os 70 anos de idade de Sir Frank. Aliás: aconteceu o incêndio no carro vencedor da prova, mas daí já tinha sido retirado do parque fechado, foi dentro do box da equipe britânica.
    Presumo que aconteceria verificação dos pneus somente com algum protesto de outra equipe, o que provavelmente não houve.

  2. Sensacional Ju,a cada artigo um aprendizado.
    Nunca aprendi tanto.
    Obrigado
    Alberto Parada


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