“A cidade pode ser famosa pelos esportes de inverno. Hoje será pelos aquáticos”, Martin Brundle dá um pontapé poético para a transmissão da BBC, sem saber que ficaria por mais de 4h seguidas no ar. Também sem saber que muito provavelmente se arrependeria, Reginaldo Leme, na Globo, aposta em Hamilton. “Na chuva, é com ele mesmo.” Estamos mesmo no Canadá, pista de surpresas, que “já fez muitos chorarem”, como lembra o narrador inglês.
A corrida começa com o Safety Car, o que é apoiado por ingleses e brasileiros. “É a decisão certa, tendo em vista a quantidade de acidentes que tivemos no seco”, pondera David Coulthard. “Só estão com Safety Car porque ainda não andaram nestas condições”, completa Reginaldo. Só Brundle tem suas dúvidas. “Mas eles são os melhores pilotos do mundo. Conseguem lidar com isso.” Os espanhóis, com os desfalques importantes de Pedro de la Rosa e Marc Gené, se dividem. Para Jacobo Vega, é “bom para Alonso, porque o lado dele estava mais molhado”, mas Antonio Lobato acha que “não é um dilúvio como Fuji/07, não precisava.”
Brundle e o narrador só são ouvidos na quinta volta. ”Os carros que acreditamos estar com acerto de chuva são as McLaren, Virgin, Williams e Di Resta”, informa o repórter Ted Kravitz, enquanto Vega aposta que Hamilton vai para cima de Webber logo de cara. E acerta. “Ele deu espaço e Lewis escapou para cima dele”, é o diagnóstico de Brundle. “Às vezes falta paciência. Ele tenta ultrapassagens impossíveis”, vê Vega. “Acidente de corrida, mas culpa do Hamilton de novo. Ele não estava tão próximo”, diz Galvão Bueno que, assim como os ingleses, observa Massa preso por Alonso. “Ele tem dificuldades para manter o companheiro atrás”, diz Brundle. Para os espanhóis, no entanto, as possibilidades são outras. “Ele pode estar indo com calma pelas condições ou tendo problemas de aquecimento de pneus.”
Depois de outra tentativa frustrada de ultrapassagem, quando Schumacher o empurrou para fora da pista, uma batida com o companheiro acabou com a corrida de Hamilton. “Em três voltas, ele já bateu no Webber, forçou para cima do Schumacher onde não devia e tocou no companheiro. Ele não está em um bom momento de cabeça”, sentencia Galvão. “É um piloto fantástico. Mas o que mais me preocupa é a comparação com o Ayrton Senna. Ele acha que é perseguido porque é o melhor. Desde que o pai deixou de cuidar da carreira e ele passou a contar com a ajuda de gente que cuida de artista, parece que não está com a cabeça no lugar”. Para Reginaldo, “ele está merecendo perda de posições no grid da corrida seguinte.”
Os ingleses pegam mais leve com Lewis. “É incrível como ele continua batendo em vários pilotos”, é a primeira reação de Coulthard, que vai abaixando o tom, à medida que vê os replays e leva uma cutucada de Brundle. “Você e Mika já fizeram isso na McLaren, né?”. “É a última coisa que você quer. E ainda por cima eu não venci aquela prova, o que é pior ainda.”
A dupla considera incidente de corrida. “O problema é que JB sabia que ele estava lá, mas não deu para ver que estava do lado. Vai ser difícil eles se entenderem. Sempre achei que o amor entre os dois teria prazo de validade”, diz Brundle. Quando a corrida é paralisada, a BBC repete a batida exaustivamente, pois o narrador quer determinar o momento em que Jenson para de olhar para o espelho, enquanto Coulthard destaca o fato da mudança de linha do inglês ser exclusivamente pela tomada da curva. “Button é mais gentil, não vai reclamar, mas tem muita razão”,completa Reginaldo.
Os espanhóis classificam Hamilton de impaciente. “Ele entrou em um lugar que em que não havia espaço”, decreta Lobato. “É um piloto rapidíssimo, mas tem que ter mais paciência. Depois de tudo o que fez em Mônaco, volta a envolver-se em confusão. Acho que não é coincidência. É falta de paciência”, completa Vega.
Na Globo, insinua-se que, por Massa estar visivelmente mais rápido, a Ferrari devesse intervir. “Eles já deram uma mão uma vez”, diz Galvão. “Na situação inversa, né?”, pontua Reginaldo. “Fernando está indo com cuidado porque sabe que pode sair um Safety Car logo”, justifica Lobato.
Alguns pilotos colocam pneus intermediários e voam na pista, o que leva Brundle a estranhar que os outros não os sigam. “Com toda a experiência, Barrichello viu que tem que trocar de pneu”, destaca Galvão. Na BBC, entretanto, Ted Kravitz dá uma de homem do tempo e prevê chuva. “Há nuvens pretas, está mais frios, e Button está com os pneus errados.”
O inglês acertou em cheio. Antes do aguaceiro cair, foi Alonso quem trocou os pneus. “Agora Felipe pode se dar bem. Alguma vez tem que dar, tem que voltar a chover. Torce! Uma hora tem que dar sorte! Uma hora a sorte tinha que mudar de lado!”, as exclamações aumentam à medida que a água cai com mais intensidade e Massa continua na pista, agora em segundo. “A vantagem de Vettel nessas condições é que ele não precisa ser o primeiro a parar. Ele pode ver o que os outros fazem”, observa Coulthard.
Os espanhóis ficaram inseguros. “Parece que o pneu do momento é o intermediário, mas a expectativa é de que chova”, lembra Vega. “Alonso devia copiar Vettel”, afirma Lobato, antes do espanhol fazer sua parada. Quando a chuva cai, o narrador acredita que o Safety Car é bom para Fernando, mas logo o espanhol troca novamente de pneus.
Brundle questiona a necessidade do Safety Car, mas Coulthard acredita que é a decisão certa. “Isso é algo que a GPDA sempre pede. Não esperem alguém bater para colocar o SC quando chove.”
A chuva piora e, com a bandeira vermelha, Galvão se confunde com as regras. “Como o Kobayashi vai largar com esse pneu?” Reginaldo completa. “Ele é irresponsável, é um grande piloto, mas daqui a pouco faz alguma coisa.” Enquanto isso, na BBC, o segundo lugar era prova de que “todos os japoneses são bons na chuva. Ele vai tentar passar Vettel, com certeza.” Depois de esperar a corrida recomeçar por mais longos minutos, com direitos a histórias do passado e matérias de gaveta, o futebol ganhou na Globo.
Brundle e Coulthard enfrentam a paralisação, assim como Lobato e Vega – no entanto, o vídeo que assisti cortava o período de bandeira vermelha. Na BBC, entrevistas com Christian Horner, Lewis Hamilton, Jonhathan Neale (que garantiu que seus pilotos tiveram um “acidente de corrida”), Paul Di Resta, Sam Michael (Rubens queria mudar o acerto, mas Charlie Whiting não aprovou), Webber, Kovalainen, D’Ambrosio, James Key e Martin Whitmarsh.
Hora de discutir os lances polêmicos das poucas voltas disputadas até ali. Para Brundle, “Hamilton seria penalizado pelo acidente com Webber se não tivesse abandonado.” Coulthard defende. “É a natureza do estilo dele. É por isso que tem tantos fãs. Na maioria das vezes funciona. Mas, ao passo que Vettel não comete erro algum, Hamilton parece se envolver em confusão em cada curva que faz. É uma fase ruim.” Brundle lembra que uma em cada 10 ultrapassagens na temporada foi feita pelo inglês. “É por isso que ele se envolve em tantos problemas.”
Coulthard dá uma de conselheiro. “É frustração porque ele acha que é o melhor piloto do mundo e acha que merece mais vitórias e campeonatos. E a McLaren não está dando isso. Se fosse empresário, diria a ele: relaxe. Todos sabem que você é bom. Não force, não faça mais do que o carro pode. Deixe fluir.”
Observando o toque com Hamilton, a dupla acredita que depende da interpretação. “Pode ser uma batida evitável ou acidente de corrida.”
Algum tempo depois, começou a faltar assunto. “Está chovendo tanto que até barco consegue andar”, brinca Coulthard. E o pássaro que, para Reginaldo Leme, era são-paulino, para o ex-piloto escocês é “pássaro preto de ombros vermelhos. Será que pássaro tem ombros?”
A corrida recomeça – na Globo, só com flashes, comandados por Luis Roberto. “O público mal consegue acreditar. São carros de corrida! Eles continuam na cidade!”, diz Brundle, que logo se irrita com o Safety Car (novamente). “Vamos lá, tirem esse Safety Car daí, vamos ver o que esses pilotos podem fazer!”
Na La Sexta, inicialmente Vega e Lobato creem que a largada cuidadosa é o melhor – “todos devem estar dizendo via rádio que não dá para ver nada, até porque Hamilton não está aí” –, mas depois de algumas voltas já começam a reclamar. “Quanto mais tempo demora, menor é a chance de ter confusão para Whiting resolver”, acredita o narrador. “Estão acontecendo muitas coisas sem sentido em Montreal.”
As críticas só aumentam com os pilotos logo colocando intermediários. Mas Luis Roberto não entende. “Eles estão trocando para outro pneu de chuva, porque este está desgastado.” E, consequentemente, não percebe que Schumacher tinha pneus diferentes. “Ele está voando. É o velho Schumi!”
Outro que estava “voando” com intermediários era Button. E logo se encontrou com Alonso. “Fernando deve ter achado que tinha dado espaço e confiou que Button conseguiria parar o carro. É acidente de corrida. Você pode falar que ele estava tentando recuperar uma posição perdida, mas é isso que você tem que fazer numa corrida.” A análise na La Sexta é mais simplista. “Já estava com meio carro à frente e Button tocou nele. Que pena que o carro ficou preso.” E Luis Roberto exclama. “Olha onde o Alonso foi parar.”
Na volta 44, Vega já vê a possibilidade dos pneus de seco entrarem em ação – “vamos ver quem é o corajoso”. É Webber. “É uma decisão corajosa, mas pode fazer uma grande diferença”, diz Coulthard. “Tem gente colocando pneus de seco com este tanto de água”, Galvão está descrente. Ele e Brundle começam a pedir atenção para a corrida de Button na volta 56, logo antes do Safety Car causado pela colisão de Heidfeld e Kobayashi. “Nick tinha tanta tração na saída da curva que bateu. Parece bobo, mas é fácil de acontecer. Acontece comigo”, testemunha Brundle, que acredita que o escapamento emitindo gases o tempo todo tenha prejudicado o alemão, no que é classificado como um “acidente terrível” por Lobato – ainda que os espanhóis não o tenham visto, uma vez que estavam no comercial.
Nesse momento, a Globo já havia voltado. E Galvão destacava a “corrida histórica” de Button. “A McLaren acertou na estratégia, apostando na chuva”, destaca Burti. “Uma das melhores corridas que vi do Button, mesmo com o problema provocado por Hamilton”, lembra Reginaldo.
Massa aparece com o bico danificado. “Vinha fazendo uma grande corrida”, vê Reginaldo que, no final da prova, decretou que “a Ferrari se precipitou ao colocar o pneu slick.” Os brasileiros destacam o “gigante” Schumacher. “Olha o Schumacher, vai voltar para o pódio!” Lobato também observa a corrida do “agressivo” Schumacher e questiona. “É interessante como os pneus de seco se degradam tanto na Mercedes e os de chuva não.”
Galvão percebe que o Safety Car vai ajudar Button. Na relargada, o inglês já está na cola de Webber e Schumacher. O australiano pula uma chicane e tem que devolver a posição ao alemão. “Isso sem deixar Jenson passar… Ele consegue. Pensou rápido”, se anima Brundle. “Fez três bobagens seguidas em três voltas seguidas”, opina Galvão. “Essa corrida não terminou na briga pela vitória, nem pelo pódio”, observa Coulthard.
Não é o que veem os espanhóis. “Vettel está tranquilo. Seus rivais estão fora. Hamilton, Alonso e até Button”, diz Vega. “Acontece tudo na corrida, menos com o indestrutível Vettel. Estou vendo Button perto e era para Alonso estar com ele”, Lobato faz questão de lembrar.
Apenas na volta 66 os espanhóis percebem que Button busca vencer a prova, até porque “Vettel tem algum problema”. E Lobato repete: “era para Alonso estar aí.”
Brundle acha que, se a corrida terminar no tempo, isso salvaria a vitória de Vettel, mas logo faz as contas e vê que a prova vai até a volta 70. Galvão não se surpreenderia se, mesmo que o limite fosse ultrapassado, continuassem com a prova. “Eles andam rasgando tudo”, diz, em relação às regras. Button chega e Coulthard percebe logo na entrada da curva que o alemão errou. “Ele ainda não terminou abaixo de segundo, mas finalmente mostrou que é humano”, exclama Brundle. Para Lobato, é “um erro gravíssimo de Vettel”. Vega diz que “ele estava forçando muito”.
Massa passa Kobayashi no finalzinho e Galvão vibra. “Pelo bico! Valeu, Felipe”. Para os ingleses, isso só aconteceu com a ajuda da asa traseira móvel. Destacam as posições das equipes pequenas. “É importante para o campeonato.”
O destaque vai para Button, é claro. Menos na Espanha, em que preferem frisar como Vettel parece “bravo” com o desfecho da prova e o bom trabalho de Alguersuari, “largando do pitlane a oitavo.” “Absolutamente espetacular”, repete Galvão. “É de arrepiar.” E Reginaldo lembra. “E em uma corrida em que o companheiro de equipe dele, o Hamilton, fez tanta bobagem.”
“Com certeza é a melhor vitória da carreira de Button. Lembre que no penúltimo Safety Car estávamos questionando se ele alcançaria o pelotão. E ele ganhou a corrida!”, diz Brundle. “Que pilotagem fantástica. Parecia que tudo estava perdido.”